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Fé para continuar, coragem para inovar

Moradores de Mato Perso, Ivo e Marinez Dalla Rosa, estão sempre atentos às novidades e apostam em frutas cítricas para alavancar as vendas na propriedade

Em meio às paisagens de São Tiago, no distrito de Mato Perso, em Flores da Cunha, o amor à terra, ao trabalho e ao fruto que se colhe do solo vai muito além da agricultura, tida como uma das principais atividades econômicas de nosso município. Para Ivo Dalla Rosa, de 67 anos, e sua esposa, Marinez Censi Dalla Rosa, de 61 anos, a rotina de múltiplas tarefas nos 37 hectares que cultivam laranja, pêssego e uva é fortalecida diariamente pela devoção a Santo Antônio que, inclusive, ganhou uma gruta na propriedade do casal. 
Se a fé no casamenteiro e protetor dos objetos perdidos já fazia parte da vida da dupla, ela só se perpetrou ainda mais em 2021, ano em que eles se depararam com um dos maiores desafios que tiveram: se reerguer após o incêndio em uma das câmaras frias da propriedade. “Quem praticou o incêndio fomos nós e isso foi uma aula porque estávamos soldando para fazer a parte de trás da câmara e tinha um monte de caixas do lado de dentro e estava caindo aqueles ‘pingos’ no pavilhão, mas acontece que eles estavam caindo no meio das caixas, a gente não percebeu, e estava pegando fogo. O meu filho disse para eu ir lá dentro porque ele achava que tinha pegado fogo, quando eu entrei tinha uma chama enorme aí comecei a puxar a caixa para trás, puxei uma pilha, mas quando fui pegar a segunda ela caiu, a terceira também, aí eu me perdi, gritei, tinha meu primo podando pêssego aqui do lado e ele foi no contador e desligou a luz”, lembra Ivo Dalla Rosa, acrescentando que os vizinhos ajudaram a socorrer.
Na ocasião, eles também haviam acionado o Corpo de Bombeiros, contudo, quando a equipe chegou a situação já havia sido controlada, isso porque eles deveriam ter recebido ou interpretado a informação de forma errada e haviam se deslocado até Santa Juliana, atrasando o resgate. “Foi um desastre, queimou as máquinas, uma câmara fria, caixas. Saímos queimados tanto na pele quanto no coração. Eu nunca fiquei no meio do fogo, mas ele era assustador, começou em um canto e depois veio em direção ao depósito de óleo, mas não entrou. Quando desci aqui em casa eu disse: ‘Meu Deus, vou buscar o meu Santo Antônio’, e entrei na câmara, no meio do fogo, com a imagem dele, me arrepiava. Aquele fogo que estava em cima das caixas queimou só uma parte, as chamas foram recuando por ali, e o fogo que estava em cima do óleo foi recuando também e aí os meus parentes fizeram acionar aquele ‘mata fogo’ (extintor). Eu tive muita fé. Aquele barulho em cima das guias, em cima da cabeça, e eu só dizia: ‘Nós estamos todos aqui, vivos’, eu só tinha medo que o incêndio se alastrasse para as casas, naquele momento dava vontade de desistir. Lembro que minha nora me chamou e naquilo eu vi meu filho arrastando meu esposo para fora, fiquei chocada”, recorda Marinez, emocionada com a força de sua fé. 
Fé que fez com que ela e o esposo não desistissem e acreditassem que, aos poucos, as coisas iriam dar certo. Assim, com muita determinação e coragem, o casal seguiu em frente e apostou na inovação dos produtos para, mesmo nas horas mais difíceis, se manter motivado e conseguir se reerguer. “Estamos sempre em busca de novidades, se aparecer lá (no Ceasa ou na feira) a gente vai procurar até conseguir aquele enxerto. A gente conversa, vai pegando informações na internet, vai pesquisando para ver se é aquilo ou não, se tem espinhos. Um exemplo é o que fizemos com a uva sem semente, foi uma variedade que vimos nas embalagens da Silvestrin, é uma uva que aqui não existe, aí eu mandei vir duas mudas, só que a gente não disse que queríamos a preta e veio a branca, ela dá um cachinho comprido e grandinho. Mas o que a gente vê de diferente procuramos trazer para cá. Enquanto os homens ficam lá sentados eu caminho de box em box onde tem frutas de fora, eu vejo, vou pedindo, depois chego em casa e procuro, meu filho me ajuda, afinal, não podemos parar no tempo”, empolga-se Marinez. 
De acordo com a agricultora, o casal segue fazendo algumas experiências, especialmente com frutas cítricas, como é o caso da Lima de Bico, a fim de verificar como a variedade se adapta ao solo florense: “Dá para fazer um monte de coisas com ela e uma muda está quase R$ 90.  Se descasca ela e se coloca no álcool, ela serve para sinusite, labirintite, já fizemos com o Limão Siciliano também, mas não deu certo. Tem aquele outro Limão Caviar que nós plantamos, vermelho e verde, ele é comprido e em vez de ter as gomas, tem bolinhas que estouram na boca, mas ele custa R$ 800 ao quilo e dizem que não dá muito por pé. Se der certo vamos plantar mais, não precisa fazer muitas mudas, um pouquinho já dá para colher. Outro limão é o chamado Mão de Buda, ele também é muito bonito e se usa bastante na gastronomia, o formato dele parece com dedos, se assemelha a uma mão virada. Enfim, onde aparece uma fruta diferente, lá estamos nós, comprando”, destaca Marinez, sempre disposta a investir em algo novo para alavancar as vendas na propriedade.

As vantagens do cultivo da laranja

Mesmo não sendo algo tão novo assim, há 12 anos Ivo e Marinez Dalla Rosa decidiram ir além do cultivo tradicional de uva e pêssego, comuns em nossa região, e apostar na produção de frutas cítricas, especialmente laranja. E o resultado deu tão certo que, para 2024, o casal planeja expandir a área destinada à fruta, diminuindo a área plantada de pêssego e dando mais lugar às laranjas; devendo totalizar perto de 3 mil laranjeiras. 
“No começo tinha um alemão que vinha aqui pegar laranjas para vender, mas ele sempre trabalhou com o mesmo preço, até que um dia eu disse: ‘Por que a gente não tenta levar as frutas para o Ceasa e vender por lá?’ Aí fomos e o pessoal gostou! Não temos máquinas que lavam e embalam como no Vale do Caí, mas o pessoal começou a gostar porque a laranja não é amassada, ela fica firme como recém colhida no pé, e a mesma coisa acontece quando vai para o mercado, ela também dura mais tempo e o mercado, hoje, exige isso”, recorda Dalla Rosa. 
O agricultor também explica que as variedades cítricas demoram mais tempo para dar retorno, uma vez que, após o plantio, a colheita começa a ser feita, geralmente, quatro anos depois, quando a planta já está desenvolvida e possui capacidade de gerar frutos. “Para nós, hoje, se ganhar R$ 1,50 é dinheiro, depois de três anos de seca. Esse ano o tamanho da laranja não veio grande, e, mesmo assim, nós colhemos várias laranjas de Umbigo de 750 gramas”, comemora o produtor.
Dalla Rosa explica que outra vantagem das frutas cítricas está no fato de não precisar de muitas pessoas na hora da colheita. Quando as plantas estão carregadas com uma grande quantidade, três meses – geralmente julho, agosto e setembro – costumam ser suficientes para colher e, nesse período, o casal conta com a ajuda dos filhos, genro e nora.  “Essa laranja Monte Parnaso, que a gente tem, não faz muitos anos que ela começou a sair, antes era a Bahia. Tem a Navelina, que essa também foi colhida esses dias, não temos ainda, vamos plantar nesse ano. A Monte Parnaso é uma laranja que se trata e tem um produto que atrasa a maturação um pouquinho e permite colher ela da metade de setembro em diante, e ela tem uma durabilidade boa na câmara fria. A gente fez testes, por exemplo, foi colocado laranjas no mês de agosto do ano passado e nós tiramos na primeira semana de janeiro, claro que a quantia era pouca mas quando se fala em 500 mil caixas já muda porque começa a ter perdas, se perde mais, mas o preço também, dois anos atrás ela estava R$ 140 no Ceasa, ano passado foi a R$ 90”, explica, acrescentando que é no Ceasa de Porto Alegre que eles vendem os produtos que cultivam, sempre duas vezes por semana, mas, na época das festas de fim de ano não se importam em ir direto para a capital gaúcha, caso necessário.
O agricultor também revela que as laranjas podem ser colhidas em um prazo maior que os pêssegos e as uvas e que os tratamentos também são mais curtos e mais baratos e, justamente por isso, a ideia é que daqui a 10, 12 anos a produção de citrus da família se aproxime de 1 milhão de quilos: “Mas aí não adianta a gente querer investir só na laranja de Umbigo, teríamos que investir nas variedades Ponkan e Montenegrina, que são bergamotas e que também dá para trabalhar”, revela Dalla Rosa, completando que, atualmente, a maior renda vem do pêssego, seguida da uva.
“Hoje temos 1,5 mil pés de laranja, essas que faz quatro anos que a gente plantou eu acho que tem pé que dá de 15 a 20 quilos, e outros que podem dar de 10 a 5, mas, uma laranjeira, de mais ou menos sete anos, pode dar até 80 quilos de laranja. Teve um pé aqui, no ano passado, que foi tirado 13 caixas e a média de produção por pé são quatro caixas”, empolga-se o agricultor, ao mesmo tempo em que defende que o mercado se aproveita do produtor e judia, tanto do produtor quanto do consumidor, na hora de pagar e cobrar pelas frutas: “Em Farroupilha, por exemplo, tem uma fruteira e o que tiver de novidade em frutas tem lá. Eu gosto de ir lá comprar, pago caro, mas só para ver as novidades, ver como eles trabalham, só que eles colocam laranja de Umbigo importada e se eu fosse lá nos meus pés colher e levar lá não tem diferença nenhuma. O cara da fruteira compra laranja aqui perto, no ano passado eles compraram a nossa laranja e venderam por importada, por isso eu digo que quem produz não ganha aquilo que é para ganhar e quem consome paga uma coisa que não é”, alerta. 
O agricultor acredita que a melhor alternativa para agradar os dois lados seria pagar um valor um pouco superior ao produtor e, claro, colocar um preço melhor no mercado, do contrário, quer consumir? Vai pagar aquele preço, e justamente essa situação deixa o casal indignado, afinal, os dois lados enfrentam dificuldades, especialmente com as mudanças climáticas. 
“Tem que ter outras culturas, se for só pêssego e uva não tem como. A laranja, se der geada, ela queima a floração por fora, mas no meio continua, aí ela sempre tem safra, sempre tem para colher, menos, mas produção tem. O seguro é só para a gente pagar porque retorno, se perder 100% às vezes se ganha alguma coisa em cima, que nem esse ano a uva rosa foi perdido bastante, tem seguro, mas não se ganhou nada, então faz seguro particular ele te paga chuva de pedra ou geada, fora dali não paga nada. Faz o Proagro, se tu consegue produzir aquilo que tu deve para o banco, senão o Proagro não te paga nada. Então a gente só está trabalhando para os outros, às vezes dá vontade de sair da colônia”, desabafa  Ivo.  
Há mais de 30 anos a esposa de Ivo, Marinez, é responsável pela venda das frutas produzidas na propriedade, e revela que considera engraçado e, ao mesmo tempo, estranho o fato de ir aos mercados, dizer o valor que quer pela caixa de laranjas quando, na realidade, os comércios nunca pagam os valores que o produtor pede, a não ser que seja um estabelecimento menor, mas, mesmo assim, ela segue batalhando. “Quando vamos para o Ceasa eu sempre levanto às 3h, às vezes está chovendo, e aquele caminhão está lá estacionado, cheio, muitas vezes penso o que que é que vamos vender hoje, com essa chuva? E sair daqui com frio, temporal, a gente se pega pela estrada, e às vezes é caminhão que não funciona, é duro, e se a gente não for, não vai mais. Eu dizia sempre que ia desistir, que não ia mais, que não conseguia mais, mas aí meu filho falava: ‘ah, mãe, mais um ano’ aí no outro ano, mais um, e assim vai indo”, conta Marinez, com um misto de riso e orgulho por continuar seguindo em frente e dedicando-se ao futuro da propriedade da família Dalla Rosa e ao futuro da agricultura local.

Marinez e Ivo Dalla Rosa compartilham a rotina de atividades. - Karine Bergozza Hoje, Marinez e Ivo Dalla Rosa possuem 1,5 mil pés de laranja. - Karine Bergozza
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