Geral

Comunidades e Bairros: Unidos pelo ensino

Ambos de São João, Valentin e Ana Coloda lembram do tempo em que foram colegas como estudantes e professores

Um casal de professores, ambos da comunidade São João Batista. Ana Dal Bó Coloda viveu quatro décadas e meia de dedicadas à educação em diversas escolas do município, enquanto o marido, Valentin Antônio Coloda, passou menos tempo: cerca de sete anos. Um período não tão longo, mas o suficiente para acumular algumas boas histórias.
Quem viu Valentin como aluno jamais poderia dizer que ele voltaria às salas de aula como educador: era um dos meninos mais levados da classe e terror dos professores. “Na escola, uma vez por semana tinha o catecismo. A primeira pergunta era: “para que vivemos na Terra”? E a resposta era “para conhecer, amar Jesus Cristo e gozar sempre, eternamente com Ele”. Eu tinha um colega chamado José Pradella, nós brincávamos juntos. Um dia a professora fez a pergunta: “para que vivemos na Terra?”, e eu respondi: “Para conhecer José Pradella””, conta Valentin.
Diante da brincadeira, a professora pegou uma régua grossa, a mesma que usava para criar linhas no quadro, e mandou Valentin colocar as mãos em cima do banco. “Quando ela fez o movimento para bater, eu tirei as mãos. Daí ela pegou e veio com a régua na cabeça. Ficou doendo uns dois dias, mais ou menos. Depois, nunca mais errei aquela resposta”, brinca Valentin, aos risos.
Em seus tempos de estudante, a escola era “de madeira, bem simples, tinha frestas entre as tábuas. No inverno, era uma calamidade”. A escolinha, cujo registro dos primeiros alunos data de 1939, teve seu prédio destruído para a construção da atual escola. Centralizada no ano de 1992, a escola municipal Tiradentes atende atualmente alunos de todas as séries do Ensino Fundamental. Na inauguração, foi homenageada a professora Ema Zim, que lecionou na escolinha São João durante 15 anos.
Aluno de Ema, sua tia, Valentin lembra que a professora morava próximo à escola e levava caquis de sua casa para os alunos terem o que comer. Já ele morava longe: caminhava cerca de 3km todas as manhãs para estudar. “Nós íamos de tamanco porque o chinelo era caro e o tamanco era de madeira, grosso, então dava menos humidade nos pés nas geadas”, conta.
Cadernos, só os mais ricos tinham. Valentin anotava nas sacolas de papel onde se embrulhavam as compras da casa de comércio. Com o ferro, sua mãe passava os pedaços de papel e os costurava com agulha. As linhas nas folhas eram feitas com pedaços de madeira, mais estreitas para poupar o papel e aproveitá-lo durante mais tempo.
“Quanto ao respeito, os professores da época tinham muito, muito respeito. Não se fazia nada nas comunidades sem consultar o professor. Lá em Santa Bárbara, fizeram uma igreja pequenininha de madeira e pediram para eu fazer o letreiro da frente. Desde o programa da festa, em tudo o professor era o primeiro a ser convidado”, comenta Ana, que foi colega de seu marido nas séries iniciais.
E não foi só na época de estudantes que eles passaram por perrengues. “Uma das coisas que eu lembro quando chovia aqui na Lagoa Bela, eu tinha que ir de bota. Se chovesse muito, o rio aqui debaixo do Bolsan transbordava e água ficava muito alta. Não dava para passar nem de bota, então a gente vinha para casa”, revela a professora. 
E as dificuldades vinham de antes: quando fez faculdade, Ana já tinha os dois filhos: a filha mais velha, de cinco, e o mais novo, de dois anos e meio. “Foi muito difícil, mas consegui fazer. Fiz o que deu de noite, o resto fazia de vespertino”, conta a professora. 
Já o marido, quando teve a oportunidade de fazer faculdade, não deu segmento aos estudos: “Eu ia para São João, lecionava de manhã. De tarde, dava aulas na Estrada Velha dos Pinheirinhos e de noite lecionava no Mobral, dormia nos meus irmãos. Quando viemos para Flores, dei aula no Targa, ia de ônibus para São João. Depois comecei a trabalhar na fábrica de móveis Rosetto. Resolvi abandonar porque não gostava de estudar”, diz Valentin. 
Mas como um homem que não gostava de estudar virou professor? Ele explica: “Eu estava fazendo seminário lá em Fazenda Souza. Eu vim para casa e o prefeito, Raymundo Paviani, estava precisando de alguém para lecionar lá em São João. Só tinha a Ana de professora lá. Eu não fiz curso, concurso, nada. Nunca tinha lecionado e comecei a dar aula para a gurizada”. 
Isso, no entanto, nunca o impediu de ser um professor querido pelos alunos, que também enfrentava perigos para poder estar em sala de aula. Quando dava aulas à noite no Mobral, em São João, ia armado. O motivo? Um eucalipto onde as pessoas costumavam ver assombrações: um homem a cavalo, às vezes junto com fogo. “Uma noite estava indo para casa depois de lecionar e ouvi um barulho nos eucaliptos. Dei um tiro e não ouvi mais nada”, conta.
No local, era comum aparecerem velas acessas. Espiritistas e pesquisadores tentaram investigar a origem das aparições, mas nada encontraram. Hoje, uma estrada de asfalto corta o caminho, que já provocou muitos sustos em quem passava por lá. “Uma noite, estava com um amigo passando nos eucaliptos quando um cachorrão preto apareceu. O meu amigo se atirou na valeta”, recorda Valentin, bem-humorado.
A história é apenas uma das muitas que o casal viveu em São João, a maioria delas proporcionada pela vida professoral. “Na família da minha mãe, tinha muita influência de estudar. Ela falava que eu tinha que ser professora porque trabalhava meio dia e meio dia cuidava da família e da casa. Ela fez de tudo para que eu estudasse, mas eu não queria. Agradeço até hoje”, encerra Ana. 

 

A professora Ema Zim, que lecionou 15 anos na escolinha de São João foi homenageada em 1992. 

 

 

 

Ex-alunos de Ema Zim: Jaime Coloda, Aldemiro Mascarello, Valentin Coloda, Ana Dal Bó e Luiz M. Mascarello. 

Ana e Valentin Coloda. - Gabriela Fiorio
Compartilhe esta notícia:

Outras Notícias:

0 Comentários

Deixe o Seu Comentário