Eles decidiram que ainda não é hora de parar
No mês do idoso, veja histórias de quem espantou o sedentarismo e segue fazendo aquilo que mais gosta
O envelhecimento da população é um dos maiores triunfos da humanidade e também um dos grandes desafios. O envelhecimento global causará aumento das demandas sociais e econômicas em todo o mundo. Fala-se num futuro grisalho. A perspectiva é que em 2046, para cada 100 jovens, haverá 238 pessoas com mais de 60 anos. Com a população acima de 50 anos aumentando e a taxa de natalidade diminuindo, até 2040, aproximadamente 57% da população ativa (aquela que trabalha) será composta por pessoas com mais de 45 anos.
Em 2010, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eram 21 milhões de idosos (11% da população) no Brasil, até 2050 esse contingente irá saltar para 65 milhões, ou seja, 30% da população. Em Flores da Cunha esses números não são diferentes. A Fundação de Economia e Estatística (FEE) RS nos aponta que são hoje 4.477 habitantes com mais de 60 anos, o que corresponde a 15% da população florense. Nos últimos cinco anos a taxa de idosos aumentou em 23%, crescendo em 1.112 pessoas. Desse contingente, as mulheres são maioria. Existem 369 idosas a mais do que idosos. Além de estarem em maior número, elas também vivem mais. Entre as pessoas com mais de 80 anos, há 370 mulheres para 230 homens.
Dessa geração, os idosos que realizarem um envelhecimento positivo terão outra qualidade de vida e uma melhor saúde física, emocional, mental, cognitiva e espiritual. É o que a Organização Mundial da Saúde adotou como ‘envelhecimento ativo’. Trata-se de um processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas. “Permite que as pessoas percebam o seu potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo da sua vida, e que essas pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades, ao mesmo tempo que propicia proteção, segurança e cuidados adequados. A palavra ativo refere-se à participação contínua nas questões sociais, econômicas e culturais. O objetivo do envelhecimento ativo é aumentar a expectativa de uma vida saudável e a qualidade de vida para todas as pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são frágeis, fisicamente incapacitadas e que requerem cuidados”, cita o documento ‘Envelhecimento Saudável – Uma Política de Saúde’, elaborado pela Unidade de Envelhecimento e Curso de Vida da OMS.
Por isso, manter-se ativo, com autonomia e independência, fazendo aquilo que se gosta é promover a saúde mental e as relações sociais. “Envelhecer é uma dádiva que deve ser encarada não como uma perda de habilidade, mas como uma oportunidade para transmitir os conhecimentos adquiridos ao longo da vida”, aponta a psicóloga Daiane dos Reis. Na próxima quarta-feira, dia 24, dentro da programação do mês do idoso, ela ministrará a palestra É possível envelhecer com saúde?, onde falará sobre as transformações do corpo e da mente e os medos que cercam a velhice. “O isolamento na fase do envelhecimento e o quanto é importante continuar com a rotina, os afazeres, as amizades e os serviços diários. E a importância de se ter um equilíbrio entre as capacidades físicas, intelectuais e emocionais. E para os idosos com limitações é importante se manter ativo dentro das suas possibilidades”, pontua a psicóloga.
Para comemorar o mês do idoso, conheça histórias de florenses que abandonaram o sedentarismo e continuam ativos e fazendo aquilo que mais gostam, apesar da idade.
Uma ‘picinina’ gigante
Ela é de bem com a vida, alto astral e deixa muito jovem para traz quando o assunto é disposição. Estamos falando da cabeleireira Dorotéia Basso dos Reis, 77 anos. E se a altura não é uma atribuição para ela, a sua simpatia a faz gigante, como ela mesma gosta de falar. Dorotéia trabalhou durante a vida como cabeleireira e, mesmo hoje estando aposentada, ainda atende algumas clientes fiéis que fazem o famoso ‘permanente’, ou até mesmo precisam de uma maquiagem. “Arrumei noivas e depois as arrumei para a festa de 50 anos de casadas, ou as filhas delas para o casamento”, conta orgulhosa.
Doro, como ela se apresenta, não gosta de pensar na idade como algo que faz diferença. Para ela, a velhice é relativa, e mora dentro da cabeça das pessoas. “Tenho dores nos joelhos, no nervo ciático, não ouço bem e meus olhos já não enxergam perfeitamente, mas não me sinto na velhice”, conta. A florense é voluntária de diversas entidades, já atuou no Alcoólicos Anônimos e no Grupo Novo Amanhã, além da Liga Feminina de Combate ao Câncer desde sua fundação. Mas é no Projeto Conviver que ela se deleita – é voluntária do programa há 30 anos. “Era para ter participado apenas por um tempo, e estou lá até hoje. Eu amo esse projeto e para mim, que não fiz faculdade, é a minha faculdade da vida. Lá estou aprendendo a envelhecer”, admite.
Doro é casada há mais de 50 anos com Serrano Cândido Inácio dos Reis, com quem tem três filhos: Cândida, Jásser e Inácio. Para ela, o conceito de velhice mudou muito nos últimos anos, e acredita que cada vez mais essas pessoas da terceira idade estão valorizando essa etapa de vida. “No Conviver percebemos que muitos idosos estão aproveitando mais e se cuidando mais também. Para alguns, as dificuldades em realizar tarefas que antes eram feitas com facilidade traz algumas tristezas e até a depressão, mas nós trabalhamos, corrigimos e me satisfaz muito o bem deles por mim. Ele se transforma em vida e, apesar de eu ser pequenininha, fico uma gigante”, acredita Doro.
A jovem de 77 anos é uma das voluntárias mais antigas do Conviver. Para ela, as quartas-feiras são sagradas. “A estima por mim de todos que participam do projeto me engrandeceu muito, e ainda engrandece. Para aqueles idosos que se desanimaram com a idade, digo que eles precisam tomar uma vitamina e fazer jus a ela. Eu amo a terceira idade”, finaliza Dorotéia, dona de um senso de humor invejável diante de um mundo cheio de dificuldades.
Disposição não falta
A palavra ‘parar’ não está presente no dicionário da aposentada Marina Coloda Polo. Aos 92 anos, a moradora do bairro Aparecida nem pensa em ficar em casa ‘parada’, como ela diz. Marina gosta mesmo de estar em movimento. Quando está em casa conta que ou está cozinhando ou cuidando de suas plantas. Porém, grande parte do tempo de sua semana ela se dedica a fazer agnolines. Ela passa mais de cinco horas fechando as massas na companhia de outras mulheres. “Gosto de trabalhar e não consigo ficar sem fazer nada. Aqui eu me divertido, contando piadas, enquanto faço os agnolines”, explica ela.
Bem disposta, Marina morou até os 65 anos na colônia trabalhando na produção de uvas e no trigo. Ao vir morar na cidade, começou a trabalhar na produção de agnoline e não parou mais. “Se tu ficas em casa dá tristeza e estresse, então gosto de sair. Quando não estou fazendo agnoline eu vou com minha filha vender produtos de beleza”, conta.
Durante 20 anos, a filha de Luiz e Ana Polo participou ativamente do projeto Conviver, porém depois de um problema no joelho e de uma operação, ela não pode mais dançar e isso fez com que desistisse de continuar frequentando o espaço. “Gostava de dançar e pular, mas agora ver os outros dançando e não poder, me desanima, por isso prefiro ficar trabalhando”, pontua Marina, que conta com a ajuda do filho para ir até o trabalho.
Viúva há 18 anos, mãe de quatro filhos, com seis netos e quatro bisnetos, Marina diz que o que não falta é coragem para viver. Há um tempo atrás, enfrentou um problema de saúde que a fez ficar 30 dias hospitalizada, sendo nove dias na UTI. Ao contar a situação, a aposentada é espirituosa. “Sou um pouco surda e se Deus me chamou para ir, eu não ouvi”, brinca Marina. Ativa e com uma excelente memória, a aposentada se diverte dizendo que a saúde tá “um dia bem, outro não”.
Corpo e mente ativos
Hoje idosos atuantes experimentam diferentes formas de envelhecer. Para Nelson Mioranza, 83 anos, envelhecer não é sinônimo de estacionar, muito pelo contrário. Acostumado desde muito jovem a trabalhar pesado na agricultura, Nelson sempre se manteve ativo, tanto de corpo como de mente, e até hoje tem na ponta da língua os negócios que fez prosperar. A rotina dele começa cedinho e debaixo dos vinhedos da cultivar Bordô, no Travessão Alfredo Chaves. São mais de 10 hectares de área plantada que ele cuida de pertinho. Depois segue para a vinícola da família, a Cantina Veneza, na Linha 60, que tem capacidade de armazenamento para mais de 5 milhões de litros de vinho, vendidos para todo o Brasil. À tarde, nada de sesta, seu Nelson segue para sua empresa de transporte de cargas alimentícias, que fica no bairro Lagoa Bela.
A rotina agitada faz parte de um estilo de vida que Nelson tem prazer em manter, apesar de já fazer parte da chamada terceira idade. O que acontece é que cada vez é mais comum idosos que querem ter maior integração social, buscando se manter autônomos por mais tempo, e não se limitando apenas ao convívio com a família. “Minhas férias são debaixo das parreiras. Eu gosto de estar sempre trabalhando e de olho nos negócios, passando o que eu sei e aprendi para meus filhos e funcionários. Como dizem, o olho do patrão engorda o boi”, brinca o empreendedor, que conta orgulhoso que há três anos adquiriu uma vinícola em Vacaria, o que incrementou os negócios da família, os quais ele conta com a dedicação dos quatro filhos: Marco, Ademar, Valmir e Paulo.
A velhice é a etapa mais longa da vida do ser humano, pois ficamos nesta faixa etária normalmente dos 60 aos 90 ou cento e poucos anos. Por isso, Nelson não deixa de realizar nenhuma tarefa, e faz questão de manter sua autonomia, dirige – inclusive para São Paulo, onde um dos filhos reside –, pesquisa sobre os negócios e tem opiniões firmes sobre economia, política, e assim por diante. “Não é porque a idade chegou que a cabeça precisa parar, muito pelo contrário, aí é que não podemos deixar ela parar, precisamos mantê-la sempre ocupada”, opina o florense.
Nelson faz parte de uma grande parcela de idosos que atuam como atores sociais, contribuindo com o fortalecimento da economia brasileira, com a renda familiar, participando no mercado de trabalho e em conselhos, programas e outras atividades para esta faixa etária, contribuindo para uma sociedade de múltiplas faces e papéis.
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