Geral

Dissecando a mais temida praga da videira

Evento realizado pela Embrapa Uva e Vinho apresentou análise e os rumos dos trabalhos visando deter a pérola-da-terra

Não há agricultor em Flores da Cunha e Nova Pádua que não conheça a pérola-da-terra. Tida como a mais danosa praga da videira no Brasil, o inseto causa enorme prejuízos às produções. Para tentar dissecar um pouco mais sobre esse mal, foi realizado em abril, pela Embrapa Uva e Vinho e com co-promoção do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), uma 'Reunião técnica sobre a pérola-da-terra’. Cerca de 250 pessoas, entre produtores de uva, técnicos agrícolas, extensionistas, engenheiros agrônomos e lideranças vinculadas ao setor vitivinícola, participaram da programação em Bento Gonçalves. As exposições abordaram aspectos como: a situação do manejo da pérola no Brasil; os resultados recentes de pesquisas; e as novas alternativas de controle da praga, entre outros aspectos. As explanações foram feitas pelos principais estudiosos a respeito da pérola-da-terra no Brasil.

Resumidamente, os pesquisadores disseram que já existem ferramentas para fazer o controle da pérola-da-terra e “conviver com o inseto”, anota o coordenador da reunião, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho na área de entomologia, Marcos Botton. As possibilidades, nesse sentido, são duas. Uma é o manejo da cobertura vegetal no interior do vinhedo, por meio do qual se reduz a infestação da praga. A outra é o uso de neonicotinóides, inseticidas autorizados para uso na cultura que apresentam uma alta eficácia no controle da espécie.

Em relação à utilização de inseticidas, há uma particularidade: lançados ainda em 2000, os neonicotinóides eram de custo elevado, mas, com a entrada de produtos genéricos no mercado, o valor caiu consideravelmente, viabilizando seu emprego para o controle da praga na cultura. “O viticultor acabava não realizando o controle da pérola, mesmo havendo a disponibilidade dos produtos, devido ao custo” reforça Botton. De outra parte, pontua, há produtores que vêm aplicando, contra a pérola, produtos não-autorizados para uso na cultura da videira. “Como se discute muito o tema de resíduos de produtos tóxicos nas frutas, nós temos solicitado aos produtores que, ao fazer o controle da cochonilha, utilizem somente produtos autorizados, o que é fundamental, pois, além de terem eficácia comprovada, não apresentam o risco de comprometer a imagem da cultura e, portanto, do setor produtivo”, diz o pesquisador.

Evento como ponto de partida
A reunião técnica, explica seu coordenador, pesquisador Marcos Botton, foi o primeiro ato de uma programação mais extensa, que vai ser desenvolvida através de ações como eventos voltados aos próprios produtores. “A reunião foi uma maneira de nós apresentarmos para os técnicos e debater sobre o que temos observado no campo e a que conclusões estamos chegando no âmbito de um projeto financiado pelo Macroprograma 2 da Embrapa envolvendo vários parceiros”, observa. “Agora, a nossa ideia é nivelar essas informações junto aos produtores e comentar sobre algumas medidas que eles devem prestar atenção para melhorar a sanidade dos vinhedos e reduzir a mortalidade de plantas”.

O que é a pérola
A pérola-da-terra foi encontrada pela primeira vez em 1922, no Rio Grande do Sul. Trata-se de um inseto que se alimenta de mais de 80 espécies de plantas cultivadas e silvestres. Tem ciclo de um ano, reproduzindo-se principalmente de novembro a março, período em que se deve fazer o controle da praga.
Atualmente, está presente em toda a região Sul do Brasil, em São Paulo e no Vale do São Francisco – onde foi detectada mais recentemente, em 2001. Por essa ‘abrangência’ – e pela extensão dos prejuízos que causa à produção – é considerada a mais danosa praga da videira no Brasil.

A pérola-da-terra e outros fungos
Um dos principais ‘achados’ das pesquisas é que a pérola-da-terra é um dos componentes de um conceito mais amplo, o de declínio e morte das plantas da videira.

O que se tem observado é que, geralmente, nos vinhedos atingidos pela praga, ocorrem conjuntamente fungos de solo, detalhou, em sua palestra na reunião técnica, o chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, pesquisador em fitopatologia Lucas Garrido. De acordo com ele, o fungo de maior ocorrência no passado era o Fusarium, cuja incidência tem se reduzido por conta do uso de porta-enxertos resistentes. Mais recentemente, outros fungos foram identificados pela Embrapa no Sul do Brasil, com destaque para o Cylindrocarpon e o Phaeocremonium, os quais, ocorrendo em países onde não há pérola-da-terra, contribuem para o declínio e morte de parreirais, principalmente em plantas novas. O fato é que se o produtor tem um vinhedo atacado pela pérola-da-terra, e, ao mesmo tempo, por esses fungos de solo, ele pode fazer tratamento contra a pérola, mas persistirem os problemas. No contexto, o Cylindrocarpon e o Phaeocremonium podem levar as sintomatologias na folha que o produtor acha que se trata de pérola – mas, que, afinal, não é.
Além desses, têm sido encontrado muito comumente em áreas com pérola-da-terra fungos causadores da podridão descendente. Em relação a esta podridão, quando o produtor faz a poda do vinhedo, durante o inverno, a lesão do corte fica descoberta – o viticultor não a protege, com fungicida, por exemplo –, e é nela que o fungo penetra, começando a matar a planta de cima para baixo. Novamente, muitas vezes o produtor acha que é a pérola que está matando seu parreiral, mas, na verdade, o ‘vilão’ é o fungo causador da podridão descendente. Por isso, reiterou Garrido, é muito importante que sejam protegidos os ferimentos de poda no vinhedo – uma prática pouco adotada.

Ainda, em plantas de Vitis vinifera, por exemplo, há a questão de vírus, principalmente o de enrolamento-da-folha e o das caneluras, que também podem causar a morte das plantas ou levarem o produtor a confundir os sintomas.
Quanto aos mecanismos de controle, o pesquisador observou que é fundamental que se faça um bom manejo de solo, comentando que países como Chile, Espanha e Nova Zelândia têm enfrentado sérios problemas relativos à morte de plantas por causa desses fungos, principalmente em vinhedos replantados na mesma área de cultivo.

Os trabalhos de pesquisa no Brasil, prosseguiu Garrido, irão no sentido de buscar estratégias mais eficazes de manejo dos fungos de solo, os quais são de difícil controle, além de sua interação com a pérola e outros insetos de solo, com destaque para a filoxera.

Nocividade da praga

Um dos mais instigantes resultados de pesquisa apresentados na reunião técnica foi trazido pelo pesquisador da Embrapa Uva e Vinho na área de fisiologia vegetal Henrique Pessoa dos Santos. Desde 2006, o pesquisador participa de projetos de pesquisa no sentido de identificar se os sintomas de definhamento apresentados por plantas afetadas pela praga são provocados efetivamente pela pérola-da-terra ou se trata da ação de algum outro agente associado/conduzido por ela. O fato é que embora a praga tenha sido identificada em 1922, no Rio Grande do Sul, nunca haviam sido feitos estudos para entender sobre por que e como ela ataca a videira. “As pesquisas eram unicamente no sentido de eliminar a pérola-da-terra de áreas infectadas”, resgata. Segundo ele, só será possível controlar a pérola buscando respostas a algumas contradições, como o porquê de outras plantas nativas (como, por exemplo, a língua-de-vaca), embora situadas em regiões atingidas pela praga, não apresentarem os sintomas de dano que são observados nas videiras atacadas.
Conforme o pesquisador, em experimentos recentes de cultivo de videira em condições controladas, com solo esterilizado, com alto índice de infestação por pérola-da-terra nas raízes durante 22 meses, não se observou nenhum dos sintomas que são encontrados e atribuídos à praga em vinhedos comerciais. Em contrapartida, “em áreas infestadas, pôde-se observar os sintomas foliares em mudas de videira em um período de apenas nove meses após o plantio”, salienta Pessoa dos Santos. Além disso, nesse mesmo estudo, constatou-se que, em vinhedos com sintomas foliares que são atribuídos historicamente ao ataque de pérola-da-terra, as plantas, na verdade, não apresentavam a presença do inseto nas raízes, mas sim de doenças como a podridão-descendente. Em levantamento de áreas comerciais, também foram encontradas videiras aparentemente sadias que estavam com alta infestação de pérola das raízes. “Estes resultados levantam a hipótese de que outros organismos do solo estão atuando em conjunto com a pérola no desenvolvimento dos sintomas”, afirma o pesquisador. “Diante desse cenário, as pesquisas atuais serão focadas em identificar quais organismos estão atuando em conjunto com o inseto no desenvolvimento dos sintomas/danos, anteriormente atribuídos somente à pérola”. Da Embrapa Uva e Vinho, com a colaboração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), essa pesquisa, coordenada por Pessoa dos Santos, irá se estender até 2013.

Demonstração in loco
A reunião técnica também possibilitou conferir, in loco, os sintomas da pérola-da-terra e das principais doenças fúngicas causadoras da morte de plantas. Em sala ao lado do salão de palestras, foram montadas ‘clínicas tecnológicas’, monitoradas por técnicos das áreas de fitopatologia e de entomologia da Embrapa Uva e Vinho, para a exposição de amostras de videira contaminadas e de materiais a respeito do ciclo da pérola. O espaço teve grande procura por parte do público, permitindo aos produtores reconhecerem as fases do ciclo da pérola da terra e sua interação com formigas doceiras e, principalmente, diferenciarem os sintomas dos diferentes fungos causadores de morte de plantas. É muito comum, por exemplo, os produtores confundirem os sintomas de Fusarium com os de Cylindrocarpon.

Importância de uso de material vegetativo sadio

Em muitas situações a pérola-da-terra foi introduzida nas propriedades através de material vegetativo contaminado. Diante disso, agora que se inicia a época de plantio, a recomendação é que se o produtor for adquirir mudas de videira com raiz, o mesmo deve observar se o inseto está presente. “Se há pérola nas raízes, ou o viveirista faz o tratamento no viveiro ou o produtor deve fazê-lo, com inseticida, antes de fazer o plantio” ressaltou o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Marcos Botton.
Ele assinalou que se tem observado muito mais morte de plantas, ocasionada pela pérola, em plantas de uvas americanas, como Bordô, Niágara, Isabel e Concord. Como, basicamente, essas plantas não têm sido enxertadas – a maioria dos produtores as planta em pé-franco –, a recomendação é que, mesmo no caso dessas cultivares, seja realizada a enxertia, com porta-enxertos resistentes – à filoxera, pulgão que ataca a raiz, e que, em altas infestações, definha a planta e também pode causar sua morte. “Como estamos falando de declínio de plantas de videira, é importante o produtor atentar que também a presença de filoxera na raiz pode auxiliar na entrada de fungos de solo, aumentando as chances de morte do vinhedo”, disse Botton.

Dentre os porta-enxertos resistentes, o pesquisador menciona o Paulsen 1103, o mais utilizado na Serra Gaúcha. “Mas a maioria dos porta-enxertos hoje no mercado foi desenvolvida para ser resistente à filoxera, como, por exemplo, a série IAC e a R99; também há o 43-43”, ressalva.

Botton destacou, ainda, que a Embrapa Uva e Vinho mantém programa de melhoramento genético de porta-enxertos de videira. “Temos, hoje, materiais promissores, mas, antes de lançarmos, temos que pensar, além da pérola, nestes outros problemas de solo: não se pode lançar um porta-enxerto somente resistente à pérola-da-terra; é preciso que ele seja resistente ao Fusarium, ao Cylindrocarpon e ao Phaeocremonium”, ressaltou.

Preparo do solo
Outro ponto salientado por Marcos Botton foi a importância de um bom preparo de solo. “Infelizmente, os produtores estão dando muito pouca atenção para o manejo de solo nas áreas contaminadas”, lamentou. “De nossa parte, o que temos recomendado é que se faça, no mínimo, um ‘pousio’ (período de repouso, sem o cultivo da videira) de um ano quando se erradica um vinhedo antigo; além disso, pode-se cultivar plantas nessa superfície – principalmente adubos verdes –, para melhorar a qualidade física do solo”, assinalou. De acordo com o pesquisador, tem-se observado que o produtor não adota período de espera entre a eliminação de um vinhedo e o replantio – só que da planta antiga, retirada, ficam raízes no solo, que podem estar contaminadas por pérola ou fungos de solo, potencializando futuros problemas nos vinhedos. “Acho que é consenso: para quem quiser replantar um vinhedo, em áreas problemáticas, é fundamental um bom manejo de solo e o uso de mudas sadias – quer dizer, as boas práticas agrícolas, como se fala. E este vai ser um dos nossos desafios agora: colocar na cabeça do produtor que isso realmente é importante e não se vai perder tempo, mas, sim, ganhar eficiência, por manter o novo parreiral mais tempo produtivo”, pontuou.



Compartilhe esta notícia:

Outras Notícias:

0 Comentários

Deixe o Seu Comentário