Geral

Girarrosto, o menarosto italiano

Prato típico, trazido pelos imigrantes italianos, ainda é tradição em alguns lugarejos da Itália

Declarado prato típico de Flores da Cunha, o menarosto virou manchete da imprensa. Que bom, pois assim oportuniza a redescobrir esta tradição trazida pelos imigrantes italianos ao Brasil.
Menarosto, em tradução livre, significa "levar o assado" que assume, também, o nome do aparelho usado para tal fim.

Lembro-me, quando criança, na Valada do Pinhal (Travessão Pinhal, pequena comunidade localizada próximo a Santa Justina), dia de menarosto era dia de alegria. Os vizinhos reuniam-se, num momento de convivência e fraternidade. Era quando os pássaros, pombas caseiras, carnes de leitão e frango eram assados. Esses encontros eram marcados, além da gastronomia, pelo canto, pelo jogo da mora e, acima de tudo, por farta polenta assada na banha e muito vinho.

Aquilo que era feito no aconchego dos lares, por ação pioneira de gente de Otávio Rocha, foi levado aos salões e, diante da ausência dos pássaros, surgiram as codornas. Para complementar o prato: leitão, galeto, coelho, tudo com muito lardo (toucinho) e sálvia em profusão.

Na Itália
Retornei há alguns dias da Itália e me surpreendi pela continuidade desta tradição por lá. Em festa turística na cidade de Cison de Valmarino, em Treviso, vi na rua, montado em uma carroceria móvel de caminhão, uma estrutura para assar carnes de gado, leitão e frangos. Divididos em quatro espetos rotativos, movidos a motor elétrico e no centro o fogo, a tradição é mantida. Mas, pelo amor de Deus, não falem em menarosto. Esta é uma palavra depreciativa. Por lá, a palavra chave é Girarrosto, isto mesmo, com dois ”r”. No fundo quer dizer a mesma coisa, levar o assado ou girar o assado. Ao invés de grandes salões, o girarrosto é servido em pequenas porções, em pratos individuais, e degustado em mesas provisórias espalhadas nas ruas.

Mas o mais surpreendente da tradição do girarrosto italiano foi descobrir na região de Vicenza, em propriedades privadas, enjaulados dentro de uma sala, mais de cem pássaros totalmente no escuro. Explico: ficam de julho a outubro totalmente isolados, no escuro. O objetivo é iludir os bichinhos, fazendo-os pensar que ainda é inverno, atrasando com isso o acasalamento. Em outubro, abre-se lentamente uma pequena réstia das janelas. É hora de começar a cantar e trabalhar. Depois da colheita da uva são colocados em áreas agrícolas e, com a chegada do inverno, vários pássaros migram em direção à África em busca do calor. Ao passarem sobre a Itália, são atraídos pelo cantar dos pássaros enjaulados e, ao descerem, podem ser abatidos pelos moradores (400 por pessoa).
Esses pássaros fechados, chamados de chamarizes, são fornecidos aprisionados por centros autorizados pela Província (armadilhas de aves). São regulamentados e matriculados através de aneis, aplicados em uma das pernas. Esta tradição existe há mais de cinco gerações. A taxa anual para uma licença de caça é de 350 a 400 euros. Se pode caçar cerca de 400 aves migratórias ao ano. Ficam depois em refrigeração com as penas, aguardando o dia da refeição.

São cozidos em espetos rotativos ou na frigideira, sempre acompanhados com polenta assada ou frita em óleo. A família organiza geralmente três a quatro assados na temporada invernal. Uma dedicada exclusivamente aos membros da família, enquanto que nos outros também participam familiares, amigos e conhecidos. A caça na Itália é uma tradição secular!

Para as novas gerações, orientadas pela preservação da natureza, é difícil de entender como eram sacrificadas as aves e animais silvestres. É preciso compreender a situação em que eram instalados os imigrantes: no meio da mata fechada, longe de tudo e carregando no seu inconsciente, ainda a grande epidemia, a pelagra – falta de proteínas. O país da cucagna, um verdadeiro paraíso, com a fartura da sua natureza, os ajudaram a sobreviver, utilizando estes recursos, por pelo menos duas gerações.

A gastronomia, os cantos, as danças, os linguajares, marcam as tradições dos povos. O girarrosto italiano ou o menarosto brasileiro, preservam tradições milenares e servem para congregar e alegrar o coração humano.

Compartilhe esta notícia:

Outras Notícias:

0 Comentários

Deixe o Seu Comentário