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Colono e Motorista: Da televisão para a vida real

Há 18 anos o agricultor Sidinei Simionato apostou no cultivo de mirtilo, e hoje vê a demanda da fruta aumentar de 10 a 15%

Parece até um enredo de novela, ou filme, mas faz parte da história de vida do agricultor Sidinei Simionato, de 37 anos. Hoje ele produz mirtilo em sua propriedade, junto ao Travessão Bonito, em Nova Pádua. Mas, o mais curioso é como surgiu o interesse pelo cultivo desse produto, que começou a ser semeado em seus planos depois que ele assistiu a uma reportagem sobre o assunto, exibida em 2004 no programa Globo Repórter, e a partir daí despertou sua curiosidade sobre o fruto que, na época, era visto como uma cultura internacional, ainda pouco cultivado no Brasil, sendo chamado de blueberry (tradução literal de bagas azuis).
“O pioneiro foi o Nestor Soga, de Forqueta, em Caxias do Sul. Quando vi a reportagem fiquei curioso e, por ser perto, nós fomos até lá visitar a propriedade dele e acabamos plantando também. Foi um caminho meio árduo, porque no início vinha a proposta de uma fruta promissora, de grande rentabilidade – na época se falava em R$ 40 a R$ 50 ao quilo – só que nós plantamos e após uns três anos, mais ou menos, começamos a ter uma produção praticamente boa, mas aí não tinha comércio, porque ninguém conhecia, não girava no mercado, então foi bem complicado”, explica Simionato, que iniciou com a ajuda do pai, Lino, e hoje cuida da produção ao lado dele e da mãe, Geni. 
Dificuldades que, naquele período, estimularam Soga a fomentar uma associação para auxiliar os produtores de mirtilo, que também puderam contar com o apoio de outra entidade: “Parece que foi do chão aos céus em um ano, porque o Sebrae nos ajudou e, no mesmo ano, em dois, três meses, um representante da associação foi em uma feira na Alemanha, se encontrou com uma compradora da Inglaterra, e nós vendemos para lá, teve uma aceitação boa. Mas, como não sobrou dinheiro, a associação acabou se dissipando e cada um seguiu o seu caminho”, lembra o agricultor, que acrescenta que, em um ano, perdeu a produção e desistiu do cultivo, mas, um tempo depois, Soga o procurou e demonstrou interesse na compra de seus produtos, fazendo-o voltar atrás. 
“A partir dali – em meados de 2014 – começou a dar bom, em vista que ele comprava toda a minha produção. Eu também fui procurando outros compradores, o produto começou a se tornar mais conhecido, a demanda foi aumentando, e as coisas ficaram melhores”, evidencia o paduense que, em 2004, cultivava meio hectare e, hoje, conta com 1,5 hectare do fruto, triplicando a área de plantio, além de produzir 5 hectares de uva, tomates em estufas e nozes – que vende descascadas para conseguir agregar valor.
“Da época até hoje o preço não subiu tanto, só que eu consegui aumentar a minha área plantada, aí consegui aumentar também a minha renda, e o mirtilo me ajudou bastante na minha propriedade”, comemora Simionato, que ainda vende a maior parte de sua produção para Soga, além de comercializar para uma agroindústria florense, para algumas pessoas que retiram em sua residência, e uma minoria – embalada e que demanda mais mão de obra – é destinada ao Ceasa. 
Dentre as vantagens desta cultura, segundo o agricultor, está o baixo custo de produção no decorrer do ciclo – insumos, tratamentos, adubação, mão de obra. “Agora podo e esqueço da planta, eu passo um pesticida, um herbicida, e depois até dezembro praticamente eu não vou mais na lavoura, elas se viram, não precisa tratar, só alguma adubação de correção de solo, e tem que ser uma terra com PH baixo”, elenca o produtor, que também vende as folhas para a produção de chás, em Santa Catarina. 
Conforme Simionato, na última safra foram colhidos 4.800 kg de mirtilo, mas a expectativa para os próximos três anos, com a nova área de produção, é de que chegue a 10 toneladas: “A cada ano eu vejo uns 10 a 15% de aumento da demanda”, empolga-se. Evidências de que a fruta está se popularizando e alcançando um público ainda mais abrangente.

O cultivo das ‘bagas azuis’  

Uma planta que pertence à família dos arbustos e no segundo ano de plantio já é possível colher alguns frutos, depois, conforme for crescendo, por volta do quarto ano, atinge o auge de sua produção, com 4 a 5kg por planta, de acordo com a variedade. Essas são algumas características do mirtilo, que vem conquistando cada vez mais adeptos. 
De acordo com o agricultor Sidinei Simionato, se trata de uma cultura que precisa de frio, terra ácida e água para se desenvolver: “O sistema radicular dela é fino, então se não tiver irrigação ela vai produzir, só que a produção cai uns 50%, com certeza. Ela necessita de um solo bem drenado e que tenha bastante pedras, porque ela gosta de água, mas não de excesso de umidade, por isso a água tem que escoar”, informa. 
A época de poda da planta, segundo o produtor, é neste mês de julho, no início da floração. “Em torno do dia 15 seria melhor pela questão da geada. Mas eu começo no início de julho, porque se as gemas abrem bastante, na hora da poda, se derruba muitas flores, e eu tenho que começar meio cedo, porque logo depois vem a uva e, da mesma forma, a colheita. Eu termino a safra do mirtilo e inicio a da uva, dá bem certinho, uma não atrapalha a outra, tanto na poda, quanto na colheita”, explica e acrescenta que a safra inicia na segunda quinzena de novembro e segue até a primeira de janeiro.
“Se colhe uns 20 kg por dia, por pessoa, é uma quantidade pequena, por isso a mão de obra se torna cara. No mesmo cachinho tem 20 frutas, mas só tem 3 grãozinhos maduros, então tem que tirar um por um, selecionar, passar toda a lavoura a cada quatro dias. O que eu colhi hoje, amanhã eu passo na planta e já vai ter outras prontas”, esclarece o agricultor acerca do minucioso trabalho nesta época, ao mesmo tempo em que revela sobre o método utilizado nos Estados Unidos e em países da Europa, que industrializam a colheita, sendo assim, quando o fruto amadurece ele se solta mais facilmente da planta, é chacoalhado por uma máquina e cai no solo. 
Uma facilidade bem diferente da nossa realidade, na qual Simionato precisa contratar alguns safristas para conseguir dar conta da colheita. “Muitas pessoas não conhecem e a logística é complicada. A mão de obra é cara e a cada ano é mais difícil de conseguir. Por isso que se torna mais cômodo, para muitos agricultores, colher e congelar o produto que vai para a indústria. Mas, tendo em vista que os meus compradores embalam os mirtilos e enviam para supermercados, eu tenho que produzir uma fruta com uma qualidade muito boa para vender in natura e é complicado, por isso a maioria vende congelado. Teria bastante demanda in natura, só que o agricultor tem que ter câmara fria, veículo refrigerado para chegar até o mercado e uma fruta boa para ter durabilidade na banca”, elenca o paduense, sobre alguns dos desafios enfrentados na época da safra.
Outro ponto destacado por ele diz respeito às inúmeras variedades de mirtilo que, conforme o produtor, podem ser comparadas com as videiras pelo fato de serem numerosas. Simionato concentra sua produção no cultivo de Climax e Bluegem: “A Climax é uma variedade que todo o ano vai produzir uma quantidade considerável, é uma planta que, indiferente do clima, sempre vai carregar bem, só que ela vem mais tarde. Já a Bluegem começa a maturação mais cedo e é uma opção até mais saborosa, menos aguada, e que vem mais cedo. Eu cultivo uma parte desta por causa da época de colheita, que é cedo, e eu consigo, às vezes, pegar um preço melhor”, relata. 
Em relação às dificuldades enfrentadas pelos agricultores, ele acredita que, no decorrer dos anos, as pessoas passaram a entender o verdadeiro valor da agricultura, mas, alerta que os produtores não podem parar no tempo e precisam investir em inovação e tecnologia constantemente. “Uma coisa que o mirtilo trouxe para mim, por exigir bastante irrigação, foi passar a ver a água como uma coisa necessária para a minha propriedade e, ainda em 2004, comecei a investir em irrigação. Hoje, graças a Deus, com esses dois últimos anos de estiagem, eu já tinha uma boa estrutura com bombas, açudes, poços artesianos, e tenho praticamente toda a propriedade irrigada”, orgulha-se e complementa afirmando que se não fosse o mirtilo não teria essa estrutura e que, hoje, o colono tem que pensar a respeito disso, porque é o que vai garantir a continuidade desse trabalho em um futuro nem tão distante.

Mirtilos entram em fase de floração na propriedade de Sidinei Simionato, em Nova Pádua.  - Karine Bergozza A safra dos mirtilos inicia em novembro e finda em meados de janeiro.  - Karine Bergozza
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