Geral

Cinco décadas de amor ao trabalho e às pessoas

Adelina Craco da Silva, 71 anos, é conhecida por sua trajetória de 50 anos dedicados ao Supermercado Vermelhão

Muito mais que dispor mercadorias em prateleiras, organizar minuciosamente os itens é sinônimo de orgulho para a florense Adelina Craco da Silva, de 71 anos, completados na última segunda-feira, dia 23. Nascida na divisa das comunidades de Santa Líbera e Nossa Senhora de Fátima – Restinga, Adelina é filha biológica de Bortolo Craco e Silvestra Scarmin Craco, sendo a oitava filha em uma família numerosa de 14 irmãos. Por volta de seus 4 anos de idade passou a ser criada por Fernando Demartini e Josefina Biondo Demartini, proprietários do Bar Natal, empreendimento localizado no centro da cidade. 
Desde aquela época, o comércio passou a fazer parte do dia a dia de Adelina que, de uma forma ou outra, sempre ajudou no estabelecimento até completar 17 anos e ele ser vendido. 
Há 49 anos Adelina é casada com Sebaldo Rodrigues da Silva, de 75 anos, que teve forte envolvimento com o Grupo de Escoteiros Alberto Mattioni, de Flores da Cunha. Hoje ele é aposentado, mas sai bastante para ir a colônia, onde gosta de trabalhar, plantar e cuidar do que tem. 
Adelina e Sebaldo tiveram dois filhos, Marcele de 45 anos, que é professora, e Everton, de 48, engenheiro mecânico. Mas, hoje, são os netos que fazem o coração da família bater mais forte, a Isadora, de 10 anos, filha da Marcele; e, o Gabriel e o Lucas, de 17 e 14, respectivamente, que são filhos do Everton. 
Mesmo aposentada, Adelina não abre mão de continuar seu trabalho no Supermercado Vermelhão, e enaltece amar seu ofício e o contato diário com as pessoas, além de sentir-se valorizada, feliz e realizada em trabalhar no local. No mês da pessoa idosa, conheça a história desta apaixonada pelo comércio e pelas pessoas. 

Jornal O Florense: Como surgiu sua relação com o comércio? 
Adelina Craco da Silva: Eu sou filha de criação do Fernando Demartini e da Josefina Biondo Demartini (in memoriam) e eu sempre trabalhei com eles no bar. Eles tinham o Bar Natal, que ficava ali na esquina, onde tem o estacionamento agora, aqui atrás do Posto do Elio, mas foi vendido, era um lugar muito bom. Meus pais de criação foram muito queridos comigo, eu amava eles, me deram uma boa educação. Até hoje sinto falta deles, sempre rezo, mesmo que faça vários anos que eles tenham falecido. 
A minha história é mais ou menos assim, quando a nona Demartini me via no colo da minha mãe biológica, Silvestra Scarmin Craco (in memoriam), ela dizia que eu era muito esperta e que ela queria me criar, ela já tinha criado uma irmã minha. A minha mãe vinha fazer compras, lembro que não tinha asfalto, nada, era rua de chão batido, terra. Na época, a Iolanda Rossetto tinha um mercadinho e a mãe comprava ali, na verdade, ela trazia ovos para vender e pegava algumas coisinhas para comer em casa, não muita coisa, na verdade ela trocava pelos ovos porque não tinha dinheiro e ela tinha um monte de filhos (ao todo 14) e fazia massas para vender. Eu não conhecia eles (os Demartini) de criança, mas acho que era para ser assim a minha vida. 
Os Demartini me criaram e eu trabalhei até os meus 17 anos com eles. Lembro que faziam cada comida boa, e ali no Bar Natal o pessoal da colônia vinha e tomava batida de bolacha ou banana, e comia sanduíche ou pastel. Se vendia bastante sanduíche de mortadela e queijo e o pastel que eles faziam era no capricho, eles tiravam toda a gordura, todo o sebinho da carne.  Lembro que tinha um sorvete bastante procurado também. Depois, quando eles venderam o bar, eu vim trabalhar com o Maximiliano Zamboni (in memoriam), o Máximo, no mercado e, desde então, só fiquei aqui.

OF: Há quanto tempo trabalha no Supermercado Vermelhão? Como surgiu a oportunidade de atuar no local?
Adelina: Há 50 anos mais ou menos, é uma vida, não sei fazer outra coisa. Comecei ainda quando o mercado era em outro lugar, na frente de onde está o Vermelhão hoje, com o Máximo e o Pedro Ângelo, o Angelin (in memoriam). O Angelin nem trabalhava ainda, mas o Máximo queria tanto que ele viesse para cá que ele veio, depois chamou o Paulo, que estava morando no Rio de Janeiro, e ficaram os três irmãos, a batalha da vida deles. Eles eram muito inteligentes. Um tempo depois, compraram um terreno e construíram o mercado onde ele é hoje, eu continuei aqui e ficou tudo igual. O tempo passou e fui ficando, ficando, eles quiseram e eu continuei. Sempre amei trabalhar aqui, está tudo ótimo, amo meu trabalho.

OF: Que tarefas desenvolvia no início? 
Adelina: Lá no início eu ensacava coisas de quilo, porque antigamente se vendia arroz, feijão, tudo em quilo, por peso. A venda de biscoitos era avulsa e todas essas coisas eram soltas. Era como se fosse uma mercearia, há uns 30, 40 anos era tudo assim. Essa também era a forma que o Mascarello e o Soldatelli vendiam, não era como hoje em dia que vendem tudo bonitinho nas prateleiras, ensacado. Era tudo em quilo, e o café era moído na hora. Peguei toda essa época que tinha que ensacar, até a de agora, que está tudo pronto, e digo que hoje em dia está tudo uma maravilha, é só pegar e colocar no cestinho e no carrinho.

OF: E hoje, quais atividades desempenha? 
Adelina: Reponho mercadoria de limpeza, papel higiênico, guardanapo, arrumo as prateleiras, mas estou mais ali nos produtos de limpeza. Sacos da limpeza de chão, panos, toalhas de louças, velas, louças, lâmpadas, organizo e arrumo ali também. É dividido por setores e esse é o que eu sou responsável. Sempre tem o que fazer, graças a Deus, porque assim que é bom, aí tu não para, não fica pensando em besteira.
Antes eu estava em outro setor, mas já faz uns 21 anos que estou trabalhando na limpeza. Quando comecei me atrapalhava bastante, mas hoje em dia ‘os produtos de limpeza caem das prateleiras para eu arrumar’ (brinca), mas no início era difícil, meu Deus.

OF: E quais foram as principais dificuldades enfrentadas no começo? 
Adelina: Vendíamos muitos itens e eu não sabia que tinha que pegar coisas lá atrás, tinha chinelos, botas, era vendido de tudo antigamente. Tinha sapato de criança, um monte de coisas, era bem sortido. Também trabalhávamos com roupas de criança, de adulto e vendíamos muito bem para a época, mas agora ficou mais mercado e menos armazém. 

OF: Atualmente, como é a sua rotina de trabalho? 
Adelina: Tem gente que não sabe onde está a mercadoria aí eu vou lá e mostro para eles, não gosto de dizer ‘está em tal lugar’, prefiro sair do meu serviço e ir mostrar onde está. Penso que, em primeiro lugar, está o freguês. E eu faço as coisas como aprendi com o Máximo, que foi sempre colocando o cliente como prioridade, o freguês em primeiro lugar. Nunca esqueci isso e ele me deu uma lição de vida, foi um aprendizado de um bom professor – ele sofreu muito também, mas soube ensinar a gente, era muito gente boa. Depois a gente vai fazendo o resto, vai abastecendo as prateleiras, vai limpando quando precisa, fazendo isso ou aquilo. Também faço rancho às vezes, tem gente que pede para entregar algumas compras e eu gosto de fazer tudo direitinho, tudo como a pessoa pede.

OF: Quais costumam ser as datas de maior movimento no supermercado? 
Adelina: Ah, é difícil, Natal, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, sempre tem, o fim de ano também é bom. Eu gosto com bastante movimento, acredita?! Até peço para Deus que venha bastante gente só para estar no meio, eu fico bem contente de atender, de ver gente diferente, é uma paixão para mim, gosto muito. 

OF: Qual é o segredo para trabalhar com pessoas por tanto tempo? 
Adelina: Hoje em dia o povo está todo de ‘cabeça aberta’, são todos assim, se não gostam de uma coisa já pegam outra. Mas antigamente não tinha tanta coisa para escolher, tantas opções, e hoje em dia tem, o mercado tem um monte de coisas.  
Tempos atrás era mais difícil, o pessoal não falava muito, eram mais quietos, tímidos, hoje a gurizada está com a ‘cabeça mais aberta’, vejo que todos têm respeito, de forma geral, são queridos. E aqui no trabalho também, todo mundo tem educação. 

OF: Às vezes está trabalhando e os clientes param para conversar com você? 
Adelina: As pessoas sempre pedem como estou, como é que está o dia. Quando estou arrumando as prateleiras muitas param para me cumprimentar, conversar um pouquinho. Tem algumas pessoas que já trabalharam aqui e lembram de mim daí falam mais um pouco. Assim o dia passa rápido e eu me sinto feliz. 

OF: Como é a sua relação com os colegas de trabalho?
Adelina: São todos queridos. Às vezes, me pedem as coisas e vou lá e ensino, gosto de ensinar, ‘eles são tudo gente boa’. Eles também aprendem logo, alguma coisa que não acham no lugar me pedem e eu vou lá e mostro, do contrário,  aprendem sozinhos, não precisa nem ensinar e, ao mesmo tempo, a gente aprende também, eles são jovens, é outra cabeça, tem coisas que eles dizem, às vezes, que a gente aprende coisas novas, diferentes, e assim que é bom. 

OF: É a funcionária mais antiga do mercado? O que isso representa? 
Adelina: Eu sou a funcionária mais antiga, sim, depois vem a Dolores. Me sinto realizada com isso, para mim é como se eu tivesse ganhado na loto (loteria), está tudo ótimo, estou feliz. Sempre gostei de trabalhar com pessoas, com comércio, gosto muito, na minha vida eu não sei fazer outra coisa se não for isso, conversar com o povo, agradá-los, quando precisa eu vou lá e mostro onde está a mercadoria, tem que caminhar, mostrar, aí o povo se sente querido e volta ainda para comprar, senão eles não voltam. Por isso tem que ir lá e ensinar. 

OF: Também trabalha aos sábados e domingos? Em algum momento encarou isso como um problema?
Adelina: Trabalho até o sábado, no domingo não, aí faço minhas coisas em casa. Eu gosto até mais de vir no sábado do que nos outros dias, porque tem bastante movimento. Tem pessoas que não gostam do sábado, mas eu gosto, eu gosto de ver gente diferente, eu conheço tanta gente e eles vem e me cumprimentam, pessoas que saíram daqui e se lembram de mim, e eu fico feliz da vida com isso. Eu digo: “Meu Deus, tu lembrou? Como tu conseguiu? Faz tanto tempo!” e isso, para mim, é como se eu tivesse ganhado na loteria porque tem muitas pessoas que entram e saem daqui do mercado, mas lembrar que anos atrás tu trabalhava aqui é bom, eu fico muito feliz com isso, me sinto realizada, gosto muito. No sábado tem mais movimento, mas aí é melhor ainda: eu vou correndo, pego papel, guardanapo, daí a cabeça não para e o corpo também não. Para mim, trabalhar no sábado nunca foi um problema, pelo contrário, se me mandam ficar em casa eu venho. Tem vezes que é feriado, eu esqueço e venho trabalhar, daí volto, vou embora. Mas gosto de trabalhar, é ótimo. Deus dando saúde para nós está mais do que bom, o que vier é lucro, nem quero tanto dinheiro, quero saúde.

OF: Hoje é aposentada, mas continua trabalhando. Como é isso para você?
Adelina: Sou aposentada faz 20 anos e continuo trabalhando porque gosto, não consigo ficar em casa, ficar parada. Em casa tu não para, tem limpeza, roupa, tem tudo para fazer, e no trabalho tu vê gente, vê as gurias, os fregueses, aqui são todos queridos!
Gosto de sair, de ver gente. Fui acostumada, desde criança, no meio do povo. A pior coisa é ficar em casa, eu acho que morro logo. Por isso, também, quando eles querem me dar férias eu digo que não, só mesmo se tenho que tirar porque não gosto, então disse para me darem de sete em sete dias porque 30 direto é muita coisa, demora bastante, não termina o mês, meu Deus. E se pego esses dias de chuva, ruins, a gente que é velho nem consegue dormir, agora parece que o sono saiu da gente (risos). 

OF: O que te motiva a seguir ativa no mercado de trabalho? 
Adelina: De manhã cedo levanto e já rezo para Deus me ajudar nesse dia, sempre peço a Ele que me ajude, e eu consigo. Durante o dia, vou em frente, às vezes até penso assim ‘consegui hoje, mais um dia’, eu gosto muito Dele. O que digo é que tenho uma vida trabalhada, que eu gosto e que sem ela não sou nada. Tu acredita que amo essa vida?!

OF: Pensa em deixar de trabalhar? 
Adelina: Tem algumas pessoas que me dizem: “tu está aposentada, por que não fica em casa?” Aí eu respondo que não, não quero ficar em casa, não quero deixar de trabalhar, quero continuar. Até que eu conseguir e que Deus me ajudar eu trabalho. Depois, o dia que tiver de ficar em casa, aí eu descanso. Só quando eles não me quiserem mais, aí vou para casa. Por enquanto acho que não,  não vou sair tão cedo, eu gosto. Mas se eles não quiserem e um dia chegarem e me disserem que ‘deu para mim’, aí pego minha trouxinha e vou (risos).

OF: O que a família, filhos, netos, marido, falam do fato de estar com mais de 70 anos e continuar trabalhando?
Adelina: Ah, eles gostam. Os meus netos dizem: “Vó, como tu é forte!”. Perguntam como eu aguento trabalhar todo o dia, aí digo para eles que me sinto feliz com isso. Mas eles ficam mais felizes eles do que eu. Eles amam quando digo que me sinto feliz com meu trabalho.  

OF: Para muitos, você é um exemplo de pessoa comprometida com o trabalho, afinal são 50 anos dedicados ao emprego. Se pudesse dar um conselho para as gerações de hoje, qual seria? 
Adelina: Que as pessoas continuem assim, trabalhando, tendo amor ao trabalho, que façam tudo que gostam de fazer, isso que é importante. É importante estar trabalhando no que gosta e se não gosta e precisa trabalhar tem que continuar e aprender a trabalhar, porque às vezes, quando a gente não tem outro emprego, a gente tem que aprender a trabalhar nesse, se não é acostumado vai aprendendo e isso é o maior aprendizado na vida, afinal, o tempo passa muito rápido e quando a gente vê já estamos no caixão.

Quando está arrumando as prateleiras muitas pessoas param para conversar ou cumprimentar Adelina. - Karine Bergozza
Compartilhe esta notícia:

Outras Notícias:

0 Comentários

Deixe o Seu Comentário