Conexão com o passado
Alunos da escola Interativa enviam carta para sobreviventes da Segunda Guerra, que dão lições de como encarar tempos adversos
“Nos livros de História, seremos a memória dos dias que virão”, afirma o músico Humberto Gessinger na canção Exército de Um Homem Só I. Cientes de que estarão nas páginas do futuro como personagens de uma pandemia global, os alunos do 9º ano da Escola Interativa decidiram se conectar com heróis de um tempo passado, porém não menos difícil: a Segunda Guerra Mundial. Como motivação, uma pergunta: “Como manter a esperança por dias melhores?”.
A dúvida era a frase final de uma carta enviada pelos alunos para quatro sobreviventes da Grande Guerra. A iniciativa fez parte do tradicional projeto Interativa em Cena, que em 2021 teve como tema “Nasce um Novo Tempo, Cartas Durante a Pandemia”.
Como bons filhos de uma época em que as pessoas trocavam correspondências, os quatro sobreviventes responderam à carta dos estudantes. O passo a passo desse diálogo entre gerações separadas pelo tempo e unidades pela dificuldade, você acompanha nas próximas linhas que, assim como os livros de História, conectam o passado e o presente.
As dúvidas
“Estávamos naquele impasse: para quem escrevemos a carta? Quem será nosso leitor?”, conta a professora de História, Taísa Verdi, uma das responsáveis pelo projeto. O texto foi feito a partir do depoimento dos 15 alunos da turma, que descreveram as suas angústias sobre os tempos da pandemia. “Então, pensamos: por que não encaminhar para pessoas que, guardadas as proporções, também viveram um período conturbado?”, diz Taísa.
Na época, a turma estava estudando exatamente a 2ª Guerra Mundial, o que fez nascer a ideia de contatar os sobreviventes, prontamente aceita pelos alunos. “A profe Taísa já tinha falado deles nas aulas. Nós gostamos muito da ideia e ficamos curiosos com o que eles poderiam trazer para a escola”, conta a estudante Júlia Zamboni Andrighetti, 14 anos.
Já a colega Yassmin Caon Rancan, 15, explica que o intuito do texto foi encontrar os paralelos entre os dois acontecimentos históricos. “Nós tentamos trazer nessa carta esses momentos de angústia, de não poder encontrar os amigos. Mas também um tempo em que a gente pôde valorizar mais coisas que estávamos deixando de lado”, diz Yassmin.
A turma produziu um vídeo sobre como é viver no período atual, em que “o medo e a incerteza viraram a pauta do dia”. Diante disso, “na impossibilidade de se abrir e sair para o mundo”, os jovens, todos de máscara, retrataram uma experiência de autoconhecimento, na qual “se abriram para dentro de si mesmos”. Assim, “aprenderam lições que os fortaleceram”, enxergando “como luz no fim do túnel as duas doses da vacina”.
Segundo o professor de Língua Inglesa, Carlos Eduardo Heberle, que também auxiliou a turma, o intuito foi justamente encontrar esperança, simbolizada na troca da imagem em preto e branco pela colorida e a retirada das máscaras do rosto. “Foi um link muito legal com os sobreviventes da Segunda Guerra Mundial, porque foram períodos em que todos estavam aprisionados por algum motivo. O objetivo foi mostrar o sentimento deles com esse ponto de esperança”, diz.
As lições
Esses ensinamentos aprendidos com a pandemia, com o projeto e, acima de tudo, com os sobreviventes, vão marcar para a sempre a vida dos estudantes. “O retorno que eles nos deram foi sensacional, ficamos muito emocionados. Tudo vai ser diferente, vamos olhar para o mundo de uma outra forma. Nós vamos prezar as pequenas coisas e construir um futuro com mais empatia”, projeta a aluna Júlia.
Do mesmo modo, Yassmin acredita que a experiência trouxe lições que contribuirão para dias melhores. “O retorno deles foi impressionante, porque senhores de 90 anos usaram a mesma ferramenta que a gente usava para as nossas aulas online. Eles nos deram muita esperança de que esse momento vai passar, mas que nós precisamos encará-lo com a cabeça erguida, pensando nos outros. Um dia, isso vai se tornar passado. No futuro, tudo vai melhorar”, afirma.
Para os professores, o projeto também foi um período de aprendizagem. “Foi um desafio decidir que caminhos tomar com os alunos, porque está todo mundo cansado de falar de pandemia, é muita coisa negativa. No fim, conseguimos transformar esse trabalho em algo produtivo, uma lição para eles. Mas foi um desafio enorme”, comenta Heberle.
A reinvenção, palavra tão repetida durante a pandemia, foi a principal lição da edição 2021 do Interativa em Cena, segundo Taísa. “O projeto se reinventou, não foi no palco que a gente amava. Mas feliz de quem se permite a transformação. É o grande desafio para este ano e para os próximos”, encerra a professora.
Os alunos do 4º da Escola escolheram o Jornal O Florense para mandar sua carta. A resposta você confere no vídeo produzido pelos estudantes, que pode ser encontrado no Youtube da instituição.
As respostas
A carta chegou aos sobreviventes por e-mail, intermediada pelas professoras Ieda Gutfreind e Liana Richter, do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, de Porto Alegre. A resposta foi transmitida através de uma live, reunindo quatro pessoas que estavam na Europa durante a 2ª Guerra e sofreram na pele a perseguição nazista. “Desde o primeiro contato, eles se mostraram muito felizes de receber uma mensagem de uma turma de 14 anos os procurando para ouvir suas experiências”, conta a professora Taísa.
Na videoconferência, estiveram presentes Bernard Kats (judeu holandês escondido por famílias holandesas), Johannes Melis (católico, cujos pais abrigaram famílias judias e pilotos de guerra), Mirko Eppinger (natural da antiga Iugoslávia, teve de sair da Europa em 1939, com os pais, quando tinha apenas três meses de idade) e Jaqueline Spumberg (francesa, passou a Segunda Guerra em Paris com a mãe, já que o pai teve que fugir, procurado pela Gestapo).
A conversa foi cheia de ensinamentos, como não podia deixar de ser. “Durante décadas, o meu esforço foi esquecer o período em que meu pai foi arrancado de casa, que não vi a minha mãe. Esquecido o passado, minha vida era cuidar do dia de hoje e esperar o dia de amanhã. A partir de amanhã, tudo seria melhor. Esse é o espírito com que trabalhei o resto da minha vida. E sempre me mantive ocupado com as minhas mãos e a minha cabeça, minha saúde mental e física dependia disso. Trabalhar 20h por dia mantém afastado o psicanalista”, comentou Kats.
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