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Dia do Professor: A educação como dever de casa

Estudantes do 7º ano da Escola Leonel de Moura Brizola desenvolvem projeto sobre analfabetismo que, com apoio da comunidade e da administração, está sendo aplicado em todo o município

O papel e a caneta dão lugar à impressão digital. Não, esta não é mais uma matéria sobre avanços tecnológicos, mas sim acerca dos déficits educacionais. Mesmo estando no ano de 2023, o analfabetismo ainda faz parte da realidade de 5,6% da população brasileira. Isso significa que, cerca de 10 milhões de pessoas não conseguem realizar tarefas simples como assinar o próprio nome, ir ao mercado, farmácia, tomar remédios, utilizar o transporte coletivo, assistir um filme com legenda, e, inclusive, ler este texto. De acordo com uma pesquisa divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica) em 2022, grande parte dos prejudicados nesses índices são as pessoas idosas, com 60 anos ou mais, seguidas pelas de 40, de 25, e pelos jovens de 15 anos. 
Embora pareça distante da nossa realidade, Flores da Cunha também possui casos de analfabetismo. Foi isso que motivou um grupo de estudantes do 7º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Leonel de Moura Brizola a desenvolver um projeto sobre esta temática, que foi apresentado na 3ª edição da Mostra Científico-Cultural, no início de agosto, no Parque da Vindima Eloy Kunz. 
A estudante Byanca Zavistanovicz conta que, incialmente, o grupo ficou em dúvida se realmente abordaria este assunto, ou, se optaria por destacar as doenças do coração, mas o fato de conhecerem pessoas analfabetas, como a avó de um dos integrantes e, portanto, de saberem das dificuldades dessas pessoas, acabou sendo determinante para a escolha do tema que, para execução, envolveu pesquisa de campo em um bairro do município. “A gente fez perguntas bem específicas sobre o que queríamos saber, por exemplo, se as pessoas tinham dificuldades para ler ou escrever, quais eram, o local que elas moravam, se elas voltariam a estudar e em qual horário, se elas se sentiriam mais à vontade estudando com pessoas de idade próxima. Isso porque a gente queria, depois, ampliar a pesquisa”, detalha Byanca. 
Aghata Ribeiro Dall’Acua, que começou a participar do projeto há pouco (no lugar de Mariana Andrade Garcia) mas acompanhava os amigos desde o início, explica que os entrevistados não foram resistentes para responder às perguntas, mas que tinham vergonha em admitir a situação de analfabetismo: “A gente parou aleatoriamente no bairro e eles foram respondendo, mas a maioria disse que não era analfabeto, depois, quando fomos em outro dia, descobrimos seis pessoas nessa situação”. 
A pesquisa só confirmou as hipóteses levantadas pelos estudantes e motivou para seguirem adiante com o projeto, mesmo após a decepção por não terem ganho nenhum destaque na Mostra Científico-Cultural. “Eu não tinha imaginado, quando nós começamos a fazer o projeto, que ele iria se tornar tão abrangente, que iria sair da sala de aula, que não seria só um trabalho científico. Agora é um trabalho municipal e isso é uma alegria enorme”, comemora Maikel Gonçalves da Silva. 
De acordo com a coordenadora pedagógica da escola, Daniela Dal Picol Sandi, de 49 anos, que acompanhou e segue acompanhando de perto todo o processo, a pesquisa funcionou da seguinte forma: “Os alunos elaboraram um questionário e mapearam o bairro Pérola, descobriram seis pessoas analfabetas e ficaram impressionados. Foi então que pensaram em buscar um educador social para alfabetizar estas pessoas. A partir disso escreveram uma carta aberta para a Secretaria de Desenvolvimento Social e para a Secretaria de Educação, que acreditaram no projeto deles e sugeriram mapear o município todo, o que está acontecendo agora”, empolga-se Daniela ao detalhar as etapas da pesquisa, que está alcançando grande visibilidade. 
Atualmente, o mapeamento tem sido feito por meio da aplicação de um questionário online, que auxilia a identificar pessoas analfabetas em todo o município e, a partir disso, viabilizar aulas de alfabetização e cursos profissionalizantes. “A iniciativa surpreendeu muito, pois ver alunos de 12 e 13 anos tentando resolver uma situação e pensando na população de uma cidade inteira é emocionante. Além disso, as pessoas têm vergonha, receio de dizer que são analfabetas, principalmente por conta dos julgamentos”, emociona-se a coordenadora. 
Daniela revela que, apesar de o analfabetismo ser mais comum entre as pessoas idosas, os resultados dos questionamentos estão apontando algumas pessoas na casa dos 20 e dos 40 anos, que também não sabem ler e escrever, o que corrobora a importância do trabalho realizado pelos estudantes. “A gente recebeu as respostas dos formulários da Escola São Rafael e Targa, e tem bastante gente. O lado bom é que a maioria tem interesse em voltar para a sala de aula, e a preferência, claro, é pelo horário da noite. Agora, a ideia é que seja criado uma espécie de Projeto Conviver, que as pessoas se encontrem uma vez por semana, mas, para ter aulas de alfabetização”, esclarece a coordenadora sobre como funcionaria, inicialmente, o processo. 
A educadora também adianta que uma voluntária se dispôs a iniciar com as aulas para pessoas que moram no entorno da Escola Leonel de Moura Brizola e que tenham interesse em aprender a ler e a escrever: “A gente estava conversando com ela para, talvez, iniciar agora no dia 19 de outubro, das 18h às 20h, nas quintas-feiras. Ela viria para vermos como vai ser e, depois, levaríamos a atividade para outras comunidades também”.
A emoção e a dedicação de Daniela em prol deste projeto nos faz lembrar que iniciativas como esta surgem dentro da sala de aula, motivadas pelo desejo dos estudantes, mas que o apoio dos professores é fundamental para que elas possam ganhar destaque além do ambiente escolar e, quiçá, tenham o poder de transformar a vida das pessoas e da comunidade na qual elas estão inseridas, como neste caso onde todos os professores da Escola Leonel de Moura Brizola, destacando os orientadores da Mostra Científico-Cultural, Lucas Morandi e Alessandra Accorsi Trindade, se envolveram com a ação. “Estou imensamente feliz pois sempre acreditei na educação e acredito no potencial de cada estudante. Sei que ser professor é, sem dúvidas, uma profissão que envolve amor, respeito e admiração. Levo comigo todos os ensinamentos dos meus professores, e aprendo todos os dias com os estudantes”, conclui a coordenadora. 
Ponto de vista compartilhado pela diretora da escola, Alessandra Drebes, de 49 anos, que às vésperas do Dia do Professor – lembrado neste domingo, dia 15 de outubro – enaltece o poder transformador da educação, uam vez que: “O papel do professor é fundamental. É ele que incentiva, que mostra os caminhos, que orienta e que serve de exemplo aos seus alunos para futuras transformações, onde encontraremos uma sociedade mais igualitária e saudável”. 
É justamente por acreditar em uma sociedade mais igualitária e saudável que ela considera gratificante a oportunidade de poder despertar nos alunos a curiosidade em descobrir qual a melhor forma de ajudar a comunidade a ser menos desigual, oportunizando momentos de troca, aquisição de novos conhecimentos e oportunidades. “É bem gratificante. Iniciei na escola no ano passado, estou conhecendo a comunidade, e com essas experiências estou conseguindo ter um pouco mais de contato com a realidade deles”, revela a diretora, que percebe que, com a pandemia, o número de pessoas que foram ou chegaram de outros lugares na condição de analfabetos, no contexto geral, aumentou bastante.  
“O projeto sobre analfabetismo vem nos mostrar o quanto somos capazes de tornar nossa realidade cada vez mais inclusiva, oferecendo nosso espaço de educação formal a todos que não tiveram tempo hábil de completar seus estudos e realizar seus sonhos”, destaca Alessandra, acrescentando que para que o projeto tomasse a proporção que está tomando foi fundamental  o envolvimento da comunidade escolar e do poder público: “Penso que para termos uma educação de qualidade é necessário que escola, família e administração municipal caminhem juntas. Além da curiosidade dos nossos alunos e o empenho dos professores, tivemos o acompanhamento da coordenação pedagógica que fez a ponte com a administração municipal, sendo assim possível o projeto ser um sucesso”, avalia a diretora, parabenizando os envolvidos na iniciativa. 
A ponte entre todas essas frentes foi responsável por levar o projeto que nasceu em sala de aula a toda a comunidade florense: “O prefeito, César Ulian, sempre tratou como prioridade a educação em nosso município. Poder colaborar para que os projetos ganhem força e escala é a certeza de que estamos contribuindo para o desenvolvimento das pessoas – objetivo principal do Programa Flores+Renda, que tem como um dos públicos os jovens, e como essência, despertar o brilho no olhar. Ao conhecer o projeto e conversar com Maikel, Byanca e Mariana (antiga integrante do projeto) pessoalmente, tivemos a certeza que esse propósito está sendo alcançado”, revela a secretária de Desenvolvimento Social, Michelle Lusa.
Pelo incentivo e por procurarem alternativas para tirar a ideia do papel, Michelle parabeniza os alunos envolvidos, a direção e a coordenação da escola: “Receber o ofício nos contando o projeto foi muito gratificante, pois acreditamos que toda execução de política pública precisa ser trabalhada em rede”, comemora. 
De acordo com a diretora de Desenvolvimento Econômico, Iara Barbosa, antes desta pesquisa o município não tinha nenhum dado sobre o número de pessoas analfabetas, o que reforça ainda mais a importância do estudo. “A iniciativa é uma tentativa de mapearmos essas pessoas e, a partir dos dados coletados, buscar soluções para oportunizar oficinas de alfabetização e posteriormente trabalhar turmas de conclusão de ensino fundamental, se ficar evidenciado a necessidade. A gestão trabalha constantemente para o desenvolvimento das pessoas e, atualmente, conseguimos viabilizar uma turma de EJA, na metodologia 80/20, ou seja, um dia por semana os alunos se reúnem presencialmente e depois realizam em casa as atividades. Flores da Cunha é o primeiro município a ofertar EJA em parceria com o SESC fora da sede da instituição e essa parceria só foi possível devido ao interesse da gestão municipal e a união dos realizadores do Programa Flores+Renda (Sesc, Fecomércio RS e  Sindilojas Caxias)”, enaltece Iara.
A diretora de Desenvolvimento Econômico destaca que desde que foi aberto ao público, no fim de setembro, até o momento, o questionário sobre analfabetismo já mapeou 40 pessoas analfabetas em Flores da Cunha e que ainda é possível preencher o formulário, até o fim deste mês, por meio do link: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSeFQDZyIsfoCo4WRsXUITtKET9Xl2CeOEvyAcPxUr9YhDKt2A/viewform. Afinal, quando o assunto é educação, todos temos um dever de casa a ser feito. 

A diretora, Alessandra Drebes e a coordenadora pedagógica, Daniela Sandi, ladeiam os alunos responsáveis pelo projeto: Aghata Dall’Acua, Maikel da Silva e Byanca Zavistanovicz. - Karine Bergozza
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