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Fórum Educacional Regional ocorre hoje em Flores da Cunha

6ª edição será realizada no salão paroquial com a educadora Tania Zagury. A entrada é franca. Confira entrevista com a palestrante

Em sua 6ª edição, o Fórum Educacional Regional – Responsabilidades e Limites pretende reunir no salão paroquial de Flores da Cunha pais, mestres, alunos e a comunidade que se interessa e se preocupa com uma educação de qualidade. A atividade, marcada para iniciar às 19h30min da próxima segunda-feira, dia 7 de abril, tem como tema Filhos: Manual de Instruções. O nome faz referência ao livro da educadora, filósofa e escritora Tania Zagury, palestrante desta edição. Em encontro para a comunidade, mas principalmente para pais e professores, o Fórum deve abordar a relação entre a escola e os pais e como os limites em casa podem influenciar diretamente nesta relação. A entrada é gratuita.

Em encontro pensado para as famílias, apresentando propostas de parcerias entre as escolas e os pais, o Fórum Educacional Regional tem como objetivo promover uma educação de qualidade para as crianças e jovens. De acordo com a secretária de Educação, Cultura e Desporto, Ana Paula Zamboni Webber, a relação pais-escola tem uma ligação muito próxima e direta no aprendizado da criança e do jovem. “Além dos pais entenderem como adequar suas rotinas com o contato com os filhos, é importante que os professores entendam em que momento devem estreitar essa relação com os pais. Isso resulta em uma educação de qualidade”, valoriza a secretária.

O Fórum terá a participação de todas as redes de ensino do município – municipal, estadual e particular. “As escolas também terão um momento para falar sobre projetos realizados com seus Conselhos de Pais e Mestres (CPMs), assim como os pais que participam. Todos estarão falando desta relação tão importante”, acrescenta Ana Paula. O 6º Fórum é uma realização da prefeitura de Flores da Cunha, por meio da Secretaria de Educação – a entrada é gratuita.

Para discutir a relação entre escola e pais

Tania Zagury é considerada uma das educadoras mais respeitadas do Brasil. Por meio de seus livros muitos assuntos começaram a ser discutidos no país, como ética e ensinamento de limites. Tania é carioca, mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), filósofa graduada também na UFRJ, professora de Psicologia da Educação, Sociologia, Filosofia e Didática e pesquisadora em educação. Em seu currículo está 24 livros no Brasil e no Exterior, além de seis capítulos de livros, um total de 28 publicações. Entre as principais obras estão O Professor Refém, Os Direitos dos Pais: construindo cidadãos em tempos de crise, Escola sem conflito: parceria com os pais, O adolescente por ele mesmo, Educar sem Culpa: a gênese da Ética, Filhos – Manual de Instruções: para pais das gerações X e Y, entre outros.

Em Flores da Cunha, a educadora deve falar sobre as mudanças que ocorreram nas famílias, o que foi acontecendo e como essas mudanças influenciaram também a relação da criança com a escola. “Vou falar para pais, claro que para professores também, mas o objetivo do evento é atingir a família. Meu trabalho no Fórum será baseado em alguns dos meus livros, onde a maioria é destinada para os pais. Em meus mais de 40 anos como professora percebi que grande parte dos problemas que temos tido nas escolas se deriva de deficiências na família”, aponta Tania.
O jornal O Florense conversou com a educadora sobre alguns assuntos que serão abordados no Fórum Educacional Regional. Confira abaixo.

O contato escola e pais

“No momento de pensar essa relação, escola e pais devem pensar. Atualmente observamos pais que vão até a escola reclamar de uma porção de coisas, mas isso tudo seria tranquilo se não fosse feito na frente das crianças. Falar mal da escola na presença dos filhos acarreta em uma situação aonde as crianças vão perdendo a confiança e começam também a desautorizar o professor. As novas gerações de pais têm tido cada vez mais dificuldades para trabalhar a questão dos limites e da socialização primária, que sempre foi uma função que a família fez muito bem e, a partir das décadas de 1970 e 1980, se começou a ter dificuldades em relação a isso. Os pais querem dar muita liberdade para os filhos e com isso muitas vezes a criança entende mal essa questão. Isso tudo faz com que os próprios alunos não vejam os professores e a escola como uma instituição em que eles devem confiar. Desde pequena a criança deve socializar – e socializar significa saber viver em grupo e respeitar os direitos dos outros. Essas mudanças têm levado muito a ideia onde a criança cresce achando que sempre tem razão, pois os pais muitas vezes não têm coragem de dar limites e ensinar. Ensinar que se deve olhar e ouvir o outro também, esperar sua vez pra falar. São coisas assim que vemos que hoje não estão sendo feitas.”

Os limites

“Em 2000, quando escrevi o livro Limites sem Trauma, fui a primeira educadora a falar que dar limites não dava problemas emocionais, como se falava muito na época. O livro figurou nas listas dos mais vendidos do Brasil durante 56 semanas justamente por desmistificar essa visão muito usada na psicologia e na psicanálise, e mesmo assim distorcida, onde se defenderia a ideia de que não se devia dar limites. Primeiramente, o termo ‘impor’ limites já traz uma linguagem que faz parte dessa antiga visão. Um pai que quer ser liberal e moderno não pode ‘impor’ limites, pois já passa a ideia de autoritarismo. O termo mais apropriado é ensinar limites. Ensinar que todos nós temos direitos, mas que todos também temos deveres. Essa é a questão básica.”

“Começar a ensinar limites é muito relativo. Claro que isso não se faz com uma criança de seis meses, o limite deve começar a ser dado quando a criança já entende a linguagem – em torno de um ano e meio. Na verdade, logo que a criança começa a andar e que ela conquista novos espaços e começa a ter certa independência de mobilidade. Com isso ela inicia um contato com outros ambientes e, até por questão de segurança dela própria, é preciso que os pais ensinem que algumas coisas ela pode mexer e outras não.”

“Ensinar limites é também proteger a criança. Primeiro fisicamente, depois socialmente também. Uma pessoa sem limites, quando chega à adolescência e nunca ouviu um não, não está acostumada a ser ‘podada’ ou limitada, nem olhar o não com naturalidade. Então isso faz com que muitas vezes ela se coloque em altos riscos, inclusive sociais. E esse é um problema mundial. Limites sem Trauma teve mais de 600 mil exemplares comercializados e foi traduzido na França, Itália, Espanha, Canadá, América do Sul e países da América Central, como República Dominicana e Cuba.”

Filhos superprotegidos

“Não podemos nos preocupar somente conosco. Com o que eu quero, o que eu gosto. Este é um enfoque muito psicológico, é a psique, é o eu individual. Isso não deixa de ser bom, mas na escola é assumir uma característica que não dá condições de trabalho. O professor deve sim entender que as crianças têm diferenças individuais, isso está certo, mas é preciso que se perceba que na escola a visão principal precisa ser social. Temos que pensar sempre no grupo e foi contra isso que comecei a escrever, para chamar atenção dos pais. Teu filho precisa de uma professora que lhe de um olhar afetivo? Sim, porém ele tem que entender que está num grupo e deve aceitar as regras deste grupo. Caso contrário, ele não progride intelectualmente e, futuramente, também socialmente.”

“Não pode ser tudo como ele quer, então hoje temos vários fenômenos que são decorrentes da falta de limites e de ética. Por exemplo, de cada quatro jovens entre 14 e 24 anos, um não trabalha nem estuda, e não é por questão de desemprego, mas porque a maioria desses jovens decidiu que não gosta da escola, que não quer trabalhar porque não encontrou nada que goste de fazer. São dois argumentos que são derivados dessa visão totalmente equivocada de que o mundo existe para satisfazer e na verdade não é assim. Então quando esse jovem entra em contato com a realidade da vida, por ter sido superprotegido, tem sérias consequências. Um dos maiores problemas da escola moderna hoje é a superproteção e a falta de limites na infância.”

“Hoje sou professora do ensino superior, mas antes atuei no ensino fundamental. Sempre ouço dos próprios professores que os alunos dizem ‘eu não quero fazer isso’, um reflexo do que eles estão acostumados a fazer em casa. E o professor com 20, 30, 40 alunos não pode deixar cada um fazer o que quer, até pela segurança das crianças. Também, evidentemente, porque com cada um fazendo o que quer não existem condições de aprendizagem.”

A importância do ouvir

“Temos hoje famílias contemporâneas, modernas e com múltiplas variações. Esse ‘problema’ não seria um problema desde que as pessoas não fossem tão individualistas, exatamente outra consequência dessa visão que aumenta o ego das pessoas. Tudo começa com eu... Eu não gosto, eu não quero, eu não me submeto, enfim. A capacidade de suportar qualquer contrariedade gera também essa indisponibilidade para ouvir o outro, que é o que preocupa muito. Uma das grandes causas das relações hoje serem tão fáceis de serem desfeitas é exatamente essa dificuldade de ceder e dar espaço para o outro. Por isso temos um alto índice de casamentos, mas também de separações. Claro que as pessoas podem, e devem, refazer sua vida quando não estão felizes, isso inclusive foi uma luta da minha geração, mas o que deixa os educadores preocupados é o fato de que as pessoas não estão dispostas a de fato ouvir o outro com atenção e cuidado que dão a si próprios.”

“Uma separação deveria ser normal, principalmente quando envolve filhos, mas muitos pais brigam e a criança acaba com dificuldades. Meu livro mais recente, Filho – Manual de Instruções, traz essa abordagem de como o pai e a mãe, padrasto ou madrasta, convivem com essas novas famílias, que são famílias bem múltiplas e com muitas variações. Independente disso, a base de tudo é você saber ouvir o outro e entender que não só você tem direitos, mas todos. Nesse ponto, voltamos à questão da socialização básica, que não deixa de ser a questão dos limites. Tudo está interligado e uma coisa é consequência da outra.”

Para os pais

“É impossível saber o que acontecerá daqui a alguns anos, mas é importante que os pais entendam que se essas habilidades sociais não forem trabalhadas hoje futuramente vão surgir muitas dificuldades com os filhos. Os pais devem plantar hoje e ter paciência por dois ou três anos. Certamente terão um futuro muito mais tranquilo ao lado dos filhos e também na relação com eles. O grande problema atual é que na medida em que a criança cresce sem limites ela desenvolve problemas, não apenas na relação afetiva com as pessoas, mas também nas suas relações de trabalho e com a sociedade. Porque se você não é capaz de aceitar um não, como vemos muitos jovens hoje, no futuro é fácil acabar caindo na marginalidade, no uso das drogas ou na frustração, quando descobrem que o mundo não é do jeito que eles pensavam ou do jeito que era na casa deles, em que tudo podia.”


Palestrante é mestre em Educação, filósofa e professora do ensino superior. - Divulgação
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