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Flores da Cunha recebe em média cinco haitianos por semana

Estimativa da prefeitura é de que cinco novos moradores chegam ao município a cada semana, em média. Dados são baseados na quantidade de atendimentos realizados no Departamento de Assistência Social. Aumento tem preocupado o poder público

Pouco mais de um ano depois da chegada dos primeiros haitianos a Flores da Cunha, trazidos de Manaus (AM) pela Vinhedos Papéis, muitas empresas seguiram o exemplo e também contrataram a mão de obra estrangeira. Com o tempo, a oportunidade de emprego e de reconstruir a vida por aqui atraiu outros trabalhadores ao município, alguns vindos com contrato de emprego garantido – outros por conta própria. A prefeitura não sabe precisar quantos haitianos estão radicados no município atualmente, mas segundo uma estimativa feita pelo órgão público, com base na quantidade deles que buscam roupas e alimentos no Departamento de Assistência Social, uma média de cinco novos moradores chegam à cidade por semana.

O aumento da população de imigrantes haitianos tem despertado atenção do poder público florense, já que parte deles não se adapta à rotina dos empregos ou sequer chega a conseguir um e acaba desempregado, muitas vezes vivendo em condições precárias. Sem revelar nomes, o prefeito Lídio Scortegagna (PMDB) relata que algumas empresas trouxeram essa mão de obra com uma expectativa que não foi atendida e acabaram demitindo muitos deles, os quais ficaram sem subsídio e sem ter como se manter. “Hoje esses haitianos estão desamparados, com fome, frio e diversas necessidades básicas. O que acontece? Acabam sendo sustentados pelo município. Isso está virando um problema social, pois não têm mais ninguém responsável por eles”, evidencia o prefeito.

Demanda por serviços públicos
Lídio também aponta o aumento considerável nos atendimentos nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e na Assistência Social. Embora não se tenha um levantamento preciso que mostre esses números, a coordenadora de enfermagem da Secretaria de Saúde, Milena Boniatti, informa que a média de consultas a haitianos no Centro de Saúde Irmã Benedita Zorzi chega a quatro por dia. “Eles chegam com reclamações diversas como vômito, diarreia, cefaleia, dor de dente e, principalmente, resfriados. Esses sintomas são decorrentes das condições precárias em que muitos se encontram.” Milena destaca, ainda, que atualmente as UBSs estão prestando atendimento pré-natal a quatro gestantes haitianas.

A coordenadora da Assistência Social, Silvia Marisa Moresco Tomazzo, explica que a maioria dos haitianos que chega ao município passa pelo departamento em busca de mantimentos, roupas, colchões, cobertas e até móveis. Conforme ela, aqueles que procuram a unidade estão em situação de extrema vulnerabilidade social. “Percebemos a necessidade deles. Nesses dias de frio, a procura aumenta muito e precisamos estar preparados. As próprias empresas me ligam para pedir roupas e materiais para mobiliar as casas que disponibilizam para eles”, diz Silvia.

Ela ressalta que se continuar assim, em pouco tempo o setor não conseguirá mais atender a todos que procuram o espaço. “A maioria dos nossos donativos estão sendo entregues aos haitianos e a gente não consegue mais suprir a necessidade das demais famílias carentes do município, que também necessitam de auxílio”, evidencia.

Prefeito busca resolver situação
Para debater o assunto e tentar encontrar uma solução para a questão, no dia 8 de agosto o prefeito Lídio Scortegagna promoveu uma reunião com representantes do Conselho Tutelar, Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e Assistência Social. Segundo ele, a partir de agora o poder público irá investigar para descobrir se existe alguém e quem está trazendo esses trabalhadores ao município. “Agora ninguém trouxe e ninguém é responsável por eles. Deveria haver um comprometimento social das empresas que trazem. Se não der certo, elas deveriam, no mínimo, mandar de volta”, contesta.

Lídio explica que a ideia agora é saber de que forma outros municípios da região estão agindo para resolver a questão. “Isso não acontece somente em Flores da Cunha. Por isso iremos buscar informações junto à Confederação Nacional dos Municípios (CNM) para saber o que está sendo feito neste sentido e viabilizar uma política em conjunto. Também decidimos que será necessário diminuir a política de assistencialismo”, frisa.

Para o presidente do Centro Empresarial (CE) de Flores da Cunha, empresário Vanderlei Dondé, a contratação de estrangeiros pode ser uma alternativa para a falta de mão de obra no município. Porém, ele destaca que os empresários precisam oferecer suporte para que essas pessoas se mantenham inicialmente. “Essa é a orientação que o Centro repassa aos associados para que isso não se torne um problema social no futuro, mas também não depende só do empregador. Muitas vezes os próprios funcionários não querem permanecer na empresa”, afirma.

Dondé acrescenta que é necessário verificar a situação dessas pessoas antes de contratá-las ou trazê-las para a cidade para não haver imprevistos depois. “Essa é uma mão de obra totalmente desqualificada. Eles têm outro ritmo e tem a questão da comunicação que também pesa. Os empresários precisam estar cientes disso e se propor dar o tempo que eles precisam para a adaptação”, pondera.

Casos que deram certo na cidade
Em 18 de abril de 2012, 17 haitianos chegaram ao município para compor o quadro de funcionários da Vinhedos Papéis, localizada no Travessão Gaviolli. Um ano e quatro meses depois, 15 deles permanecem na empresa e mais cinco foram contratados. Segundo a coordenadora de Recursos Humanos Rosimeri Scortegagna, a direção está satisfeita com o desempenho dos contratados, mas foi necessário paciência para a adaptação. “Eles precisam de um tempo para se adaptarem ao clima, à cultura, à linguagem e isso não ocorre do dia para a noite. São necessários alguns meses. Eles não têm o mesmo ritmo que nós, por exemplo, mas são muito interessados e responsáveis, nunca faltam e o ponto deles está rigorosamente em dia”, enumera.

Rosimeri conta que atualmente muitos deles já alugaram a própria casa e deixaram a residência oferecida inicialmente pela empresa. “Eles recebem o salário, mandam dinheiro para a família no Haiti e ainda guardam dinheiro. Não temos o que reclamar. Inclusive, o investimento feito para buscá-los em Manaus já se pagou há muito tempo”, cita a profissional. Ela frisa que são necessárias paciência e compreensão para que o processo seja satisfatório para ambas as partes. Também é preciso oferecer condições para que essa mão de obra possa se manter inicialmente. “Quando fomos buscá-los, tínhamos a consciência de que precisariam de um tempo para adaptação e muitos empresários não têm paciência para isso. Cumprimos tudo o que prometemos para eles e oferecemos condição para que aqui permanecessem. Foi por isso deu certo. Não tem como trazer ou contratar e largar aqui e achar que vai dar certo. Isso é o que as pessoas precisam entender.”

Assim como a Vinhedos Papéis, outras empresas do município que enfrentavam problemas com a falta de mão de obra contrataram haitianos. Em agosto de 2012, a Treboll Móveis trouxe 11 estrangeiros de Manaus. Durante 90 dias ofereceram casa, alimentação, roupas e todo o suporte para que se estabelecessem. De acordo com o proprietário da empresa, Vilson Toigo, atualmente nove haitianos, sendo sete homens e duas mulheres, compõem o quadro de funcionários da empresa. “Não temos do que reclamar. Alguns não deram certo. Ficaram três meses e pediram as contas. Os outros estão muito bem. Claro que eles precisam de um tempo maior para a adaptação, mas já sabíamos disso quando os contratamos”, conta o empresário. Até hoje a Treboll continua auxiliando os trabalhadores com o pagamento do aluguel de uma casa na localidade de São Gotardo. “Alguns continuam lá e outros já alugaram suas próprias moradias”, completa Toigo.

Em setembro de 2012 a Itália Transportes contratou 12 haitianos, pagou passagem aérea, disponibilizou casa, alimentação e roupas para todos eles. Durante três meses nada foi descontado dos funcionários. Segundo a auxiliar de Recursos Humanos Michele Dal Bó, hoje 18 atuam na empresa e alguns, inclusive, já trouxeram parte da família. “Eles são ótimos funcionários. São esforçados e trabalham corretamente. Para nós foi uma boa opção, pois não conseguíamos pessoas aqui para desempenhar certas funções”, conta ela, destacando que a faixa salarial deles parte de R$ 1 mil.

Com receio de serem fotografados por terem sofrido golpes em Manaus, maioria da primeira turma que chegou à cidade continua trabalhando em empresas. - Antonio Coloda
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