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Haitianos voltam à sala de aula em Flores da Cunha

Língua Portuguesa é ensinada a grupo de estrangeiros semanalmente

Durante o dia, a sala número 1 da Escola Municipal Leonel de Moura Brizola é o espaço onde crianças do ensino fundamental aprendem História e Geografia. Pouco antes do início da noite, porém, quando os estudantes já estão em casa e a escola é apenas um conjunto de portas e corredores vazios, esta mesma sala é ocupada novamente. Desta vez por pais que deixaram suas famílias no Haiti e tentam uma nova vida em Flores da Cunha.

É ali que haitianos se reúnem semanalmente para aprender a escrever e falar a Língua Portuguesa, na tentativa de superar uma das principais dificuldades impostas pela permanência no Brasil: a da comunicação. Além de permitir a interação social, o aprendizado do idioma é requisito básico para que eles consigam emprego, motivo pelo qual muitos deixaram o país de origem.

Os encontros começaram em outubro, depois de várias reuniões entre haitianos e profissionais do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que discutiam a situação dos estrangeiros em Flores. Foi depois de ter participado destas reuniões que o médico Alexandre Rabello de Almeida pensou em organizar aulas de português. Com ajuda e incentivo do Rotary Club, representado pelo presidente Gilmar Marin, estabeleceu-se o projeto piloto com a prefeitura.

Segundo o secretário de Desenvolvimento Social de Flores da Cunha, Ricardo Espíndola, estas aulas visam a inserção dos haitianos no mercado de trabalho. Isso porque muitos dos estrangeiros, apesar de terem cursos primários, secundários e até formação superior, não são admitidos pela dificuldade na comunicação, já que alguns deles falam apenas o crioulo – dialeto do Haiti.

Ele explica que eles aprendem a escrever, mas que o foco é a possibilidade de comunicação e não a alfabetização. Posteriormente, se houver interesse a prefeitura estudará a possibilidade de manter aulas regularmente.

Mesmo cansados, depois de um dia de longa jornada de trabalho – realizada em diversos pontos de Flores, Caxias do Sul e até Bento Gonçalves – os alunos não desanimam, muito menos perdem a simpatia. Atualmente, 35 alunos formam as duas turmas reunidas uma vez por semana, das 19h30min às 21h30min. O grupo da terça é formado pelos iniciantes e o de quarta, por aqueles que já têm algum domínio da fala. Nestes últimos dias, no entanto, o número foi reduzido, já que muitas empresas estão oferecendo horas-extras aos funcionários, dificultando a ida às aulas.

Fé e otimismo
Jhonny Lazardi, 41 anos, é formado em Administração e em Hotelaria Turística; fala fluentemente português, francês, espanhol, inglês e crioulo haitiano; já pertenceu à classe média alta, mas está desempregado há um mês. Morador de Flores da Cunha há um ano, foi demitido de uma fábrica de móveis em que trabalhava.
Entretanto, a falta de um registro na Carteira de Trabalho não significa acomodação. Além de estar trabalhando em um projeto profissional ele é fundamental para que outros haitianos aprendam o português, principalmente nas aulas de terças-feiras. Lazardi traduz o que o professor de Língua Portuguesa e responsável pelas aulas, Diego Mondadori, ensina.

Ensinar, aliás, é atividade familiar para o haitiano, já que sua esposa é formada em Pedagogia e ele já atuou como professor voluntário no Haiti, paralelamente a atividades na área de turismo. “Havia muitas crianças analfabetas e isso me deixava preocupado”, recorda. Filho de um político exilado, Lazardi nasceu na República Dominicana, onde viveu até os 15 anos, quando a família voltou ao país de origem. Ele levava uma vida “com o suficiente para viver bem”, mas queria crescer profissionalmente. Dada as limitações do país e o alto custo do ensino, partiu para a Venezuela, acompanhado pela esposa, três meses antes do terremoto que devastou o país em janeiro de 2010.

Lazardi soube da tragédia pela ligação de uma cunhada que, pouco informada, disse que toda a família havia morrido. Durante uma semana e sem notícias da mãe nem dos filhos, o desespero só não lhe dominou por causa de sua fé em Deus. “Eu disse ao Senhor: Tu sabe por que eu saí. Mas foi muito difícil.” Quando finalmente conseguiu uma ligação telefônica com a mãe, fez com que cada um dos familiares lhe dessem um ‘Alô’ que confirmasse a sobrevivência, já que moravam em área atingida pelo terremoto.

Hoje, há quatro anos sem ver os filhos de 19, 17 e sete anos, além dos dois netos e seis irmãos, as ligações telefônicas são raras devido ao cuso. Skype e Facebook são os únicos canais de comunicação, além das fotos salvas no telefone celular, uma maneira de amenizar a saudade.

Duas turmas totalizam 35 ‘estudantes’ nos níveis inicial e avançado. - Geisiele Lordes
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