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Compactação do solo: problema na viticultura que exige soluções

Intensificação no uso de máquinas aponta para situação que já causou reocupação a culturas como o milho e a soja

Compactação do solo: o aumento de sua densidade, em função da ação humana, principalmente pelo uso excessivo de máquinas agrícolas (no caso da viticultura, sobretudo tratores, além de ‘bugues’ pulverizadores e carretos para a efetivação de tratos culturais e operações em geral). Seu resultado: um ciclo vicioso. Uma cadeia que potencialmente eleva os custos de produção – pela maior necessidade de adubação, já que as plantas, por conta do adensamento do solo, conforme indicam experimentos, têm comprometida sua capacidade de absorver nutrientes – e redunda em danos ao meio ambiente e ao homem. A proliferação do mosquito borrachudo, por exemplo, tem como uma de suas causas a eutroficação das águas pelo excesso de fósforo.

Em culturas anuais, como o milho e a soja, aponta um dos principais conhecedores em solos no Brasil, o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho George Wellington Melo, um dos efeitos da compactação – a diminuição de produtividade – é bastante claro. Já na década de 1980, nota ele, o tema interessava: na época, observou-se que camadas do solo mais superficiais sofriam erosão facilmente, enquanto se dava uma compactação nas camadas mais profundas, prejudicando o ciclo das plantas. Identificou-se, como consequência do fenômeno, o uso excessivo de grade e de arado.
A solução para o problema, segue Wellington Melo, foi encontrada a partir do desenvolvimento do sistema de plantio direto, manejo em que a palha e os restos vegetais são deixados na superfície do solo – que passa a ter ampliada a taxa de infiltração de água –, o qual é revolvido apenas no sulco onde são depositadas sementes e fertilizantes. No plantio direto, o preparo do solo é mínimo, mobilizando apenas o sulco de plantio, sendo considerados fundamentais para o sucesso do sistema a rotação de culturas e o manejo integrado de pragas, doenças e plantas invasoras.

Um parêntese: a compactação no meio rural pode ser comparada a o que acontece em áreas urbanas, nas quais, com a continuamente crescente pavimentação asfáltica, a água acaba sendo cada vez menos absorvida pelo solo – resultando, em cidades de maior porte, nos alagamentos a que volta e meia se assiste na televisão.

Em tal sentido, nas áreas agrícolas, o que acontece é o aumento da erosão, causando a perda da parte mais rica do solo. Depois, vem a contaminação dos recursos hídricos – posto que o solo pode carregar consigo resíduos de pesticidas. Seguindo o ciclo (que se chama de ‘eutroficação’): a água também terá incrementada sua quantidade de nutrientes (restos de adubos), gerando crescimento de algas e proliferação de pragas, como o borrachudo.

Possibilidades para fazer frente ao obstáculo

A diminuição no uso de máquinas agrícolas é, evidentemente, um dos meios para tentar frear a compactação dos solos. Só que a solução não é tão simples assim... Há que se considerar que “a agricultura familiar necessitará mecanizar mais operações para se viabilizar no futuro, dada a sempre menor disponibilidade de mão-de-obra no meio rural, promovendo cada vez mais o trânsito de trator nos vinhedos”, observa o engenheiro agrônomo Jocemar Dalcorno. “Isso implicará em mudanças nos sistemas produtivos e necessidade de mudança de foco das pesquisas”, continua ele, que nota, ainda, que em anos de safra chuvosa – como a mais recente – há uma intensificação da erosão das camadas mais superficiais de solo.

O que fazer, então, para que o manejo na viticultura se enquadre no conceito de sustentabilidade?
No momento, a principal alternativa é intensificar o uso de cobertura do solo, além de diminuir o número de passadas com máquinas; quando estas forem utilizadas, o solo deve estar com umidade adequada. “A cobertura verde ajuda a manter índices menores de densidade, como consequência da ação das raízes”, pontua Wellington Melo. O nabo forrageiro – principalmente –, a aveia branca, a aveia preta, o centeio, o azevém e até mesmo a vegetação nativa são algumas das indicações de Dalcorno em tal sentido.

“O agricultor, em geral, limpa o terreno dizendo que isso é para diminuir a concorrência entre a videira e a cobertura, mas esse raciocínio é incorreto: há diversas opções de cobertura, que, definitivamente, sempre contribuem para com a cultura”, anota o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho. Além disso, segue ele, a limpeza, muitas vezes, é feita no local errado: nas entrelinhas, quando a recomendação é pela efetivação nas linhas.

De qualquer forma: o que há, hoje, a respeito do complexo processo de compactação do solo, é a constatação de que o que já é um problema poderá vir a ser um empecilho para a sustentabilidade da produção de uva. Ainda para o momento, uma das atitudes que cabe ao produtor é colocar de vez na cabeça que a cobertura verde é coisa a se adotar obrigatoriamente: não há margem para argumentações equivocadas. O futuro fica nas mãos das instituições de pesquisa, de ensino, órgãos de assistência técnica e extensão rural e de todos os técnicos, empresas e entidades envolvidos com a viticultura: é urgente gerar soluções efetivas. Afinal, toda uma cadeia produtiva precisa disso.

Até o momento, pouca pesquisa a respeito

Apesar da gravidade do problema representado pela compactação de solos, há, em princípio, poucos estudos mais aprofundados sobre o efeito dela em relação à viticultura na principal zona produtora do país, a Serra Gaúcha, e quão intensamente se dá o processo. O apontamento é do engenheiro agrônomo Jocemar Dalcorno, gerente de portfolio da Cooperativa Central Nova Aliança (Coocenal).
Uma dessas escassas análises de que se tem notícia foi conduzida pelo próprio pesquisador George Wellington Melo. O teste, concluído em 2008, tratou do comportamento de dois porta-enxertos de videira em solos de diferentes densidades. Os porta-enxertos eram o Paulsen 1103, com maior aptidão para romper a compactação, por ser mais vigoroso, e o 101-14, menos robusto.

O experimento demonstrou, em relação ao 101-14: com o gradual aumento da densidade, amplia-se a produção de massa seca (relativa à capacidade de desenvolvimento do vegetal) até certo ponto; depois, ela cai drasticamente. Quanto ao Paulsen 1103, não aconteceu o mesmo: o nível de produção de massa seca manteve-se constante, embora as diferentes densidades de solo. Isso significa, portanto, que o 101-14 sofre mais com a compactação, o que justifica a recomendação de adubação quando do uso de tal porta-enxerto. Gráfico com os resultados da experiência pode ser conferido abaixo .

De outra parte, nota Wellington Melo, em julho, na área da sede da Embrapa Uva e Vinho, em Bento Gonçalves, iniciou-se projeto, proposto por ele, com o objetivo de mensurar o efeito da compactação do solo sobre a absorção de nutrientes em relação ao cultivo de pêssego chimarrita. A hipótese a ser verificada é a de que o aumento de densidade pode fazer com que a planta não absorva nutrientes na quantidade necessária para ela expressar seu potencial produtivo. Assim, com o trabalho, se quer saber o que acontece em termos de recomendação de adubação: se se usa mais ou menos tal recurso para enfrentar a compactação. Se a conjetura inicial for confirmada, isso significará que fazer frente ao processo de compactação do solo passa pela elevação do custo de produção – por conta da necessidade de maiores gastos com a aquisição de adubo –, assinala o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho.

O pêssego chimarrita foi escolhido para o estudo, cuja previsão de duração é de três anos, pelo fato de se inserir em edital de projeto de pesquisa da Embrapa. Outro aspecto considerado foram os próprios resultados do teste feito com os dois porta-enxertos de videira. Ainda no contexto, Wellington Melo já fez levantamentos que confirmaram o aumento de densidade do solo em função do maior tráfego de máquinas, tanto no caso do cultivo de pêssego como na viticultura.

Para compreender o gráfico:
O solo com densidade de 0,85 miligrama (Mg) por milímetro cúbico (m-3) – medida que equivale a kg por metro cúbico – é bastante ‘fofo’; o com 1,09, normal; o com 1,33, bastante compactado.

Quem já está fazendo a coisa certa
Rafael Mascarello, 46 anos, proprietário de 6,6 hectares de vinhedos, em Sete de Setembro, interior de Flores da Cunha, é um caso de produtor que assimilou, de fato, a necessidade de utilizar cobertura verde. Ele conta fazer uso sistemático de tal operação desde 2003, ampliando a cada ano a área de parreiras em que aplica o recurso – de forma que, atualmente, 90% de seus vinhedos têm cobertura (aveia preta, no momento), diz. Evitar a erosão, posto que o terreno apresente declividade média, em quase toda sua extensão, foi o motivo pelo qual adotou a técnica. Só que, inicialmente, houve resistência... “Erva tem que eliminar, não plantar”, dizia, segundo o viticultor, seu pai, Luiz Mascarello Sobrinho, hoje com 72 anos. Vendo os resultados – sobretudo o fato de não mais se encontrar terra nua, ‘lavada’ –, a aversão do patriarca acabou se revertendo, afirma Rafael Mascarello. No mesmo sentido, na safra 2009, assinala, praticamente não se usou herbicida no cultivo da uva, proporcionando “mais saúde para a família e para a parreira também”. A propósito, o trabalho nos parreirais de Mascarello, segundo o próprio, é feito quase que exclusivamente com mão-de-obra familiar – só na colheita é que são contratados safristas. O viticultor observa, ainda, que já recebeu orientação técnica no sentido de, gradualmente, diminuir a área com aveia preta, mas, ao mesmo tempo, começar a usar nabo forrageiro, por sua reconhecida capacidade de ‘quebrar’ as camadas compactadas do solo.

Mascarello, em meio a seus vinhedos, cobertos de aveia preta.


 

Tráfego excessivo de máquinas agrícolas é a causa principal da compactação do solo. - Giovani Capra
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