Especial Mato Perso: De geração para geração
Escola Antônio de Souza Neto mantém tradição de ser comandada por antigos alunos, enquanto luta para se modernizar sem desrespeitar seu legado
A história da Escola Municipal Antônio de Souza Neto se confunde com a de outro personagem importante de Mato Perso, Elso Ferronato, atual subprefeito do distrito, que foi professor e diretor da escola. Uma tradição que persiste até hoje, com a diretora Claudete Gaio Conte, que também foi aluna de Elso: a de ter filhos da comunidade educando as crianças do Distrito.
“Eu escolhi ser professor por causa dos meus professores. Quando veio o Ângelo Araldi, de quem fui aluno na 5ª série, melhorou ainda mais. Aí eu criei uma visão de que era bom dar aula. Foi ele quem me levou até Osório para continuar os meus estudos depois da 5ª série, me incentivou a fazer curso. Me formei lá, gostei e vim trabalhar aqui”, conta Ferronato.
Formado professor em 1963, ele começou a trabalhar na escola no dia 24 de abril do ano seguinte. Ele também deu aulas na antiga Escola José de Alencar, em São Tiago, que, juntamente com a Escola General Osório, de São Vitor, foi incorporada à Escola Antônio de Souza Neto na nuclearização promovida em 1990.
“No início, cada comunidade tinha sua escola. E nós, professores, íamos lá dar aulas para eles, da 1ª a 4ª série. Às vezes, eu dava aula para um aluno só. Então, decidimos acumular todos aqui, em uma única sala de aula. Eu atendia quatro turmas ao mesmo tempo, era bem difícil. Aqui era até o 5º ano, depois nós conseguimos a 6ª série. Não podíamos atender mais por falta de espaço”, explica o atual subprefeito.
A nuclearização se deu pela falta de estrutura e docentes para atender quatro séries em cada uma das escolas, o difícil acesso para alunos e professores, além de tornar possível a ampliação dos estudos após a 4ª série para todas as crianças da região. Na época, Elso era o diretor da Escola Antônio de Souza Neto e também o tesoureiro da Associação de Desenvolvimento Comunitário de Mato Perso.
“Os pais reclamavam comigo que os filhos precisavam estudar, mas não havia transporte. Na época do 1º Magnar di Polenta, eu peguei o dinheiro e investi todo na ampliação da base do colégio. Foi aí que conseguimos mais uma sala de aula”, conta Elso, recordando que, no mesmo ano, Mato Perso foi elevada à condição de 4º Distrito.
Com participação atuante em vários segmentos da comunidade (também foi atleta do Esporte Clube Corinthians, diretor da Capela Santa Juliana e ministro da Eucarista por 44 anos), é pela educação que Elso é mais reconhecido, fazendo com que todos em Mato Perso se refiram a ele como “professor”, inclusive os filhos. A história como educador também teve a participação da esposa, Eulina, a quem escolheu como madrinha de formatura, quando ainda eram namorados.
Ao descrever sua relação com os alunos, Elso se emociona: “Eu me sinto bem orgulhoso deles, sempre me dei bem com todos. No recreio, vinham na porta da secretaria para pedir que eu jogasse junto com eles. Quando era para escolher o professor para o ano, eles torciam para que fosse eu. Hoje em dia, são excelentes pais de família, advogados, dentistas, médicos e ainda me chamam de professor. Ouvir essa palavra deles me emociona muito”, diz.
Uma dessas alunas é a atual diretora da Escola Antônio de Souza Neto, Claudete Gaio Conte, que já foi vereadora e secretária de Educação de Flores da Cunha. Elso desempenhou papel fundamental na sua escolha pela sala de aula: “Éramos em três professores, estávamos prestes a nos aposentar. A nossa escola ia fechar porque não vinha professor de fora. Nós fizemos uma campanha com meninas para fazer curso de magistério e conseguimos cinco, seis. Todas nossas alunas, inclusive a Claudete. Quando se formaram, nós nos aposentamos e elas ficaram no nosso lugar. Eu fiquei muito feliz, elas fizeram nossa escola progredir”, diz Elso, orgulhoso.
Claudete, por sua vez, se mostra grata ao antigo professor. Foi através do seu incentivo que ela se tornou a primeira diretora mulher da escola e, a partir daí, construiu sua trajetória baseada na bandeira da educação. “Era histórico, nossa escola sempre foi atendida por professores homens. Eles tinham essa preocupação de mantê-la viva. Eu e outras tantas professoras moradoras daqui seguimos esse caminho muito pelo incentivo deles para atender os filhos dessa comunidade. O Elso era diretor e eu fui aluna dele, me tornei professora e diretora, assim como ele”, relembra Claudete.
Entre a tradição e o progresso
Atualmente, a missão de ampliar a escola, que já foi do antigo diretor Elso Ferronato, agora está nas mãos de sua ex-aluna. A diretora Claudete Gaio Conte reforça a importância de reformas na estrutura física da escola para atender os mais de 110 alunos matriculados, ainda que isso possa significar mudanças nas características históricas da construção.
E história é o que não falta na Escola Antônio de Souza Neto. Ela surgiu em 1956, mas foi inaugurada oficialmente em 1960, uma das muitas escolas construídas por Leonel Brizola no período em que foi governador do Rio Grande do Sul, conhecidas como brizoletas. Até 1996, o colégio de Mato Perso funcionou no pequeno espaço característico das brizoletas, quando passou por obras de ampliação, que novamente se fazem necessárias.
“A parte da frente ainda é de madeira, característica da época. Mas há diversas avarias no entorno da escola. O laboratório de informática, por exemplo, fica no mesmo lugar onde atendemos uma turma. A própria biblioteca é dividida com a sala dos professores. Então, nós precisamos, além de uma reforma, de uma ampliação”, defende Claudete.
Essa não seria a única grande mudança dos últimos tempos. Em 2020, a escola concluiu seu processo de municipalização, deixando de ser da rede estadual - reivindicação da comunidade contra a intenção do Estado de instalar turmas multisseriadas (quando há várias turmas em uma mesma sala de aula).
No primeiro ano de transição, o governo estadual garantiu a permanência do quadro de professores, a maioria residente em Mato Perso. Em 2021, será diferente, explica a diretora: “Como atendemos muitos alunos de Farroupilha, os prefeitos negociaram que os professores de lá também poderiam ser cedidos para cá. Para este ano, eles cederam três. Então, dois professores que residem aqui perderam a vaga e vão a Farroupilha ou Caxias. Os que moram aqui vão sair e outros de longe virão. Todos os professores costumavam ser de Mato Perso”.
Mas a tradição da escola permanece e permanecerá, segundo Claudete, mesmo que novas mudanças sejam feitas, como na estrutura física: “Obviamente, os engenheiros e arquitetos vão fazer o desenho, mas talvez seja impossível mantermos a característica como está. Se perde um pouco da história, mas ela fica nas fotos, nas imagens, no coração de quem nasceu aqui, se criou aqui, trabalha aqui. A história vai permanecer viva, com certeza”.
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