Eternamente na memória florense
Reportagem especial conta a história da Pousada do Galo Vermelho por meio de depoimentos e fotografias. Durante alguns anos, local, que tinha à frente um visionário quando o assunto era turismo, era conhecido nacionalmente pela beleza e glamour
Quem é morador de Flores da Cunha já deve ter passado pela quadra ao lado do Hospital Fátima e observado, à direita de quem sobe para o bairro São José, um grande empreendimento abandonado. Nesse espaço, cheio de lembranças e mistérios que até hoje permeiam as mentes de muitos florenses, funcionou, durante alguns anos, um grande e sofisticado hotel. Era chamado de Pousada do Galo Vermelho, um local ‘chique’ para a época e que trazia ao município autoridades e pessoas famosas. O local era de propriedade de um visionário, um investidor mesmo, que se chamava Eloy Kunz. Proprietário de uma fábrica de bebidas, ele, nos anos de 1970, já percebia que o turismo seria um grande investimento para Flores da Cunha, visão de muitos empresários do setor de vinhos atualmente.
A Pousada do Galo Vermelho foi uma referência no segmento em todo o Rio Grande do Sul e também no Brasil. Algumas pessoas lembram com certo saudosismo do tempo em que Flores recebia centenas de turistas e personalidades, vindos de todas as partes do Brasil. Por isso, a reportagem de O Florense conversou com alguns personagens que fizeram parte dessa história para recordar a trajetória do empreendimento que contribuiu para que A Terra do Galo, como também é chamada, tornar-se conhecida nacionalmente.
“Lembro com muita saudade. Foram tantas jantas, reuniões, aperitivos... Dava gosto de frequentar a pousada. Quem o fez, jamais esquecerá das noitadas alegres, das suas bebidas, seus vinhos e seus mistérios”, recorda o supervisor de vendas Vitor Hugo Maioli, que destaca que ainda hoje encontra pessoas, durante suas viagens, que lhe perguntam se a pousada ainda existe e relembram de quando estiveram no local. “Esses dias estava em São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, e um dos meus clientes perguntou se ela ainda existia e me contou que sua lua de mel havia acontecido lá. Isso há 30 anos”, conta.
A realização de um sonho
A Pousada do Galo Vermelho foi o segundo empreendimento turístico idealizado por Eloy Kunz. Conforme um dos filhos do empreendedor, Emílio Kunz, a ideia de criar um hotel surgiu da necessidade dos turistas que vinham visitar o restaurante. “Depois do almoço era servido um chá e bem no final da tarde era promovido um happy hour na Whiskeria. As pessoas ficavam lá até tarde conversando e consumindo os produtos da E. Kunz & Cia. Depois, muitos pediam para ficar na cidade. Dessa forma, ele viu uma oportunidade de investir também no ramo de hotelaria, pois acreditava no potencial turístico da cidade”, aponta Emílio.
Sonhador e persistente, no início de 1970 Eloy foi em busca de recursos e colocou em prática mais esse projeto. O local escolhido para a construção da pousada, a princípio, parecia tratar-se de uma utopia. O terreno localizava-se em um dos pontos mais altos da cidade, era montanhoso e ficava em meio a uma mata fechada. Além disso, era de propriedade da Mitra e ele teve que convencer a igreja a lhe vender a área. “Eu lembro do pai contando: – aqui vai ser uma piscina, aqui um restaurante, ali as cabanas. A gente pensava: – o pai piorou. Ele não está falando nada com nada. Imagina se ele vai conseguir fazer isso”, conta o filho.
Segundo Emílio, a construção foi feita com recursos da empresa de bebidas e também com financiamentos do BNDS. “O pai era muito carismático e motivador. Por isso, muitas pessoas colaboravam com ele. Nos finais de semana até mesmo os funcionários do escritório da fábrica ajudavan voluntariamente na construção”, comenta. Conforme Emílio, a piscina externa foi cavada a picão. “As obras iniciaram em setembro de 1973 e tinham que ficar prontas até janeiro, data prevista para a inauguração. E não é que o pai conseguiu. Todos trabalharam muito. Inclusive ele ajudava a cavar, até de madrugada”, completa.
A meta de Eloy era concluir as obras até 1973, ano da festa máxima do município, a Festa Nacional da Vindima. O visionário conseguiu mais essa façanha.
Os hóspedes
“A Pousada do Galo Vermelho tornou-se referência, não somente no Rio Grande do Sul, mas em todo o Brasil. Na época, recebíamos pessoas de Caxias do Sul, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, do Nordeste, enfim, a diversidade de público era muito grande. Entretanto, acredito que praticamente todas as pessoas que passavam pela pousada eram de fora da cidade”, conta o empresário Clovis Boff, 71 anos, que por mais de uma década foi o gerente do estabelecimento.
O espaço era mesmo referência e, além de turistas, atraía curiosos que vinham em busca de ideias que pudessem ser utilizadas em suas cidades. “Vinham pessoas de Gramado e Canela para observar o que era feito por aqui. Tudo era anotado. Acredito que a essência do que hoje existe lá, antes existiu aqui”, conta Boff.
A aposentada Santina Mattioni, 85 anos, ainda lembra de algumas pessoas famosas que estiveram na pousada. “Por lá passaram ministros e artistas. Lembro que a Maria Della Costa se hospedava com frequência no local”.
Roteiro de lua de mel
Por ter se tornado sinônimo de modernidade e sofisticação, muitos casais de todo o país escolhiam a Pousada do Galo Vermelho para passar a lua de mel. É o caso dos caxienses Nilson e Matilde Varela, ambos com 55 anos. Há 30 anos, eles escolheram o local como roteiro para comemorar a união. Vieram de Vacaria e passaram cinco dias apreciando a natureza e as mordomias que o hotel oferecia.
Para Matilde, os momentos foram inesquecíveis e até hoje estão guardados na lembrança. “Jamais vou esquecer aquela viagem. O local era magnífico. Lembro que no primeiro dia fomos tomar um banho na piscina e meu marido perdeu a aliança dentro d’água. Fiz todo o hotel parar e nos ajudar a procurar. Até hoje não encontramos e ele nunca mais usou aliança. Acho que foi de propósito”, brinca a professora.
Atrativos
Com uma infraestrutura totalmente vanguardista para a época, a Pousada do Galo Vermelho possuía apartamentos e chalés com capacidade para até 80 pessoas. Todas as acomodações tinham telefone, calefação ou lareira, geladeira, etc. Além disso, contava com duas piscinas, uma externa e outra interna, que dispunham de serviço de bar. Na parte mais alta do terreno ficava o Galpão Crioulo. O local possuía um salão para a realização de jantares e comemorações, além de um palco para apresentações artísticas.
Para a diversão e prática de esporte em meio ao bosque também existia uma quadra de tênis.
A pousada contava também com um restaurante que servia variados tipos de pratos e bebidas. Alguns anos depois foi construída uma boate, que também servia de sala de convenções. “Nos finais de semana e feriados, vinham pessoas de Porto Alegre e de cidades vizinhas apenas para almoçar. Depois seguiam viagem”, recorda a dona de casa Adelaide Giaretta dos Santos, 71 anos, que foi camareira da pousada de 1975 a 1977.
Eloy Kunz acreditava que o turismo e a viticultura poderiam se unir, representando um atrativo forte, capaz de gerar um considerável fluxo turístico. Com base nesses preceitos, promovia visitas ao interior do município. Os turistas podiam conhecer as peculiaridades da região, bem como os recursos naturais, o clima e a hospitalidade do povo italiano. Ainda com o objetivo de aproximar o turista da cultura regional, Eloy trazia os colonos para dentro da pousada. Lá, eles realizavam o trabalho para a apreciação dos visitantes.
A História do Galo
Reza a lenda que na década de 1920 um mágico e seu ajudante chegaram na vila de Nova Trento anunciando um grandioso espetáculo. Movida pela curiosidade, a população lotou o antigo Cine-Teatro Pró-Trento para ver a apresentação. O galo perdeu mesmo a cabeça, mas jamais voltou a cantar. Os charlatões fugiram com o dinheiro da população e nunca mais foram vistos.
Verídico ou não, o fato tornou-se motivo de vergonha para os florenses. Durante décadas, a História do Galo gerou muitas brigas e desentendimentos entre as comunidades. Todavia, de acordo com a pesquisa feita pela professora de História Carla Saretta para o trabalho de conclusão de curso de sua pós-graduação, a situação começou a mudar a partir do momento em que Eloy Kunz utilizou o galo como símbolo para uma linha de bebidas produzidas por sua empresa.
Com o objetivo de reverter o estigma negativo, o whisky fabricado na indústria recebeu o nome de Cockland, que em inglês quer dizer “Terra do Galo”. Depois vieram o Redcock, o Oldcock e o Sang’galo. Os produtos eram divulgados pelo Brasil por meio de feiras e eventos. Isso ajudou a tornar Flores da Cunha conhecida nacionalmente com a Terra do Galo. Com o tempo, a população passou a ter orgulho dessa denominação. Por essa razão, Eloy abandonou os nomes em inglês e chamou seu último empreendimento de Pousada do Galo Vermelho.
Quem foi Eloy Kunz
Descendente de imigrantes alemães (por parte de pai) e italianos (por parte de mãe), Eloy Kunz nasceu em 15 de fevereiro de 1927, em Novo Hamburgo. Na época, a localidade pertencia a São Leopoldo. Por isso, ele foi registrado como se tivesse nascido lá. Viveu parte da infância em Gramado, a outra em Nova Petrópolis, num internato chamado Bom Pastor. Dedicado, falava seis idiomas: inglês, italiano, francês, português, alemão, italiano e um pouco de latim.
Em Canoas, instalou sua primeira indústria. Depois de algum tempo, mudou-se para Caxias do Sul e foi trabalhar com seu tio na Indústria de Bebidas Marumbi. Por volta de 1954, mudou-se para Flores da Cunha. Aqui, estabeleceu sociedade com Ernesto Caetano Muraro, fundando a empresa Kunz Muraro e Cia LTDA. Após algum tempo, a sociedade foi desfeita e ele montou sua própria indústria de bebidas, a E. Kunz & Cia, fundada em 8 de agosto de 1959.
Com o intuito de atrair visitantes para Flores da Cunha lançou seu primeiro empreendimento turístico, no final dos anos 60: a Whiskeria. Na década seguinte, foi a vez da Pousada do Galo Vermelho. Na área da cultura, juntamente Felix Slaviero, inaugurou o Coral Nova Trento, em 19 de junho de 1972. O grupo permanece ativo até os dias de hoje. Também foi um dos idealizadores da Vindima da Canção Popular, que teve sua primeira edição no ano de 1975. No dia 20 de maio de 1990, Eloy Kunz veio a falecer.
O fim de um sonho
No ano de 1982, Eloy Kunz passou a enfrentar problemas financeiros devido ao aumento exorbitante das taxas de juros. Conforme o filho Emílio Kunz, a empresa havia feito empréstimos em dólar, com a promessa de que o governo manteria os juros estáveis. Todavia, repentinamente, houve uma maxidesvalorização da moeda, algo em torno de 30%. Isso teria feito com que o valor da dívida se multiplicasse. “A mudança tributária foi outro agravante do problema. Isso fez com que a empresa recorresse aos bancos, pagando juros altíssimos, o que inviabilizou os negócios. Foi isso que aconteceu realmente. O resto é apenas especulação”, comenta Emílio.
Eloy acabou transferindo a fábrica para a família Fante, que deu continuidade às atividades. Já a Pousada do Galo Vermelho foi vendida para a Fábrica de Móveis Florense que, na época, tinha o objetivo de manter os negócios. Entretanto, não foi o que aconteceu. Atualmente, o espaço está em ruínas. A reportagem tentou contato com a empresa para saber quais são os planos para a área, mas a direção preferiu não se manifestar sobre o assunto.
Atualmente, as cabanas encontram-se abandonadas.
Agradecimentos
Pela colaboração e depoimentos agradecemos às seguintes pessoas: Carla Saretta, Santina Mattioni, Matilde Varella, Adelaide Giaretta dos Santos, Clóvis Boff, Vitor Hugo Maiolli e Emílio Kunz. Também agradecemos a todos que participaram, por meio do site, enviando seus relatos.
A Pousada do Galo Vermelho foi uma referência no segmento em todo o Rio Grande do Sul e também no Brasil. Algumas pessoas lembram com certo saudosismo do tempo em que Flores recebia centenas de turistas e personalidades, vindos de todas as partes do Brasil. Por isso, a reportagem de O Florense conversou com alguns personagens que fizeram parte dessa história para recordar a trajetória do empreendimento que contribuiu para que A Terra do Galo, como também é chamada, tornar-se conhecida nacionalmente.
“Lembro com muita saudade. Foram tantas jantas, reuniões, aperitivos... Dava gosto de frequentar a pousada. Quem o fez, jamais esquecerá das noitadas alegres, das suas bebidas, seus vinhos e seus mistérios”, recorda o supervisor de vendas Vitor Hugo Maioli, que destaca que ainda hoje encontra pessoas, durante suas viagens, que lhe perguntam se a pousada ainda existe e relembram de quando estiveram no local. “Esses dias estava em São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, e um dos meus clientes perguntou se ela ainda existia e me contou que sua lua de mel havia acontecido lá. Isso há 30 anos”, conta.
A realização de um sonho
A Pousada do Galo Vermelho foi o segundo empreendimento turístico idealizado por Eloy Kunz. Conforme um dos filhos do empreendedor, Emílio Kunz, a ideia de criar um hotel surgiu da necessidade dos turistas que vinham visitar o restaurante. “Depois do almoço era servido um chá e bem no final da tarde era promovido um happy hour na Whiskeria. As pessoas ficavam lá até tarde conversando e consumindo os produtos da E. Kunz & Cia. Depois, muitos pediam para ficar na cidade. Dessa forma, ele viu uma oportunidade de investir também no ramo de hotelaria, pois acreditava no potencial turístico da cidade”, aponta Emílio.
Para chegar até a área da pousada, Eloy teve que desbravar a mata fechada.
Sonhador e persistente, no início de 1970 Eloy foi em busca de recursos e colocou em prática mais esse projeto. O local escolhido para a construção da pousada, a princípio, parecia tratar-se de uma utopia. O terreno localizava-se em um dos pontos mais altos da cidade, era montanhoso e ficava em meio a uma mata fechada. Além disso, era de propriedade da Mitra e ele teve que convencer a igreja a lhe vender a área. “Eu lembro do pai contando: – aqui vai ser uma piscina, aqui um restaurante, ali as cabanas. A gente pensava: – o pai piorou. Ele não está falando nada com nada. Imagina se ele vai conseguir fazer isso”, conta o filho.
Segundo Emílio, a construção foi feita com recursos da empresa de bebidas e também com financiamentos do BNDS. “O pai era muito carismático e motivador. Por isso, muitas pessoas colaboravam com ele. Nos finais de semana até mesmo os funcionários do escritório da fábrica ajudavan voluntariamente na construção”, comenta. Conforme Emílio, a piscina externa foi cavada a picão. “As obras iniciaram em setembro de 1973 e tinham que ficar prontas até janeiro, data prevista para a inauguração. E não é que o pai conseguiu. Todos trabalharam muito. Inclusive ele ajudava a cavar, até de madrugada”, completa.
A meta de Eloy era concluir as obras até 1973, ano da festa máxima do município, a Festa Nacional da Vindima. O visionário conseguiu mais essa façanha.
Em aproximadamente cinco meses, a piscina externa da pousada ficou pronta.
Os hóspedes
“A Pousada do Galo Vermelho tornou-se referência, não somente no Rio Grande do Sul, mas em todo o Brasil. Na época, recebíamos pessoas de Caxias do Sul, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, do Nordeste, enfim, a diversidade de público era muito grande. Entretanto, acredito que praticamente todas as pessoas que passavam pela pousada eram de fora da cidade”, conta o empresário Clovis Boff, 71 anos, que por mais de uma década foi o gerente do estabelecimento.
O espaço era mesmo referência e, além de turistas, atraía curiosos que vinham em busca de ideias que pudessem ser utilizadas em suas cidades. “Vinham pessoas de Gramado e Canela para observar o que era feito por aqui. Tudo era anotado. Acredito que a essência do que hoje existe lá, antes existiu aqui”, conta Boff.
A aposentada Santina Mattioni, 85 anos, ainda lembra de algumas pessoas famosas que estiveram na pousada. “Por lá passaram ministros e artistas. Lembro que a Maria Della Costa se hospedava com frequência no local”.
Clóvis Boff e a esposa Estela, na pousada em 1975.
Roteiro de lua de mel
Por ter se tornado sinônimo de modernidade e sofisticação, muitos casais de todo o país escolhiam a Pousada do Galo Vermelho para passar a lua de mel. É o caso dos caxienses Nilson e Matilde Varela, ambos com 55 anos. Há 30 anos, eles escolheram o local como roteiro para comemorar a união. Vieram de Vacaria e passaram cinco dias apreciando a natureza e as mordomias que o hotel oferecia.
Para Matilde, os momentos foram inesquecíveis e até hoje estão guardados na lembrança. “Jamais vou esquecer aquela viagem. O local era magnífico. Lembro que no primeiro dia fomos tomar um banho na piscina e meu marido perdeu a aliança dentro d’água. Fiz todo o hotel parar e nos ajudar a procurar. Até hoje não encontramos e ele nunca mais usou aliança. Acho que foi de propósito”, brinca a professora.
Interior de uma das acomodações do hotel.
Piscina externa.
Atrativos
Com uma infraestrutura totalmente vanguardista para a época, a Pousada do Galo Vermelho possuía apartamentos e chalés com capacidade para até 80 pessoas. Todas as acomodações tinham telefone, calefação ou lareira, geladeira, etc. Além disso, contava com duas piscinas, uma externa e outra interna, que dispunham de serviço de bar. Na parte mais alta do terreno ficava o Galpão Crioulo. O local possuía um salão para a realização de jantares e comemorações, além de um palco para apresentações artísticas.
Para a diversão e prática de esporte em meio ao bosque também existia uma quadra de tênis.
A pousada contava também com um restaurante que servia variados tipos de pratos e bebidas. Alguns anos depois foi construída uma boate, que também servia de sala de convenções. “Nos finais de semana e feriados, vinham pessoas de Porto Alegre e de cidades vizinhas apenas para almoçar. Depois seguiam viagem”, recorda a dona de casa Adelaide Giaretta dos Santos, 71 anos, que foi camareira da pousada de 1975 a 1977.
Eloy Kunz acreditava que o turismo e a viticultura poderiam se unir, representando um atrativo forte, capaz de gerar um considerável fluxo turístico. Com base nesses preceitos, promovia visitas ao interior do município. Os turistas podiam conhecer as peculiaridades da região, bem como os recursos naturais, o clima e a hospitalidade do povo italiano. Ainda com o objetivo de aproximar o turista da cultura regional, Eloy trazia os colonos para dentro da pousada. Lá, eles realizavam o trabalho para a apreciação dos visitantes.
A História do Galo
Reza a lenda que na década de 1920 um mágico e seu ajudante chegaram na vila de Nova Trento anunciando um grandioso espetáculo. Movida pela curiosidade, a população lotou o antigo Cine-Teatro Pró-Trento para ver a apresentação. O galo perdeu mesmo a cabeça, mas jamais voltou a cantar. Os charlatões fugiram com o dinheiro da população e nunca mais foram vistos.
Verídico ou não, o fato tornou-se motivo de vergonha para os florenses. Durante décadas, a História do Galo gerou muitas brigas e desentendimentos entre as comunidades. Todavia, de acordo com a pesquisa feita pela professora de História Carla Saretta para o trabalho de conclusão de curso de sua pós-graduação, a situação começou a mudar a partir do momento em que Eloy Kunz utilizou o galo como símbolo para uma linha de bebidas produzidas por sua empresa.
Com o objetivo de reverter o estigma negativo, o whisky fabricado na indústria recebeu o nome de Cockland, que em inglês quer dizer “Terra do Galo”. Depois vieram o Redcock, o Oldcock e o Sang’galo. Os produtos eram divulgados pelo Brasil por meio de feiras e eventos. Isso ajudou a tornar Flores da Cunha conhecida nacionalmente com a Terra do Galo. Com o tempo, a população passou a ter orgulho dessa denominação. Por essa razão, Eloy abandonou os nomes em inglês e chamou seu último empreendimento de Pousada do Galo Vermelho.
Quem foi Eloy Kunz
Descendente de imigrantes alemães (por parte de pai) e italianos (por parte de mãe), Eloy Kunz nasceu em 15 de fevereiro de 1927, em Novo Hamburgo. Na época, a localidade pertencia a São Leopoldo. Por isso, ele foi registrado como se tivesse nascido lá. Viveu parte da infância em Gramado, a outra em Nova Petrópolis, num internato chamado Bom Pastor. Dedicado, falava seis idiomas: inglês, italiano, francês, português, alemão, italiano e um pouco de latim.
Em Canoas, instalou sua primeira indústria. Depois de algum tempo, mudou-se para Caxias do Sul e foi trabalhar com seu tio na Indústria de Bebidas Marumbi. Por volta de 1954, mudou-se para Flores da Cunha. Aqui, estabeleceu sociedade com Ernesto Caetano Muraro, fundando a empresa Kunz Muraro e Cia LTDA. Após algum tempo, a sociedade foi desfeita e ele montou sua própria indústria de bebidas, a E. Kunz & Cia, fundada em 8 de agosto de 1959.
Com o intuito de atrair visitantes para Flores da Cunha lançou seu primeiro empreendimento turístico, no final dos anos 60: a Whiskeria. Na década seguinte, foi a vez da Pousada do Galo Vermelho. Na área da cultura, juntamente Felix Slaviero, inaugurou o Coral Nova Trento, em 19 de junho de 1972. O grupo permanece ativo até os dias de hoje. Também foi um dos idealizadores da Vindima da Canção Popular, que teve sua primeira edição no ano de 1975. No dia 20 de maio de 1990, Eloy Kunz veio a falecer.
O fim de um sonho
No ano de 1982, Eloy Kunz passou a enfrentar problemas financeiros devido ao aumento exorbitante das taxas de juros. Conforme o filho Emílio Kunz, a empresa havia feito empréstimos em dólar, com a promessa de que o governo manteria os juros estáveis. Todavia, repentinamente, houve uma maxidesvalorização da moeda, algo em torno de 30%. Isso teria feito com que o valor da dívida se multiplicasse. “A mudança tributária foi outro agravante do problema. Isso fez com que a empresa recorresse aos bancos, pagando juros altíssimos, o que inviabilizou os negócios. Foi isso que aconteceu realmente. O resto é apenas especulação”, comenta Emílio.
Eloy acabou transferindo a fábrica para a família Fante, que deu continuidade às atividades. Já a Pousada do Galo Vermelho foi vendida para a Fábrica de Móveis Florense que, na época, tinha o objetivo de manter os negócios. Entretanto, não foi o que aconteceu. Atualmente, o espaço está em ruínas. A reportagem tentou contato com a empresa para saber quais são os planos para a área, mas a direção preferiu não se manifestar sobre o assunto.
Atualmente, as cabanas encontram-se abandonadas.
Pela colaboração e depoimentos agradecemos às seguintes pessoas: Carla Saretta, Santina Mattioni, Matilde Varella, Adelaide Giaretta dos Santos, Clóvis Boff, Vitor Hugo Maiolli e Emílio Kunz. Também agradecemos a todos que participaram, por meio do site, enviando seus relatos.
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