Geral

Bola fora

Renovação é a palavra-chave para garantir o futuro da bocha, dentro e fora das canchas

Para encerrar a série de matérias em homenagem aos idosos, no mês dedicado a eles, o Jornal O Florense vai abordar um esporte que reúne cada vez menos atletas e que vai muito além das competições: mescla tradição e amizade dentro e fora das canchas.
O protagonista dessa história, Moacyr Antônio Pradella, de 86 anos, foi um dos primeiros dirigentes do Conselho Municipal de Desporto, em 1972, ao lado de Dirceu Curra e Orfeu Conz; presidiu a Associação Florense de Esportes; comandou a Associação Riograndense de Bochas Pontobol, e; há mais de 30 anos, é presidente da Liga Florense de Bochas Pontobol. 
O aposentado explica que começou a se interessar pela prática por acaso e que, inicialmente, via apenas como uma forma de entretenimento. “Chegava o sábado e o domingo de tarde, eu ia no salão para ver o que tinha, aí se reunia os de idade para jogar Quatrilho, Bisca, Trissete e outras coisas. Um belo dia eu estava lá olhando a cancha e um cara me pediu para jogar bocha, ele insistiu e eu fui, comecei a treinar, não fazia ainda parte, mas fui gostando e até hoje estamos com isso”, relata Pradella, que até antes da pandemia jogava com frequência para a Sociedade Frei Eugênio, mas, já competiu pelo Aquarius, São Luiz, São Gotardo, Cruzeiro, Santa Juliana e Palmeiras. 
A pandemia também fez com que os jogos tivessem que ser interrompidos e causa preocupação quanto à continuidade. “Nesses dois anos muita gente parou e depois as pessoas vão ficando de idade, tem uns que não conseguem mais jogar, vai falecendo atletas. Em 1970 eram 14 esportistas e sete duplas, sempre tinha que ter uns três ou quatro de reserva e naquilo foram passando os anos e tivemos que baixar para seis duplas. Foi diminuindo porque algumas sociedades não tinham mais atletas e agora, há uns quatro, cinco anos, estamos em cinco duplas, para ver como está diminuindo a bocha”, analisa o dirigente. 
O jogador também comenta que, nos últimos anos, diversas sociedades locais foram desaparecendo, tais como: São Valentim, Duque de Caxias, São Marcos, São Luiz, Aquarius e Bom Conselho. Junto às sociedades, diversos esportistas deixaram de praticar a modalidade e uma renovação se faz mais do que necessária. 
“As pessoas não têm interesse em aprender, porque o jogo de bocha tu vai e passa uma tarde. Então se joga no sábado de tarde e termina às 22h, 23h, porque tem partidas que levam duas horas. Vai só até os 15 pontos, mas tem que olhar o capitão, então demora”, explica Pradella, sobre a dinâmica do jogo, e complementa dizendo que pode ser praticado por pessoas mais jovens, geralmente acima dos 35 anos. 
 “Eu tenho um neto, mas, esses jovens aí, ainda mais nos dias de hoje, não têm paciência de ficar ao redor de uma cancha. Na nossa época tínhamos, não havia tantas outras opções. Já teve momentos em que participavam o pai e o filho, com 16 anos, mas chegava uma idade e paravam, começavam a ter namorada, trabalho, e por isso foi desaparecendo”, pontua o presidente como as principais causas do desinteresse pelo esporte. 
Outro aspecto que causa angústia, para Pradella, é a dificuldade de encontrar alguém que queira assumir a presidência da Liga Florense de Bochas Pontobol, que ele comanda desde 1º de janeiro de 1990. “Quando foi fundada a liga, o primeiro presidente foi o Maurício Pauletti, em 1988, e depois quando venceu os dois anos, em uma reunião lá na Aquarius eu assumi, até os dias de hoje. Vamos para 2022 e eu já experimentei, falava nas reuniões para alguém ocupar a presidência, mas os caras ficam quietos, não falam nada, e depois dizem que como eu conheço, tenho prática e eles não têm queixa nenhuma, que é para eu continuar. Como não gosto de largar isso, eu sempre continuei, fui ficando”, destaca. 
Antes da fundação da liga, as equipes florenses competiam pelo Campeonato Municipal em Caxias do Sul, uma vez que Flores da Cunha contava com poucas canchas. Hoje, em contrapartida, as canchas existem, mas, estão vazias. Este é o caso das seis ou sete sociedades de Farroupilha, das quais resta apenas uma; das poucas de Bento Gonçalves, das duas de Cotiporã e das 10 de Caxias do Sul, que contrastam com as antigas 27. 
Flores da Cunha, que já contou com mais de 14 sociedades, atualmente, luta para manter viva as sete: Cruzeiro, Frei Eugênio, Sete de Setembro, Aparecida, Santa Justina, São Tiago e Santa Juliana de Mato Perso.  
 “Tem que manter essa tradição da bocha, foi o legado dos nossos antepassados que vieram da Itália, como o meu bisavô. Naquela época foram dadas as colônias, as ferramentas, um pouco de comida e eles iam trabalhando e vivendo. A primeira coisa que faziam era construir uma igrejinha para ir lá rezar o terço e no lado um salão, uma bodega, que era o motivo para se reunirem no fim de semana. Era uma maneira de encontrar as pessoas, porque moravam longe e era difícil de se comunicar”, relata Pradella, que faz uma analogia com a música Mérica Mérica, de Angelo Giusti (1848-1929). 
Uma alternativa encontrada pelo presidente para despertar a atenção das pessoas para o tradicional jogo, uma vez que ele não utiliza recursos do departamento de esportes para a bocha, foi ter instituído uma homenagem a falecidos que tiveram destaque no cenário da modalidade. “Desde 2007 homenageamos um falecido da bocha, então a família dá quatro troféus, a gente vai lá, escolhe, todo mundo junto. E agora, que já fazem diversos anos, eu não preciso mais ir à procura, eles que me procuram e, ás vezes, tem até lista de espera para os próximos anos. Já foram homenageadas quase todas as capelas”, empolga-se com a medida adotada que vinha auxiliando na divulgação da modalidade. 
Pradella menciona que, para o próximo ano, a ideia é retomar os campeonatos e releva que, se dependesse apenas de sua vontade, os jogos já teriam recomeçado há muito tempo. “Eu peço para que todas as sociedades treinem porque para o ano que vem acho que a gente vai começar a jogar de novo. Como está melhorando podemos marcar um amistoso nos finais de semana para reunir a turma de novo, porque depois que começarmos eles vão vir”, anima-se. 
A dupla vencedora dos campeonatos de bocha ganha troféus, que ficam na sociedade representada, mas, para Pradella, a maior recompensa é ver a tradição permanecer viva entre as gerações. “Eu estou continuando, mas já estou com 86 anos e digo que eles precisam assumir porque se não vai morrer a tradição, e vai. Eu falo para eles que, ou, renovam – não a curto prazo, mas a longo prazo – ou, a bocha vai desaparecer”, finaliza. 

Moacyr Antônio Pradella comanda a Liga Florense de Bochas Pontobol há mais de 30 anos.  - Karine Bergozza
Compartilhe esta notícia:

Outras Notícias:

0 Comentários

Deixe o Seu Comentário