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Especial Mato Perso: Uma vida regada a vinho

Angelo Luvison coleciona histórias sobre a comunidade onde passou seus 92 anos de vida, sempre recheada de vinho e muito bom humor

Angelo Luvison viveu todos os seus 92 anos em Mato Perso, onde é reconhecido como um exemplo de empreendedorismo e trabalho. Mas só de olhar, ninguém dá a Luvison a idade que tem. É ao escutá-lo, que sua longa trajetória fica clara, pela quantidade de histórias vividas nessas nove décadas. Longevidade atribuída a sua maior paixão: o vinho, que virou o seu principal sustento.
“Dias atrás, veio um médico aqui em casa. Quando ele me viu, de longe, me perguntou se eu tinha 70 e poucos anos. Eu disse: olha, eu nem me lembro do tempo em que eu tinha 70”, conta Luvison, aos risos. O médico se surpreendeu, examinou o paciente e disse que, desse jeito, ele vai passar dos 100 anos.
A receita, segundo seu Angelo, é aquela já conhecida: “Eu bebo vinho todo dia. Se não fosse o vinho, eu estaria morto. Já perdi muito o apetite e ele, para mim, é uma refeição. Tomar normalmente, sem perder o controle, faz muito bem para todos. Porque o vinho é um alimento. O tinto, para o coração, é o melhor remédio”. 
O gosto pela bebida era tanto que se transformou em trabalho: aos 19 anos, seu Angelo fundou a própria vinícola, uma das primeiras da região, com o objetivo de produzir sucos e vinhos para o consumo próprio da família e amigos. Assim, permaneceu até 2008, quando os filhos Antônio, Francisco, Leocir e Pedro decidiram expandir e modernizar a empresa. 
“Eu fazia 100, 150 mil litros, é pouca coisa. Então, não quis mais. Uma vez, fomos para a praia e os filhos começaram a me incomodar para ter uma vinícola de novo, propuseram uma sociedade. Um fazia um serviço, outro fazia outro. A cada ano, crescíamos um pouquinho. Por isso, agora a firma está tão bem”, conta seu Angelo sobre a Vinícola Luvison, que hoje tem capacidade para produzir 4,5 milhões de litros de suco e 1 milhão de litros de vinho por ano.
A experiência de mais de 70 anos fabricando vinhos faz com que ele conheça a bebida como nenhum outro. “Meu neto é enólogo, ele faz porque foi na escola aprender. Mas eu aprendi sem as aulas. Quando um vinho tem um pouco mais de acidez, ele tem que colocar no aparelho para descobrir. Eu coloco na boca e já sei dizer se é bom ou não é”, afirma Luvison.
Quando estava prestes a completar 70 anos de casado com a esposa Ínes, os filhos decidiram fazer uma festa para comemorar, que lotou o salão da comunidade – também pudera, são 13 filhos, “um time de futebol com reservas”, como seu Angelo diz. Mas ele foi contra a celebração: “Vamos esperar os 75 anos. Que festa é essa? Não tem nem título para isso”. A solução não podia ser outra: decidiram chamar a comemoração de seu Angelo de “bodas de vinho”. 

Uma coleção de histórias
São muitas histórias de família, todas elas vividas em Mato Perso, terra natal também de seu pai, Domingos. Desde criança, quando a comunidade era composta por apenas sete famílias, seu Angelo mora no mesmo lugar: o lote rural nº 8 do Travessão Entre Rios, comunidade de São Vitor e Corona, onde hoje está instalada a vinícola da família.
Um dos fatos mais marcantes de sua infância foi o temporal que derrubou a igreja, a torre e diversas casas da região de São Vitor. A própria residência da família Luvison foi uma das atingidas: “Eu me lembro bem, na época eu tinha cinco, seis anos. A nossa casa ficou atravessada, não abria porta, janela, nada”, recorda Angelo.
O pai dele não estava lá durante o temporal – levava produtos, de carroça, até Caxias do Sul. Quando chegou em Mato Perso, seu Domingos parou no armazém de secos e molhados, de propriedade de parentes, onde foi informado do desastre. “Ele perguntou se havia matado alguém, lhe disseram que não. Então, meu pai pediu um trago e só depois veio para casa”, conta Luvison, sorrindo ao relembrar da história.
Dessa época, seu Angelo sente falta de conversar em dialeto italiano e de rezar as missas em latim: “A religião do meu tempo era muito diferente. Para receber a Eucaristia, não podíamos beber água antes. Os padres vinham rezar a missa duas vezes por ano, de cavalo. Hoje em dia, se perdeu muito a religião”, lamenta. Para matar a saudade da língua italiana, aos domingos, ele escuta programas de rádio totalmente apresentados em dialeto.
O rádio, aliás, sempre foi algo que promoveu a união da comunidade de Mato Perso, da qual ele também se recorda com carinho: “Naquela época, quando um cara estava prestes a fazer aniversário, ele ia a Caxias, na Rádio Caxias, escolher as músicas que queria ouvir no dia. Chamava-se “Dedicatória”. Na hora marcada, nós nos reuníamos para ouvir, a família inteira, os vizinhos, dançando, fazendo festa. Era bom demais”. 
Mesmo com saudades dos velhos tempos, seu Angelo trata de aproveitar o presente: “Não dá pra ficar parado. Movimento tem que fazer. Tem sempre coisa fora do lugar e não gosto de ver bagunça”, diz, adicionando o movimento à lista de coisas que, assim como o vinho e o bom humor, o mantêm tão jovial mesmo aos 92 anos de idade.
 

Angelo Luvison, aos 92 anos, coleciona histórias de Mato Perso. - Gabriela Fiorio
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