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Elas são guerreiras de lenço rosa

Era para ser um dia normal como todos os outros. Um detalhe, no entanto, tirou o foco da rotina intensa da atendente Mari Terezinha Tessaro Todescatto, 50 anos. Ao acaso, ela percebeu em sua mama direita um caroço. Procurou atendimento médico e, no mesmo mês – agosto de 2015 –, descobriu que sua mama era dilacerada internamente por um carcinoma maligno e agressivo. O dia a dia virou-se pelo avesso. Em vez de ir trabalhar como fazia diariamente, Mari passou a submeter-se a quimioterapias que, em menos de 15 dias, lhes levaram os cabelos e a força física. Em compensação, lhes traziam a esperança de tão logo retomar a energia e a vida da qual estava acostumada. Lutou como uma guerreira que não usava escudo, mas lenços rosas. Hoje, 14 meses depois de recebida a notícia positiva, Mari está curada e tem uma certeza: recebeu uma segunda chance de viver.

O relato da florense Mari é apenas um dos mais de 57 mil casos estimados em 2015 pelo Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca). Depois do câncer de pele não melanoma, o câncer de mama responde por 25% das novas ocorrências a cada ano. Um em cada três casos pode ser curado se for descoberto logo no início, por isso o Inca realiza todos os anos o Outubro Rosa, um movimento que tem como intuito estimular a participação da população no controle da doença. De acordo com o mastologista Flávio Elias Ribas, que atende em Caxias do Sul, o processo da carcinogênese (formação de câncer) geralmente é lento. “As células mamárias, ao se reproduzirem, sofrem o efeito de agentes cancerígenos, o que provoca uma alteração genética na célula, deixando-a doente. A célula passa a se reproduzir com essa alteração e então o tumor começa a crescer”, explica Ribas.

Todas as mulheres, independentemente da idade, podem conhecer seu corpo para saber o que é e o que não é normal em suas mamas. A maior parte dos cânceres de mama é descoberto pelas próprias mulheres. É importante olhar, palpar e sentir as mamas no dia a dia para reconhecer suas variações naturais e identificar as alterações suspeitas. Além do autoexame, as mulheres precisam buscar atendimento médico em caso de qualquer alteração. O exame mais importante para o diagnóstico do câncer de mama é a mamografia. Conforme orientação da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), a avaliação mamográfica deve ser feita anualmente em todas as mulheres acima de 40 anos e a partir dos 35 anos para aquelas pacientes com histórico familiar. “Para o combate adequado da doença, precisamos ser ágeis no diagnóstico precoce, pois o câncer diagnosticado no seu estado inicial e adequadamente tratado tem uma chance de cura de aproximadamente 95%”, aponta Ribas.

Os fatores de risco

Não há uma causa única. Diversos fatores estão relacionados ao câncer de mama. O risco de desenvolver a doença aumenta com a idade, sendo maior a partir dos 50 anos. Entre os principais fatores de risco estão os comportamentais, como obesidade e sobrepeso após a menopausa; sedentarismo (não fazer exercícios); e consumo de bebida alcoólica. No histórico de cada mulher também podem existir fatores como a primeira menstruação antes de 12 anos; não ter tido filhos; primeira gravidez após os 30 anos; não ter amamentado; ter feito uso de contraceptivos orais por tempo prolongado; e ter feito reposição hormonal pós-menopausa principalmente por mais de cinco anos. Características genéticas também influenciam como história familiar de câncer de ovário ou de mama, principalmente antes dos 50 anos. A exposição aos agrotóxicos também é um fator de risco, seja pela alimentação ou pelo uso, como é o caso das agricultoras.

O tratamento

Depois de identificado o câncer, Ribas explica que existe uma rede profissional multidisciplinar, da qual a paciente passa a receber os cuidados necessários para o sucesso do seu tratamento. “A intervenção será realizada de maneira particularizada para cada paciente mediante as características específicas de sua doença. Conforme a situação, será realizada a cirurgia, quimioterapia, radioterapia, bloqueio hormonal ou a terapia alvo com medicamentos específicos. As cirurgias estão cada vez menores e mais conservadoras, bem como as técnicas de cirurgias reconstrutoras que estão melhores e mais avançadas, principalmente com o uso das próteses de silicone. O atendimento humanizado e particularizado pelos profissionais da saúde é fundamental na aderência ao tratamento”, explica o mastologista.

 

“Eu me amo e quero viver”

No mês em que completou 50 anos de idade, a florense Mari Terezinha Tessaro Todescatto passou pela sua primeira “quimioterapia vermelha”, aquela que, com a diluição dos medicamentos, ganha coloração avermelhada e é conhecida devido aos seus efeitos colaterais frequentes e temidos, principalmente a queda de cabelo. Desde que havia descoberto o câncer, o início do tratamento, em janeiro deste ano, foi o período mais difícil para a esposa de Nereu Todescatto e a mãe de Jenifer, 22 anos, e Lucas, 15 anos. “Na primeira quimio eu realmente achei que não conseguiria enfrentar aquilo tudo, que não iria resistir. Não conseguia me alimentar, fiquei em um estado emocional muito abalado, sem querer ver ninguém. Fiz três quimios vermelhas e cheguei a pesar 40 quilos. Os médicos então perceberam que além da minha imunidade baixíssima, tinham surgido mais dois caroços na mama. Foi então que mudamos o tratamento, em vez de receber uma medicação a cada 21 dias, eu tinha uma sessão por semana, e com isso o câncer começou a diminuir e se estabilizou com pouco mais de dois centímetros”, conta Mari.

O novo tratamento começou a trazer certo colorido para os dias da florense, que nunca deixou te ter apoio diário dos familiares e amigos. Aos 15 dias da primeira quimioterapia, os cabelos começaram a cair e o lenço tornou-se seu companheiro inseparável. “Um dia meu marido voltou de viagem e resolvemos raspar a cabeça, eu não aguentava mais ajuntar todos que já estavam caindo. Minha filha não queria e meu filho queria raspar o dele também. Depois disso passei alguns dias fugindo do espelho e passava o dia inteiro, até dormia, de lenço. Esta é uma das partes mais complicadas dessa luta, mas fui muito encorajada pelo meu marido. Há algumas semanas já não uso mais o lenço, embora tenha me apegado ao seu uso”, revela.

Desde o dia em que recebeu a notícia, Mari sempre buscou na família o apoio da qual precisava. Foi buscar o resultado sozinha e se abasteceu de força para enfrentar a doença tão temida por todos. Hoje, curada e dando sequência ao tratamento que vai até março do próximo ano, ela encoraja aquelas que estão nesta caminhada. “Não pode desanimar nunca. Não é fácil, mas nem impossível. É preciso acreditar e aprender a ter fé, é necessário acreditar que você vai se curar, que vai ficar bem. Não podemos ter vergonha de sair na rua com nossos lenços na cabeça. É fundamental se olhar no espelho e dizer com toda a força: ‘eu me amo e quero viver’”, valoriza Mari.

Há quatro meses ela fez uma cirurgia e retirou a mama direita, já fazendo a reconstrução com uma prótese de silicone. Teve alta na mesma semana e com a confirmação de que o câncer já não estava mais em suas células. Aos poucos está retomando a rotina e não vê a hora de voltar ao trabalho. Pelo menos até março se dedicará ao tratamento, a alguns cuidados e as caminhadas diárias recomendadas pelo médico. Os cabelos, que estão crescendo com um novo tom, trazem também um colorido diferente para a vida da sorridente Mari.

 

O atendimento em Flores da Cunha

O Outubro Rosa tem programação especial no município em uma parceria entre a Secretaria de Saúde, Hospital Fátima e a Liga Feminina de Combate ao Câncer. Entre as ações, está marcada para a próxima quarta-feira, dia 19, a partir das 18h30min, uma palestra com o psiquiatra Leonelo Prates de Lima, no Centro de Saúde Irmã Benedita Zorzi. No dia 29, às 14h, ocorre a Caminhada Pela Vida, com saída em frente ao Clube Independente. No dia 8, foram realizadas coletas de exames em 30 mulheres. Uma palestra com o ginecologista Márcio Rigotto, com a psicóloga Katiéllen De Carli e com a farmacêutica industrial Mônia Bergoli Dal Cero também fez parte da ação.

A Liga Feminina atende atualmente 40 pacientes que podem contar com apoio não somente na compra de medicamentos, mas em ressarcimentos de exames, auxílio deslocamento, atendimentos psicológicos para o paciente e familiares, bem como a doação de alimentos e de suplementos específicos para portadores de câncer. A entidade atende junto ao Centro de Saúde Irmã Benedita Zorzi (no térreo, acesso pela Rua Frei Eugênio), todas as terças-feiras, das 14h às 16h.

Para buscar o apoio da Liga, o paciente precisa apresentar o diagnóstico de câncer, CPF, Carteira de Identidade, Cartão do SUS e comprovante de residência. “No momento em que o paciente entra em contato conosco, vamos ter o cuidado de ouvir, avaliar e ver o que esta pessoa está precisando e, dentro da necessidade, desencadearemos o apoio. Muitas vezes, temos mais que ouvir do que falar, dar uma palavra de apoio e traduzir a importância da fé, da crença e da caminhada”, valoriza a coordenadora de acolhimento de pacientes da Liga, Maria do Carmo Curra Zorgi. Outras informações podem ser obtidas pelo telefone (54) 3292.6800.

Foi por meio do autoexame que a florense Mari Todescatto descobriu um câncer em sua mama direita. Hoje está curada, contudo, dá continuidade ao tratamento que vai até março. - Camila Baggio/O Florense
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