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Dez anos para repensar a agricultura familiar

O objetivo da Década da Agricultura Familiar é acabar com a fome mundial

Mais de 820 milhões de pessoas no mundo são atingidas pela fome, conforme dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Por isso, a FAO lançou mais uma estratégia para acabar com a fome, desta vez colocando a agricultura familiar na centralidade. Intitulada Década da Agricultura Familiar, a ação, que deve ser realizada de 2019 a 2028, convoca governos e sociedade a repensar seus modos de vida. No Brasil, a atividade foi lançada no mês de setembro. Já no Rio Grande do Sul, a ação foi apresentada no dia 11, na Assembleia Legislativa.
A Década da Agricultura Familiar tem como objetivo colocar em prática um plano de ação global contra a fome e a pobreza rural até 2028, por meio de sete eixos voltados para a agricultura familiar: criação de ambiente político favorável para o fortalecimento; apoio a juventude para garantir a sucessão rural; promoção da equidade de gênero e o papel de liderança das mulheres; fortalecimento das organizações; melhorias na inclusão socioeconômica e bem-estar; promoção da sustentabilidade para alcançar sistemas alimentares resilientes às mudanças climáticas; e fortalecimento da multidimensionalidade para alcançar inovações sociais que contribuam com o desenvolvimento territorial, salvaguarda da biodiversidade, meio ambiente e cultura.
De acordo com a FAO, a agricultura familiar produz mais de 80% da comida mundial e ao mesmo tempo aumenta a sustentabilidade ambiental da agricultura, preserva e restaura a biodiversidade e os ecossistemas. Segundo o Censo Agropecuário, o Brasil possui cerca de 4,3 milhões de estabelecimentos rurais que utilizam a terra para a agricultura familiar. 
O setor primário de Flores da Cunha e Nova Pádua é praticamente todo exercido pela família e, para isso, os municípios possuem diversas iniciativas de valorização da agricultura familiar, tanto no ramo de agroindústria e subsídios de máquinas, como em assistência técnica. “A realidade do nosso município é essa. Mais de 90% da agricultura é familiar. Então é pra quem, realmente, a gente trabalha no dia a dia, além de incentivar e ter projetos para que os jovens permaneçam na comunidade, como é o caso do Jovem na Zona Rural e até mesmo as bolsas de estudos que são concedidas na área da agricultura”, enfatiza a secretária de Agricultura e Abastecimento de Flores da Cunha, Stella Pradella. 
O presidente do Sindicato dos Agricultores Familiares de Flores da Cunha e Nova Pádua, Olir Schiavenin, complementa que tanto a prefeitura, quando a Emater e o Sindicato, que agora em seu nome contempla a agricultura familiar, tem o intuito de auxiliar, ajudar e orientar o produtor, com assistências técnicas, cursos, visitações, participação em feiras, entre outros projetos.
Em relação à Década da Agricultura Familiar, Stella afirma que o projeto vem para valorizar o trabalho dos agricultores e, ao mesmo tempo, chamar atenção das pessoas para a alimentação saudável. “Quem alimenta a população não são os grandes agricultores, mas sim os pequenos, que possuem culturas diversificadas”, relata a secretária.  
Durante os próximos anos, o presidente do Sindicato entende que é preciso ter planejamentos para alavancar ainda mais a agricultura familiar. “É preciso ter políticas públicas de venda e esperança, principalmente pros jovens continuarem no campo. O mundo tá percebendo que se não apoiar, não valorizar e não dar estímulos, vamos ter sérios problemas na agricultura familiar, mais do que a gente já tem hoje”, declara. 
Conforme Olir, Flores da Cunha é o segundo município em termos de volume de mercadoria comercializada nos Ceasas de Caxias do Sul e Porto Alegre. “Percebemos que os nossos agricultores possuem muitos incentivos, mas, por outro lado, temos muito trabalho pela frente. Temos que trabalhar mais a expansão, a modernização e os incentivos. Isso é um desafio constante. Estamos bem, mas temos que evoluir bastante para que a gente possa fazer com que a agricultura seja cada vez mais eficiente, produtiva e rentável”, diz Schiavenin. 

Família unida na colônia

Praticamente todo o setor primário do município é desenvolvido por agricultores familiares. Conforme os dados do Censo Agropecuário de 2017 são 1.150 estabelecimentos rurais, todos com mão de obra familiar e algumas contratações fixas ou temporárias durante a safra. É o caso da família de Antoninho Molon, 55 anos, moradores de Otávio Rocha. Na propriedade, a irmã, a esposa e os dois filhos trabalham. “Desde que eu era pequeno fui incentivado pelos meus pais a ficar na propriedade e ajudar. Meu pai foi me mostrando a importância da agricultura e hoje gosto cada dia mais e tenho orgulho de ser a sexta geração a trabalhar com a agricultura”, declara Lucas Antônio Molon, 24 anos, que estuda Agronomia.
Nos seis hectares, as culturas são as mais diversas, tanto para venda direta quando para consumo próprio. O destaque vai para a uva, cebola e laranja. Outras variedades como milho, feijão, hortaliças, tomate, alho, pêssego, ameixa e ervilha são produzidas em quantidades pequenas. 
A filha mais nova de Antoninho e Marlene Bertin Molon, 59 anos, Luana Molon, 21 anos, também nunca pensou em sair da zona rural. A jovem estuda Ciências Contábeis para auxiliar a família com o dinheiro. “Um bom negócio funciona se possuir um ótimo contador. Então, no que precisar eu estou aqui para ajudar a família. Além, é claro, de trabalhar na lavoura”, garante a estudante. 
Para Molon, ter a família para continuar seu trabalho é muito gratificante. “Sou muito grato por ter incentivado eles a permanecerem na propriedade. Hoje é muito difícil encontrar jovens que queiram trabalhar na agricultura. Não sei o que vai ser desse setor daqui uns anos. É preocupante”, reflete. Na propriedade, poucas vezes é contratada mão de obra de terceiros. Além da produção primária, a família possui uma empresa de comercialização de vinhos a granel. “Nos últimos anos a empresa não está dando tanto lucro, por isso resolvemos investir em uma agroindústria”, informa Molon. Os papeis já foram encaminhados com o auxílio da Emater e da Secretaria de Agricultura e agora aguardam a liberação para o novo negócio. 

Continuidade do cooperativismo

Quatro gerações que cultivam uva e seguem fazendo parte do cooperativismo. A família Tonello, localizada no Travesão Divisa, em Nova Pádua, tem no seu sangue o amor pelo trabalho na agricultura e faz questão de passar isso de geração para geração. O patriarca da família, José Tonello, 87 anos, sempre se dedicou à agricultura, juntamente com seu pais, um dos fundadores da Cooperativa Santo Antônio. “Desde cedo ajudei no plantio da uva e até hoje cuido das parreiras”, conta Tonello, acompanhado do filho, Amarildo Tonello, 55 anos, que desde pequeno ajuda a família. “Me criei na roça. Parei de estudar no 6º ano para ajudar a família e aqui fiquei”, diz. Amarildo seguiu o exemplo do pai, criou o filho na lavoura, cuidando da uva e andando de trator. “Sempre gostei da agricultura. Meu pai me levava junto e me ensinava tudo”, relata o filho Leandro, 31 anos. 
Leandro possui o Ensino Médio Incompleto, pois teve que auxiliar na propriedade. “Meu pai teve um problema de coluna e ficou hospitalizado, e alguém precisava ajudar na colônia. Foi aí que tive que trancar os estudos e me dedicar à agricultura”, revela ele, que quer ver o filho, Leonardo, de dois anos, seguindo os passos do patriarca.  “Quando possível sempre levo ele junto. Ele precisa aprender e gostar da agricultura. Temos que sempre incentivar os jovens a permaneceram no campo e seguir a rotina da família”, enfatiza. 
A família, que possui aproximadamente oito hectares de parreiras, continua até os dias atuais vendendo seus produtos para a cooperativa. 

Família Molon. - Gabriela Fiorio Família Tonello. - Gabriela Fiorio
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