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Especialista alerta para transtornos infantis

Psicanalista Margareth Martta fala dos cuidados que os pais devem ter

Quando se pensa em infância logo vem a mente crianças brincando, sorrindo e se divertindo. Entretanto, algumas vezes, na infância podem surgir alguns sintomas como tristeza, dificuldades de relacionamento, choro compulsivo, problemas para dormir. Em um primeiro momento, esse tipo de comportamento até parece algo natural da idade. Mas, quando isso se torna recorrente é preciso ficar alerta. Muitas vezes, por trás da agitação ou da choradeira sem fim podem estar os primeiros sinais de um transtorno psicológico na infância.

Para muitos pais, a palavra psiquiatria pode causar desconforto, no entanto, apesar de todos os preconceitos que envolvem os transtornos mentais, diagnosticá-los ainda na idade pré-escolar e tratá-los com a orientação de um bom profissional é fundamental para evitar problemas mais sérios no futuro. Nessa entrevista, a psicanalista, professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), e membro da Escola de Estudos Psicanalíticos Margareth Kuhn Martta, fala sobre a saúde mental das crianças e como pais e professores podem lidar com isso.


O Florense: Quais são os primeiros sitomas de um transtorno psicológico na infância? Quais os mais comuns?
Margareth Martta:
Isso irá depender da idade da criança. Nos bebês o que se percebe são alterações no cotidiano, como na questão da alimentação, do sono. Por exemplo, uma criança que não consegue dormir ou que dorme excessivamente, ou que não tem apetite. Essas alterações no cotidiano são importantes para que os pais fiquem atentos. Não, obrigatoriamente, isso possa ser um problema já instalado na criança, mas pode ser um problema da relação da mãe com o bebê. A partir do processo de desenvolvimento teremos outros sinais, como uma criança que não está muito ligada ao ambiente, quando já se esperaria isso. Essa seria uma criança que não responde muito aos estímulos externos. As pessoas riem, brincam e ele não demonstra nada, evita o olhar da mãe. Outra coisa que é preciso ficar atento é o próprio desenvolvimento, como o engatinhar. Uma criança pode demorar ao engatinhar por causa de um problema orgânico, neurológico, mas também pode ser a questão de uma criança que está mais deprimida. Como ela não se interessa pelo ambiente, não se interessa em desenvolver o engatinhar. Uma criança que está mais deprimida também não vai se interessar pelos objetos que estão ao redor dela. Isso também vai implicar numa demora no andar. Algo que deve ficar claro é que nos primeiros dois anos de vida todo o processo de desenvolvimento está enlaçado. Por isso, teremos aspectos orgânicos, cognitivos e emocionais. Se um deles não está bem, efetivamente o outro também será prejudicado. Num primeiro momento de vida devemos estar atentos àquilo que se espera das etapas. Isso é um ponto de referência para vermos se tem algo emocional, que está aparecendo no desenvolvimento, que não está bem.

O Florense: Na escola, como os professores podem perceber que a criança não está bem, como no caso de défict de atenção ou da hiperatividade?
Margareth:
Temos que ter um certo cuidado porque isso está sendo muito falado e muitas vezes mal falado e mal diagnosticado. Daqui a pouco todas as crianças que têm algum sintoma que possa indicar algo dessa ordem serão diagnosticadas como tal. Então, é preciso ter um cuidado. Muitas vezes, os transtornos de aprendizado não estão ligados ao pedagógico, mas ao emocional. Porque o emocional tem uma consequência direta nas questões de aprendizagem. Quando temos, por exemplo, uma criança que não consegue produzir porque tem um comportamento hiperativo, é preciso ficar atento a isso, para não fecharmos um diagnóstico como déficit de atenção ou hiperatividade. Temos que encaminhar essa criança para um profissional para fazermos um diagnóstico diferencial, porque muitas vezes essa hiperatividade não é uma questão neurológica. Ela também é uma questão emocional, é uma resposta que a criança está dando a um ambiente que não está sendo saudável. Ela não consegue ter uma relação mais inteira com o brinquedo, com o aprendizado, em ficar muito tempo numa determinada atividade. Uma coisa importante é que nunca se deve ficar preso ao ponto de vista do comportamento, tem que buscar o que está por trás desse comportamento. Hoje em dia as crianças estão sendo excessivamente medicadas, quando as questões seriam mais pelo viés de uma terapia, muitas vezes da família junto com a criança ou apenas da família.
Em sala de aula, o professor deve ficar atento se o comportamento persistir, porque as vezes pode ser apenas uma questão de adaptação como uma criança que muda de cidade ou de escola, a separação dos pais ou a morte de alguém da família. A criança muitas vezes tem um comportamento diferente denunciando algo que aconteceu no ambiente. Nas situações que podem ser consideradas "traumáticas" (nascimento de um irmão, separação, morte) a criança terá uma consequência disso no seu comportamento. Por isso, se o professor detectar que algo não está bem e isso persistir é preciso chamar os pais para conversarem, ou com a psicopedagoga da escola ou com uma psicóloga para ver o que está acontecendo. Quanto a questão da atuação do professor, se existe uma criança que está com um tipo de comportamento que se origina por uma falta de limites, talvez o professor tenha que trabalhar em cima dos limites com essa criança; se a questão não é esta, o professor tem que entender esse momento da criança e abrir um espaço para conversar e perguntar o que está acontecendo.
O Florense: Quais são os benefícios de se identificar uma patologia psicológica nos primeiros anos de vida?
Margareth: Quanto mais cedo tivermos um tipo de intervenção para um transtorno que está se instalando menos sequelas se terá. Uma criança que desenvolve uma doença mental no sentido de ter a doença já instalada quando é muito pequena vai ter consequências muito danosas, porque ela está num processo de construir habilidades e conhecimentos. Toda a parte de processo de construção de habilidades, competências e conhecimentos vai ficar prejudicada. Uma pessoa que desencadeia um problema mental na fase adulta, já passou por alguns processos, como alfabetização. É óbvio que uma doença mental sempre é muto grave, mas, em alguns pontos na vida dela, não vai ter uma consequência como uma criança pequena que nem aprendeu a falar ainda. Dependendo do momento que se instala a doença mental isso vai ser um prejuízo para o processo de aprendizado que está acontecendo.


O Florense: Em geral, quais são os motivos para uma criança apresentar um quadro de transtorno psicológico?
Margareth:
A condição básica é o ambiente, mas existem questões do ponto de vista da biologia e da genética. Ainda são pouquíssimas as doenças que se têm uma certeza que estão ligadas ao fator genético. Existem, por exemplo, algumas situações de vulnerabilidade, como uma criança que nasce com uma síndrome genética ou de um "acidente no parto ou na gestação", que deixa sequelas, isso pode ser um indicador de risco. Uma criança que tem essa condição é alguém que, em termos de qualidade de potencial, é prejudicada e, principalmente, a relação com os pais vai estar problematizada, porque eles sempre têm um filho idealizado que aguardam ou esperam e quando esse filho nasce com algum problema sério eles têm que fazer a morte dessa criança ideal e colocar no lugar a criança que nasceu com problemas.
Então, isto pode construir uma rachadura nessa relação, no momento em que o bebê precisa muito que a mãe esteja bem. Quando uma mãe vê apenas um bebê doente irá dificultar o seu desenvolvimento. Isso é uma condição de risco para uma criança. Eu considero que a questão mais importante para a saúde mental de uma criança é a relação que ela vai ter inicialmente com a mãe, que faz a função materna, e depois com o pai, que irá introduzir a questão do limite e da lei.


O Florense: Quais os principais indícios de depressão infantil e como diferenciar uma depressão de uma tristeza?
Margareth:
Quando a criança é pequena, às vezes, a depressão não aparece com os mesmos sinais que ocorre nos adultos. Pode aparecer assim: uma criança que chora muito, está mais triste, que não come, que faz birra, que não tem sono. Mas, também, pode aparecer de uma forma contrária: muita agitação, uma criança que cai e se machuca muito. Esses também são indicadores de depressão. São muitos os sinais. A ideia é que sempre que a gente considera que algo não está bem deve procurar ajuda para pensar e entender o que está acontecendo. A única forma dos pais observarem é através do comportamento. Um ponto bem importante é a questão do brincar, que é uma atividade extremamente importante para construir a subjetividade. Sempre que uma criança não está brincando tem algo que não está bem com ela, que pode ser desde uma reação porque algo mudou no ambiente ou até um quadro de uma doença mental mais grave.
O ponto mais importante é que quando a relação da mãe com o bebê não está bem, algo pode acontecer. Quando o pai está muito ausente, quando não consegue entrar na relação entre a mãe e o filho, quando não há alguém que dê um limite para essa criança. Tudo isso, mais fatores como morte, ausência, brigas podem levar a criança a desencadear um transtorno.


O Florense: E como identificar a ansiedade numa criança?
Margareth:
Num primeiro momento detectamos através da conduta e daí teremos que buscar ajuda para poder entender do que se trata essa ansiedade. Pode ser uma ansiedade reativa, algo que não está bem na relação com os pais, as mudanças no próprio ambiente, as situações de perda. Os mesmos sintomas da depressão, como excesso de sono, falta de apetite, hiperatividade evidenciam a ansiedade, também. Na verdade, a ansiedade é um sintoma que está presente na maioria dos transtornos. Podemos ter primeiro o comportamento de uma criança ansiosa, daí vamos ver o porquê disso. Estando ansiosa e não conseguindo encontrar a causa, como por exemplo algo reativo: ela está ansiosa porque sempre foi cuidada pela vovó e agora ela mudou de bairro, ou porque a mãe começou a trabalhar fora e agora ela precisa ficar no maternal. Primeiro temos que encontrar a causa para depois pensar em transtornos psicológicos. É preciso fazer o diagnóstico com um profissional. Seria muito perigoso e leviano rotular uma criança com problemas mentais sem fazer uma investigação completa com um profissional. Um caso de ansiedade recortado não quer dizer, necessariamente, que a criança vai ter um transtorno mental, a princípio pode ser uma reação ou uma característica. A criança tem um traço da personalidade em que ela é mais ansiosa.

O Florense: E como ocorre o autismo?
Margareth:
O autismo é uma doença grave e a gravidade dela está porque se instala precocemente. Para ser autismo tem que aparecer até os dois anos de idade, ninguém vai ser autista depois disso. Ela tem que apresentar comportamentos clássicos do que se denomina de autismo, que seria dificuldades da comunicação com o ambiente de uma forma muito precisa e grave. No autismo clássico ela não fala, não tem interação com o ambiente e com o outro, tem comportamento repetitivo, é isolada. É um quadro grave e precoce. Quanto mais cedo puder se detectar melhor e sempre vai ter que ter um acompanhamento.

O Florense: Ao perceberem sintomas de transtornos em seus filhos, o que os pais devem fazer?
Margareth:
Os pais devem procurar um profissional que é da confiança deles e que esteja preparado para atender esse tipo de situação. E o desdobramento disso vai depender de cada problema que estiver diante do profissional. Porque cada caso tem a sua singularidade.



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