De carona com o turismo
Roteiros enogastronômicos e religiosos oportunizam incremento nos serviços de transporte do município
Não é novidade que o turismo de Flores da Cunha vem ganhando cada vez mais destaque no cenário nacional, seja pela criação de roteiros enogastrônomicos que proporcionam experiências únicas durante o período da vindima, ou pelas celebrações de Corpus Christi, que atraem milhares de visitantes para contemplar a beleza dos tapetes de serragem colorida que emolduram a Praça da Bandeira.
No entanto, com o passar dos anos e o surgimento de novos empreendimentos voltados ao setor, os problemas relacionados a hospedagem e ao transporte tornaram-se mais evidentes. No período da noite, por exemplo, existem muitas dificuldades para o visitante conseguir encontrar um táxi ou um carro de aplicativo para se deslocar.
Situação que foi vivenciada pela empresária e professora de teatro, Paula da Cruz Brandão, de 40 anos. A moradora de Pelotas veio ao município e, ao sair de um comércio na área central, à noite, não conseguiu contato com nenhum motorista de táxi ou aplicativo: “Tentamos falar com o Uber que tinha nos deslocado mais cedo, mas não conseguimos. Então nós perguntamos às pessoas que estavam no estabelecimento como poderíamos pegar um táxi na cidade, e fomos tentando contato com as indicações dos clientes que estavam na Bulldog Hamburgueria, mas não deu certo, porque eles não estavam trabalhando no momento”, relata Paula.
Outra tentativa da pelotense foi ir ao ponto de táxi e ligar para os números que ali estavam, mas, novamente, ninguém atendeu. “À tarde, quando estávamos caminhando pela cidade, vimos alguns táxis parados e, nesse mesmo local, antes mesmo de irmos à hambugueria, não havia táxi, os estabelecimentos já estavam fechados, afinal, a cidade estava dormindo”, acrescentou a empresária que, diante da situação, teve que recorrer a carona de pessoas que estavam no comércio.
Esse é apenas um dos diversos exemplos que ocorrem na Terra do Galo e que são relatados pelos empreendedores: “Nós, comerciantes, que atuamos no ramo da alimentação, principalmente no período da noite, notamos a falta de opção de transporte aos clientes. Os taxistas fazem um belo trabalho, porém atuam até um determinado horário. Sendo assim, no período da noite essa oferta é menor e parte das pessoas acaba procurando por transportes de aplicativo – principalmente os turistas – que muitas vezes precisam sair mais cedo dos estabelecimentos por medo de ficar sem transporte”, revela o proprietário da Bulldog Hamburgueria, Rouglan Uliana, de 35 anos.
Alternativas para os carros de aplicativo
Para oferecer soluções a esse problema e conseguir ganhar uma renda extra, alguns florenses tem prestado serviço de motorista, mas as solicitações ocorrem por meio do WhatsApp e não por uma plataforma específica (como Uber e 99).
Conforme o estofador e motorista Adelar da Silva, de 47 anos, isso acontece porque os aplicativos de transporte precisam de uma quantidade mínima de habitantes para serem implantados na cidade: “O Uber, por exemplo, para ele funcionar tem que ter 270 mil habitantes. O que a gente está fazendo são corridas por fora, mas via WhatsApp, porque se ligarmos o aplicativo ele vai dar a demanda em Caxias do Sul, e lá já tem 8 mil motoristas cadastrados. Eu não tenho interesse em trabalhar lá, então atendo via WhatsApp”, revela da Silva, acrescentando que entre uma corrida e outra ajuda seu filho na estofaria, localizada no Parque dos Pinheiros.
O estofador, que começou a trabalhar com transporte há mais de quatro anos e enxergava como uma fonte de renda extra, viu a demanda aumentar e até sua irmã, Adriana Tomaz, seguiu seus passos e se dedica a tal atividade. “O turista procura muito o serviço. Tem fins de semana que me ligam do Nordeste, dizendo que o hotel indicou e querem confirmar se eu faço esse serviço, porque querem passar o fim de semana passeando. Nesses casos, a gente busca no aeroporto e sugere um roteiro que se encaixe melhor com os lugares que querem visitar”, conta da Silva, acrescentando que os destinos mais procurados pelos visitantes são as vinícolas.
O motorista também destaca que o serviço tem bastante procura, prova disso é que no dia em que realizamos a entrevista, (terça-feira, dia 10) no período das 11h20min até às 14h30min ele fez oito corridas e teve mais quatro solicitações que não conseguiu atender. Por dia são, certamente, mais de 10 corridas, mas, é claro, varia conforme a distância, afinal ele já levou passageiros para outras cidades, como Passo Fundo e Caxias do Sul.
Questionado sobre a importância de pessoas que prestem esse serviço na cidade, ele conclui: “Acredito que tudo que venha para somar ao serviço é positivo”.
Soma esta que vem ganhando novos resultados com o avanço desse modelo de transporte no município, afinal, pouco a pouco vão surgindo novos motoristas e passageiros. Como é o caso da empreendedora e estudante de Biomedicina, Juliana Macedo Freitas, que há pouco mais de um ano decidiu apostar nas corridas de Uber para obter uma renda extra ao seu trabalho como vendedora de produtos de limpeza, joias e consultora da Mary Kay, Boticário, Eudora e Natura. De acordo com a florense, a forma que os passageiros costumam chamar é pelo WhatsApp ou pelo aplicativo da Uber (que está registrado em Caxias do Sul pelo fato de Flores da Cunha não ter a quantidade mínima de habitantes). “A procura é maior por via direta, pois as pessoas entendem que sabem quem realmente estão chamando”, destaca, acrescentando que o cálculo do valor costuma ser feito pelo aplicativo e as formas de pagamento que aceita são dinheiro e Pix.
Conforme Juliana, para realizar o trabalho de motorista de aplicativo é necessário ter o cadastro e atender algumas exigências estabelecidas. A flexibilidade de horários também deve ser levada em consideração, afinal, corridas na madrugada e aos finais de semana também são comuns nesse segmento, desde que marcadas com antecedência: “O público feminino se sente melhor e mais seguro sendo atendido por mulheres”, ressalta.
O lado dos taxistas
A redação do Jornal O Florense percorreu os três pontos de táxi na área central do município na tarde da terça-feira, dia 10, quando estava chovendo, e não encontrou veículos em nenhum deles. O mesmo aconteceu na noite da quarta-feira, dia 11, por volta das 22h. Para entender melhor esse cenário e abordar as alternativas de transporte na cidade, conversamos com alguns taxistas na manhã da quinta-feira, dia 12, que nos relataram se sentirem prejudicados com a crescente de transportes agendados via WhatsApp.
“A gente até levaria numa boa se todos estivessem regularizados. Já falamos para a prefeitura e eles disseram que iam tomar uma atitude, pois eles nos cobram para ficar até mais tarde nos pontos, para colaborar”, enfatiza Gilmar Luiz Bertin, de 57 anos, aos mesmo tempo em que defende que o diferencial do táxi é ter tudo regularizado, enquanto os aplicativos apenas colocam um carro, sem investir.
Taxista há quase 12 anos, Bertin diz que consegue fazer cerca de 30 corridas por dia, afinal, os lugares são próximos e os trajetos se tornam mais rápidos, mas esse número varia bastante. O motorista permanece no ponto de táxi das 7h às 21h e revela que sempre tem corridas para fazer: “Quando chove tem muita procura e à noite se deve agendar, porque se estamos no ponto às 22h não aparece ninguém, então ficamos em casa e se alguém quer, liga (quem pega táxi direto tem o número dos taxistas salvos e também temos os contatos anotados nos pontos). A gente não pode ficar esperando as pessoas virem aqui”, destaca, acrescentando que aqueles que nunca usam táxi reclamam do fato de não ter ninguém nos pontos, mas que, justamente isso, significa que estão trabalhando.
Muitas vezes, mesmo sem estar no ponto, ele recebe ligações e atende os passageiros. Regra que também vale para agendamentos, corridas à noite e para o interior.
Questionado sobre o número de táxis e carros de aplicativo em Flores da Cunha, para atender aos turistas, o motorista ressalta: “Pelo turismo eu acho que tem táxi até demais, os turistas pegam pouco táxi, mais nos finais de semana ou quando tem algum casamento que vem o pessoal de fora e se hospeda em um hotel. Durante a semana o turismo nem existe aqui em Flores da Cunha, a cidade está muito atrasada para o turismo”, avalia, acrescentando que o fato de diversos estabelecimentos, como mercados, não estarem abertos ao meio dia, também acaba prejudicando o turista.
Mesmo ponto de vista do motorista Jaudir Antonio Besutti, de 62 anos, que é taxista há quase quatro: “Quando chega um turista aqui ele pergunta onde é a rodoviária. E tu vai mandar eles onde? E também onde estão os pontos turísticos aqui da cidade? Não tem nada”, pontua, acrescentando que às vezes aparece um ou outro turista, mas bem pouco, já que acredita que a maioria venha para cá de carro.
O aposentado, que também já trabalhou como motorista de caminhão, defende que presta o serviço por passatempo e não pelo dinheiro: “Fico no ponto das 6h40min até umas 19h, fora desse horário a gente deixa o telefone para eles ligarem e agendarem”, explica.
A respeito dos motoristas que prestam serviço por meio do WhatsApp, ele condena: “Não existe população suficiente para cadastrar o Uber em Flores da Cunha. Por isso tem que ser colocada uma fiscalização e exigir a documentação para poder transportar passageiros. Se você embarcar no meu táxi, assim que embarcar já tem seguro de vida, por isso a corrida do táxi é um pouco mais cara, porque tem toda a segurança. Inclusive nós temos que fazer um curso para trabalhar como taxistas. É obrigatório”.
O que diz a administração
De acordo com informações disponibilizadas pelo secretário de Segurança Pública, Transporte e Mobilidade, Alexandre Brite da Silva, atualmente são 16 prefixos de taxistas no município e, nesse ano, será aberto o processo de licitação que visa preencher os prefixos “vagos” e, com isso, ampliar o serviço aos munícipes e turistas.
A administração municipal também enxerga com bons olhos o crescente desenvolvimento do turismo e a chegada de novos visitantes à Terra do Galo. Conforme o secretário de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação, Tiago Centenaro Mignoni, as iniciativas dos empreendimentos turísticos e da administração municipal, nos últimos dois anos, colocaram a cidade em um processo de crescimento. “Estamos desenvolvendo Flores da Cunha para obter destaque nacional no turismo da Serra Gaúcha e isso se está fazendo pela valorização das nossas forças, posicionando o município no mapa enoturístico, impulsionando as iniciativas de entidades e empresários, ativando o Conselho Municipal do Turismo, fortalecendo a rede de cooperação e/ou colaboração dos roteiros, rotas turísticas e seus empreendimentos, destacando o turismo de experiência com base nos potenciais já existentes”, relaciona, complementando que a cadeia produtiva do turismo vai se estruturar conforme o dinamismo do mercado.
Mignoni vê no aumento do número de turistas uma oportunidade para incrementar os serviços de transporte oferecidos no município e, sobretudo, para seguir desenvolvendo Flores da Cunha. “A formalização dos negócios gera ganhos para os empreendimentos. Ao trabalhar em conformidade com a legislação, o empreendedor tem mais segurança para os investimentos feitos em sua empreitada. Em Flores da Cunha, os empreendedores podem contar com a Sala do Empreendedor para ter apoio na regularização dos negócios, acesso a incentivos e consultorias para se desenvolver”, enfatiza o secretário da pasta, ao mesmo tempo em que esclarece que a administração municipal sempre preza pela atuação profissional dentro da legalidade.
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