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Entrevista: “Temos lições muito importantes para aprender”

Neurocientista Fernando Gomes falou para um público de mais de 1,1 mil pessoas no 10º Fórum Educacional Regional

Mais de 1,1 mil pessoas estiveram na noite de quarta, 11 de abril, no salão paroquial para assistir à palestra do neurocientista Fernando Gomes Pinto, conhecido nacionalmente por sua participação como consultor no programa da Rede Globo Encontro com Fátima Bernardes. O profissional esteve em Flores da Cunha para participar da 10ª edição do Fórum Educacional Regional, promovido pela Secretaria de Educação, Cultura e Desporto. Durante quase duas horas, o neurocientista discorreu sobre o tema Como viver melhor e mais feliz no mundo atual e mostrou fatos e evidências científicas que estimulam o cérebro a se manter mais ativo e feliz. O profissional falou sobre seu conceito ASAS, que se baseia nos quatro pilares básicos do estilo de vida saudável: A – atividade física; S – sono; A – alimentação; e S – sonhos.

Pouco antes da palestra, ele conversou com o Jornal O Florense sobre felicidade, tolerância e amor. Confira a entrevista.

O Florense: Como podemos usar o cérebro para nos mantermos mais felizes?

Dr. Fernando Gomes: Esse é um desafio do mundo moderno. Sabemos que recebemos muitas informações a todo o momento e ainda mais com a internet hoje disponível na palma da mão. Então, o estresse faz parte do nosso cotidiano. Existem diversos remédios e medicamentos, desenvolvidos nos últimos 50 anos, que interferem nos níveis de alguns neurotransmissores, estou falando de serotonina, dopamina, endorfina, ocitocina. Só que não precisamos estar doentes para tomar um remédio desses para criar um equilíbrio dentro do cérebro para dar a sensação de felicidade e bem-estar. Algumas atitudes e alguns comportamentos para encarar a vida podem promover naturalmente isso para o cérebro. E como temos a capacidade de aprender, memorizar e mudar o comportamento dos próprios neurônios e chamamos isso de neuroplacidade, então conseguimos ter uma vida melhor e mais feliz a partir do momento que a gente entende isso. E o nome desse entendimento é metacognição, ou seja, entendemos que esse processo ocorre. Sempre que fizemos uma escolha voluntária podemos optar por algo bom ou ruim. Sabendo que podemos isso, nos dá mais poder e facilidade para viver de uma forma mais plena e feliz.

O Florense: Isso ocorre também quanto falamos de amor? O seu último livro trata da Neurociência do Amor’...

Dr. Fernando: Acontece sim. A partir do momento que a gente entende que existe um formato do comportamento humano quando falamos de amor, e isso significa a constituição de duas pessoas por um elo afetivo, a gente entende que em cada momento existem neurotransmissores e substâncias que são predominantes. Existe a fase inicial que é a paixão e já está provado que essa tende a durar de seis meses a dois anos e não significa que isso acaba, depois disso vem outra fase, que seria o amor romântico e mais para frente o amor companheiro. E infelizmente, ou felizmente, 30% da população hoje acabam em divórcio ou outro relacionamento começando. A partir do momento que entendemos que existem substâncias que acabam predominando fica tudo mais fácil e natural de entendermos. Até o sofrimento de uma desilusão amorosa ou até a valorização de um bom relacionamento podem acontecer. E o que notamos é que conforme o tempo passa, casais que mantém um elo estável acabam comungando o compartilhamento de informações, o que é muito interessante porque como a expectativa de vida está aumentando e a nossa preocupação com essa fase que está pela frente, que a gente não conhece. Se as pessoas começarem a viver até os 100 anos de idade como vamos fazer e como ficaremos felizes ou não com aquela porcentagem que fora cometida por uma doença crônica. O próprio entendimento disso em relação à neurociência do amor é alvo de interesse para imaginar uma felicidade duradora e em longo prazo.

O Florense: Então, o nosso cérebro se modifica conforme o amor que estamos sentido?

Dr. Fernando: Exatamente. No passado alguns filósofos até falavam que a paixão era sinônimo de alguma doença mental ou algo assim. Porque você se transforma. Uma pessoa apaixonada tem mais dopamina dentro do cérebro, ela minimiza o defeito da pessoa que ela ama, ressalta as qualidades. Por isso que, muitas vezes, no fogo da paixão a pessoa toma decisões que em ‘sã consciência’ não tomaria. Por outro lado, a vida do apaixonado é inundada de adrenalina, de emoções que irão transforma a vida dela com quantidade de graça e leveza muito maior. Por outro lado, outro neurotransmissor chamado serotonina, que está ligado a nossa manutenção do humor, fica um pouco mais baixo. Então, o que acontece com isso? A pessoa tende a ficar com pensamentos ‘obcecados’ pela pessoa que ela ama. Ela ficaria hipnotizada. Isso é interessante porque quando tivermos vivendo uma situação dessas, sabemos que tudo fica diferente. Precisamos entender que existe um mecanismo diferente ocorrendo no seu cérebro. Isso é bacana, porque simboliza vida, bem-estar, prazer e que, também, não se deve tomar decisões levianas, porque você está com o seu cérebro funcionando num formato diferente.

O Florense: Como funciona e os quais os benefícios do seu conceito ASAS?

Dr. Fernando: É uma forma prática que eu criei para mostrar às pessoas quanto ao: estou tendo um estilo de vida saudável ou não? Falamos muito disso. Temos a nossa carga genética e a nossa experiência no mundo físico. Na genética não conseguimos mexer muito porque já nascemos e já temos o DNA dos nossos pais. Mas o nosso comportamento conseguimos mudar. O que é ter um estilo de vida saudável? É comer alface? É não fumar? Beber com moderação? É não ter estresse? Basicamente sabemos que tem três aspectos muito importantes: atividade física regular, sono reparador e uma alimentação com características interessantes. Por exemplo, aqui na terra do vinho? Tem uma dieta estudada nos países do Mediterrâneo que o consumo diário de uma taça de vinho tinto implica em menos demência e menos declínio cognitivo ao longo do tempo. Cada uma dessas letras (ASAS) significa um ponto interessante. E o S seria os sonhos, não o sonho que temos enquanto dormimos, mas as metas que temos para levar adiante. Ressalto a importância de cinco aspectos importantes que temos que prestar atenção, independente de credos: saúde física, saúde financeira, trabalho, amigos e família e lazer. Às vezes crescemos muito em determinado aspectos da vida e negligenciamos os demais. E lá na frente, com o passar dos anos, temos que ver as contas em relação a isso. Então, todos podemos fazer uma autoanálise e ver se estamos brilhando de forma assimétrica, sou seja, estou ok em todos os aspectos, e estar ok não é não ter problemas. É identificar que todos nós temos esses aspectos que são importantes a serem monitorados. Dessa forma, você consegue evitar os percalços da vida e se acontece alguma coisa que não conseguimos ter controle, como uma catástrofe, desastre ou perda de alguém, o que entra na jogada é a resiliência, nossa capacidade de voltarmos de novo para um estado normal e seguirmos em frente. Quando entendemos que isso acontece e por mais tenebrosa que a situação seja conseguimos de alguma forma viver melhor e conduzi-la. Ninguém fica infeliz ou feliz para sempre. O cérebro tem formato e maneiras de conduzir para que sempre voltemos ao nosso estado normal. Ganhar na Mega-Sena não é garantia de felicidade eterna e nem ter um problema grave, como ficar tetraplégico é atestado que vai ser infeliz para sempre. Temos lições muito importantes para aprender e devemos conduzir a forma que lidamos com nossos pensamentos. Temos esse poder de decisão. Se deixarmos nosso cérebro aberto como se fosse uma esponja, sem filtro, ficamos à deriva. Quando entendemos que podemos conduzir isso, ficamos mais atentos. Os poetas já falaram: nenhuma tempestade dura para sempre, mas também nenhum sorriso é eterno.

O Florense: O Fórum Educacional tem uma grande parcela de público formada por professores e pais. Como estes podem ajudar os alunos/filhos a estimular o cérebro e mantê-lo ativo para os estudos?

Dr. Fernando: Acho que o ponto mais importante é justamente utilizar dados que a gente descobre nos laboratórios da neurociência e aplicar na pedagogia, tanto na escola quanto em casa. Sabemos que existem 10 tipos diferentes de inteligência. A última descrita foi a inteligência emocional e saber ensinar a lidar com as emoções talvez seja o grande trunfo que precisamos nesse mundo conectado. Talvez hoje em dia as crianças não precisem aprender da forma como a gente aprendeu e memorizar um mundo de coisas, porque eles têm acesso a bancos de dados de uma forma muito fácil. Mais importante que memorizar um monte de coisa é preciso ensinar a ter critérios de busca e de que conteúdo olhar ou não. Se abrirmos nosso cérebro como se fosse uma esponja entra tudo e depois temos que lidar com isso. Mas o desafio para pais e professores é ensinar algo que não aprenderam, porque há anos se falava de globalização como um conceito, hoje temos lá na mão. Pelo smartphone consigo estar conectado com qualquer parte do mundo. E isso é muito diferente do que aprendemos. Hoje valorizamos muito o papel de um editor, porque é ele quem vai dizer o que, provavelmente, é o mais importante para ser visto. E mesmo assim ele pode errar e é esse desafio que pais e professores têm pela frente. Ensinar a questão da inteligência emocional, além de entender que existem tipos diferentes. No passado quem era bom para jogar bola, mas péssimo de matemática, era recriminado. Hoje em dia pode ser que ele se torne um craque do futebol e esse é um tipo de inteligência diferente.

O Florense: Em tempos de redes sociais, intolerâncias seja política, religiosa, racial, sexual, como nos mantermos mais tolerantes para sermos mais felizes?

Dr. Fernando: Primeiro ponto para entender é a nossa história. Se olharmos a nossa história de uma maneira formal até 1888 não existia nenhuma lei que proibia escravizar outras pessoas, o que hoje é um absurdo. Então, com as modificações sociais e políticas acabam sendo lentas e requerem gerações e gerações. Hoje temos uma situação muito mais avançada do que a gente vivia anteriormente. Todo mundo tem pressa para vermos tudo resolvido. Talvez nossa geração não seja aquela que consiga ter acesso a essa mudança por completo. Mas tudo está mudando, independente da escravidão ter acabado por uma questão mais política do que social, se olharmos a origem foi triste, pessoas trazidas à força. O fato de termos o entendimento sobre isso e ter essa tolerância com o tempo, ou seja, a informação chega rápida e a modificação das pessoas com o comportamento precisa de tempo. Eu acho que independente dessa confusão toda, a gente observa progresso e as redes sociais fazem parte desse avanço. Se fosse tudo estável e homogêneo não daria, porque o próprio cérebro não aceita. Vide o fato que a própria memorização não é fácil. Precisamos repetir várias vezes para que a memorização seja concretizada. Estamos falando de um cérebro de uma pessoa, imagina de milhões. Precisamos de um pouco mais de tempo para as coisas acontecerem, mas acredito que estamos no caminho e o povo brasileiro tem algo muito positivo: é muito criativo e resiliente. 

 

Neurocientista Fernando Gomes falou sobre como se manter feliz e viver mais. - Danúbia Otobelli/OF  - Danúbia Otobelli/OF
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