Dupla cidadania a João Vignatti
De Bento Gonçalves, enólogo agora é cidadão da terra da uva e do vinho
Flores da Cunha, terra da uva e do vinho, hoje também é terra do primeiro enólogo formado na Escola de Enologia de Bento Gonçalves: João Vignatti. Ele ingressou na primeira turma, se formando junto com outras 12 pessoas.
Natural de Santa Tereza, distrito de Bento Gonçalves, nesta quinta-feira, dia 1º, Vignatti recebeu o título de cidadão florense. A homenagem de autoria do vereador Ademir Barp, também enólogo, foi aprovada em sessão ordinária.
Vignatti, hoje com 85 anos, dedicou mais de 40 à profissão – é o enólogo mais antigo de Flores da Cunha –, e ao falar dela fica sem palavras. A emoção toma conta e o amor pela enologia grita através de seus olhos. Aposentado e apenas apreciador de vinhos, ele relembra um pouco de sua trajetória e fala sobre o reconhecimento no mundo de Baco.
OF: Qual era a sua relação com a uva e o vinho na infância e na adolescência?
João Vignatti: Eu sempre tive intenção de conhecer mais sobre a uva, porque eu acompanhava meu pai e ele tinha adoração pela fruta e, então, eu também me apaixonei. Mas foi uma longa trajetória. Eu era o mais novo da família e quando tinha 10 anos tivemos, lá em casa, a visita de um religioso. Ele veio me buscar para continuar meus estudos no colégio dos padres. Ali eu fiquei até a oitava série. Quando sai da escola, tive que prestar um ano de Serviço Militar. Depois, surgiu a abertura da Escola de Enologia. Eu morava a 35 km de Bento, então tive que achar uma pensão para morar e dar continuidade aos estudos. Mas precisava de dinheiro. Eu tinha dois irmãos que possuíam uma área de duas colônias de terra. Cheguei para eles e fiz uma proposta: “vocês pagam os meus estudos, a minha pensão e eu passo a minha parte de escritura”. E isso foi feito e eu me estabeleci em Bento. Por causa dos estudos, sempre fiquei longe de casa.
OF: Como foi cursar enologia?
Vignatti: Nós éramos em 14 candidatos. Desses 14, um desistiu. Então ficamos em 13. O primeiro ano foi muito difícil, porque nós tivemos que estudar nos pavilhões da Embrapa de Bento de Gonçalves. A escola não estava pronta, só tinha o desenho, mas nada de escola. Já no segundo ano, nós passamos para o primeiro pavilhão da escola e o terceiro ano, então, foi uma continuidade.
No curso de enologia trabalhamos bastante a viticultura. A viticultura em primeiro lugar e a enologia em segundo, porque a uva é o início da enologia. Sem a uva não há enólogo. Se eu não tivesse estudado a viticultura eu não poderia trabalhar na enologia.
O trabalho da escola era diurno, de manhã e de tarde. Na parte da manhã era teoria e na parte da tarde íamos a campo, onde a gente realizava o estudo do solo, de plantio, de cultivo e também a parte sanitária dos vinhedos. E tinha o dia que era da enologia, que se trabalhava em laboratório fazendo análises de alguns vinhos produzidos pela Embrapa.
OF: O que mais te surpreendeu no ramo da enologia?
Vignatti: É uma coisa que se torna difícil de expressar, o sentimento da uva ou de qualquer outro produto, a gente se apaixona por ele.
OF: Porque resolveu se mudar para Flores da Cunha?
Vignatti: Na escola tínhamos um professor que era administrador da Granja União, Onofre de Oliveira Pimentel. Ele trabalhava na vinícola, em Caxias do Sul, e vinha duas, três vezes por semana lecionar em Bento. Um belo dia, um mês antes do término do curso, ele chegou para mim e disse: “Você quer trabalhar comigo na Granja União?”. Sai do curso já empregado. Fui contratado para ficar em Flores da Cunha e iniciei os trabalhos em 15 de março de 1963.
OF: Você já conhecia Flores da Cunha?
Vignatti: Eu tinha estado em uma oportunidade só. Como eu cheguei solteiro, sem conhecer ninguém, me estabeleci nos primeiros meses no hotel da cidade e, depois, o meu superior se transferiu para Caxias do Sul e cedeu a casa para mim, ai já melhorou bastante. Os anos foram passando, começaram os namoricos e acabei casando.
OF: O senhor produziu muitos vinhos. Qual é o segredo de um bom vinho?
Vignatti: O segredo do bom vinho são os equipamentos, uva de boa qualidade e madura, produtos auxiliares de fermentação, adição de leveduras e um ambiente com temperaturas baixas, pois as leveduras são muito sensíveis, então quanto mais baixa a temperatura, melhor o produto.
OF: Você tinha um toque especial na elaboração dos seus vinhos?
Vignatti: Naquela época (no início) haviam muitos segredos e a maioria das empresas não te informavam sobre a construção do vinho, achavam que não se passava informações para não ‘roubar’ a receita. Então tinha que aprender tudo sozinho. Quando entrou os enólogos, a gente se encontrava, aí melhorou bastante. Quando tínhamos qualquer problema com um vinho, a gente se ligava, um começou a ajudar o outro. Esse contato ajudou bastante, porque geralmente tinha um ou outro vinho que ficava patinando, mas assim a gente tinha algum local de auxílio.
OF: Tem um vinho que tu diz ser o melhor que tu já produziu?
Vignatti: Todas as minhas empresas vinificavam uvas de mesa, uvas comum como Isabel, Couderc, mas uvas finas começaram a chegar depois. Além disso, poucas as empresas se interessaram em trazer essas mudas (uvas finas) da Europa, porque eles tinham dificuldades de encontrar local de plantio, seus tratamentos, saber seu desenvolvimento final, e nessa parte nós tínhamos o problema dos equipamentos para vinificação, que geralmente eram todos obsoletos, então ficava difícil de tirar um vinho bom. A maioria dos vinhos que fiz foi os mais comuns, porque as empresas que eu trabalhava só se dedicavam a essa parte, a não ser a Granja União que tinha um plantio de 20 a 30 variedades de uva viníferas importadas da França e Itália. Foi a Granja União que começou com os vinhos finos.
OF: Hoje os tempos mudaram muito. O que você vê que mais evoluiu no ramo dos vinhos e da enologia?
Vignatti: Realmente é assustador o progresso que o vinho teve nesses 40 e tantos anos que eu participei, do início até hoje os processos melhoraram bastante, uma por causa dos bons equipamentos, e também pela busca pela boa qualidade do produto. Tudo isso tem ajudado.
OF: O setor dos vinhos pode expandir ainda mais suas vendas, principalmente no exterior?
Vignatti: É possível sim melhorar, porque o interesse é de quem tem o produto e para isso tem que pensar que esse produto seja adequado ao paladar não só de nossos coirmãos, mas também para o estrangeiro, tanto é que a busca do exterior para o Brasil é grande. Hoje o Brasil já é bem reconhecido internacionalmente.
OF: Para o senhor, qual o melhor vinho?
Vignatti: Não existe o melhor vinho, existem os melhores vinhos. Não tenho um preferido, e tudo depende do paladar e do alimento em que vai se ingerir em conjunto. Por exemplo, o vinho tinto tu não pode tomar com comida leve, porque ele é mais pesado. Mas eu gosto mais dos brancos, como Moscato e Chardonnay. Tinto gosto do Merlot, que é mais leve e muito gostoso.
OF: O senhor recomenda tomar vinho todos os dias? Faz bem para a saúde?
Vignatti: Eu tomo uma taça de vinho todos os dias. Se é saudável ou não, não sei, mas eu gosto.
OF: E como é estar sendo homenageado pela terra que é maior produtor de uvas e vinhos?
Vignatti: Estou muito orgulhoso, porque é realmente uma coisa inédita para mim. Também para o setor em que eu trabalhei, é muito agradável saber que alguém do grupo foi homenageado pelo município. Realmente é emocionante, eu vou levar isso comigo com muito carinho e agradeço de todo o coração a Câmara de Vereadores por terem aprovado o projeto.
OF: Tem um vinho que o senhor gostaria de provar?
Vignatti: Eu gostaria de provar algum que já está pronto há 100, 200 anos. Mas só por curiosidade, porque geralmente ele vai estar prejudicado pelo grande período de maturação.
OF: Qual a mensagem que o senhor deixa para os enólogos de hoje?
Vignatti: Busquem a perfeição, façam vinhos de altíssima qualidade para podermos disputar diante dos nossos vizinhos. Não podemos parar no tempo, quem parar no tempo perde tempo.
Sobre João Vignatti:
Nascido em 1º de junho de 1936, formou-se em enologia em 1963 e mudou-se para Flores da Cunha, onde iniciou as atividades na Granja União como técnico auxiliar no cultivo das videiras e no plantio das primeiras uvas finas do país pela então Companhia Rio Grandense. Casou-se com Maria Antoniazzi (in memoriam) em 8 de janeiro de 1966 e é pai de dois filhos, João Carlos e Ricardo Luis, e avô de Bernardo e João Augusto.
Apenas em 1967, quando ingressou na Cooperativa Vinícola Santo Antônio, que passou a exercer a profissão de enólogo. Em 1973 iniciou seus trabalhos junto à Vinícola Mioranza, onde permaneceu até 2004. Também assessorou a Vinícola Campo Largo, em São Marcos, por mais de 15 anos.
Responsável pela produção de milhares de litros de vinhos durante toda a sua vida, o enólogo lembra que, em uma única safra, foram produzimos mais de 45 mil litros de vinho sob a sua responsabilidade.
Dentre sua trajetória em Flores da Cunha foi presidente da Associação de Pais e Mestres do Colégio Frei Caneca, em 1978; presidente da APAE, em 1988; candidato a vereador no mesmo ano, não se elegendo; também foi membro do Lions e do Rotary.
Como forma de prestígio do setor, em 2011 Vignatti foi agraciado com o Troféu Vitis Enólogo Destaque, pela Associação Brasileira de Enologia; em 2016 homenageado como Amigo do Vinho pelo Concurso Melhores Vinhos de Flores da Cunha; além de participar da alegoria Mestres do Vinho na Fenavindima 2020, tendo lugar de honra no carro por ser o enólogo mais antigo do município.
Quem já recebeu o título
O título de Cidadão Florense é concedido a pessoa com naturalidade de outro município, que tenha prestado relevantes serviços à comunidade local ou que tenha se destacado nos setores cultural, industrial, político, assistencial, religioso e educacional, entre outros, atuando em atividades que se relacionem diretamente com a comunidade de Flores da Cunha.
Cidadãos florenses:
2004 - Claudino Caetano Muraro
2007 - Alice de Oliveria Gonzáles
2007 - Alberto Walter de Oliveira
2007 - Eroni Mazzocchi Koppe
2007 - Heleno José Oliboni
2008 - Odilla Rech Biazus
2008 - Arnaldo Passarin
2010 - Ivo Gasparin
2019 - Irmã Maria Bernarda de Cristo Rei (Giudita Maria Franca Cursano)
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