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Autistas: eles existem e fazem parte da nossa sociedade

Grupo TEAMAR Flores surgiu com o objetivo de amparar famílias e buscar a inserção na comunidade

É difícil encontrar palavras para descrever o que, realmente, os pais e as mães de autistas passam dia a dia. Após uma tarde de conversa, com choros e alegrias, lembranças boas e outras nem tanto, tentarei, nestas páginas, descrever um pouquinho do que senti e do coração gigante que essas mães têm. Elas fazem parte de uma parcela da comunidade desassistida e que buscam, na união entre si, forças para continuar e almejar melhorias, tanto na área educacional, quanto na sociedade. 
Em um mundo onde os estabelecimentos estão se adaptando para receber pets, por outro lado, locais estão totalmente despreparados para atender pessoas autistas. Um público que precisa, além de cuidadoras nas escolas, de profissionais capacitados que saibam, ao menos um pouco, o que é o autismo e como lidar com ele. Pessoas tão especiais que merecem que a sociedade entenda que elas existem e as incluam. 
Mães que são gigantes, que fazem de tudo para seus filhos, que comemoram cada conquista mínima – mas que são enormes no mundo autista. Mães que não merecem ouvir tantas palavras desagradáveis de quem não sabe pelo que elas passam a cada minuto. 
Para elas, hoje, tento escrever palavras belas e, para você, que não está incluído neste mundo, conheça que tão pouco para nós, faz muita diferença para eles. 
Elaiza, Eliane, Morgana e Ana Paula. Quatro mulheres que representam outras 28 do grupo TEAMAR, que iniciou no último ano em busca de uma voz, de melhorias, de inclusão: de políticas públicas.
Sem dados concretos de quantos autistas Flores da Cunha possui, o grupo foi criado para solicitar, primeiramente, melhorias nas escolas no quesito monitoras. “O município disponibiliza monitoria para as crianças, só que vemos que é preciso ir além do que hoje é feito. Muitos que auxiliam eles (alunos com autismo), não têm preparo e nem conhecimento deste mundo”, esclarece Eliane Bulla, mãe de Juliano, de 4 anos. 
“O que as escolas oferecem é um cuidador, que leva ao banheiro, que auxilia com as atividades em sala de aula. O que eles precisam é de um atendente terapêutico especializado, que sabia como manejar os autistas, aproximar ele dos demais colegas”, informa Elaiza Zim Scortegagna, mãe da Antonela, de 7 anos. “Quando o aluno tem um comportamento adequado, é preciso reforçar isso para motivar ele a repetir. E quando tiver um comportamento desruptivo, que vai ter uma crise ou que não vai saber lidar com a situação, as monitoras também precisam saber como lidar com isso. Tem muitos que se agridem, agridem os outros, e outros que ficam quietos. E a cuidadora vai se sentir muito mais segura sendo treinada para essas situações”, alegam as mães, além de elas serem o elo para a inclusão dos alunos na escola, e não para afastar eles dos demais, como algumas vezes acontece. 
Este é um ponto crucial, vi o quanto essas mães estudam, buscam profissionais e se qualificam para poder se doar por completo aos seus filhos. Mães com 30, 40 anos, que já possuem uma experiência de vida. Agora, imagine um jovem, sem conhecimento, acompanhar as crianças diariamente. Vejo isso por dois lados: o primeiro, que ali, nesses jovens que se dispõe a ajudar, podem se desenvolver muitos profissionais especializados na área, que é de extrema necessidade em Flores da Cunha. O segundo, é a apreensão dos pais em deixar seus filhos na escola. Eu, ouvindo essas mães, não imaginava o quão desafiador era lidar com autistas. Agora, tentando entender um pouco mais, vejo que não é qualquer um que pode lidar com eles. Por isso, a necessidade de pessoas treinadas. “Agradecemos por ter pessoas que estão acompanhando nossos filhos, mas queremos agregar mais, para facilitar o desenvolvimento deles”, revelam as mães.    
Uma luta que vai muito além: “A nossa cidade não está preparada para o mundo autista. Ela é pouco inclusiva, não somente nas escolas, mas sim nos ambientes sociais”, enfatiza Morgana Borges Susin, mãe do Rafael, de 2 anos, o mais pequeno do grupo, e que está na fase de brincar e conhecer o mundo. “Geralmente não saímos com eles. Evitamos, pois eles têm muitas alterações sensoriais: de luz, de som, de toque”, falam, emocionadas. 
“A gente quer passear com nossos filhos como qualquer outra mãe, mas não temos nenhum lugar seguro para levar eles. Não queremos por eles em uma caixa, queremos ir em uma pracinha, em um restaurante”, relatam, ao mesmo tempo em que declaram que os autistas não têm senso de perigo. “Se o meu filho decide atravessar a rua ele vai. Se ele ficar bravo com alguém ele foge, ele corre. Daí tu tenta segurar é pior, se joga no chão, e aqui chegamos no ponto do entendimento das pessoas com relação a isso. Temos que explicar, pois julgam que são os pais que não colocam limites”, atenta Eliane.  
E esse sentimento de julgamento da população é mais um empecilho para as mães saírem com seus filhos, pois a falta de informação e de entendimento é crucial. Por isso desta matéria. Vamos abrir nossos olhos para ver a realidade em que estamos inseridos? Sim, existem autistas em Flores da Cunha. Sim, precisamos ter espaços para eles. Sim, precisamos incluí-los no nosso convívio. Sim, devemos entender as suas necessidades. E o fundamental: não faça julgamentos precipitados, eles podem ser autistas e está tudo bem. 
Atualmente, o TEAMAR atende famílias com autistas de todas as faixas etárias: crianças, adolescentes, jovens e adultos. “Lutamos por todos e a melhor parte é a união e o apoio do grupo. A gente se entende e se sente acolhida”, enaltecem as mães, que muitas vezes não conseguem dialogar sobre suas realidades com outras mães. “Aqui, se eu falar: ‘Meu filho não quis comer hoje e nem ontem’, ‘Comeu Nissin por três meses’, ‘Hoje meu filho quebrou a TV’, está tudo bem, é normal”, apresentam as coordenadoras do grupo. “Aqui não nos sentimos sozinhas, nem que somos as únicas que temos dificuldade. Porque até a própria família não entende e julga. Então no grupo eu sei que eu estou fazendo o que eu posso, eu estou sendo uma boa mãe para o meu filho”.
São frases como esta, “ser uma boa mãe para o meu filho”, e “se ser mãe já é um desafio para qualquer mulher, mãe de autista é quatro vezes mais difícil”, que mostram a bravura dessas mulheres.
Ana Paula Vanzan, mãe do Antônio, de 5 anos, relata apenas um fato em seu cotidiano, que vivenciou na última semana: o de ir ao supermercado. “Eu precisei deixar o meu filho dentro do carro, porque ele não queria descer. Não tinha estacionamento na frente, tive que deixar próximo da esquina, com o carro ligado para as pessoas saberem que tem gente dentro, deixei a fita do autismo na frente para identificar, e saí com o coração na mão, pegando qualquer coisa no mercado para voltar logo”. 
E são situações assim que elas encaram diariamente. Às vezes, coisas simples, mas que para um portador de autismo, são desafiadoras. 

A descoberta do transtorno

O significado: autismo – ou o nome técnico oficial: Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) – é uma condição de saúde caracterizada por déficit na comunicação social (socialização e comunicação verbal e não verbal) e comportamento (interesse restrito ou hiperfoco e movimentos repetitivos). 
Não há só um, mas muitos subtipos do transtorno. Tão abrangente que se usa o termo espectro pelos vários níveis de suporte que necessitam – há desde pessoas com outras doenças e condições associadas, como deficiência intelectual e epilepsia, até as independentes, com vida comum, algumas nem sabem que são autistas, pois jamais tiveram diagnóstico. Por isso, cada autista é único. 
Mas, o processo de aceitar o diagnóstico, às vezes, é doloroso. Aqui são quatro mães, cada uma com uma aceitação diferente, com um tempo de luto. 
Para Eliane Bulla, mãe de Juliano, de 4 anos, o diagnóstico foi um alívio. “Eu via que ele era diferente e eu não sabia o que ele tinha. Quando me falaram que era autismo eu fiquei feliz, porque ele tinha alguma coisa. Daí, então, começou uma nova etapa, um novo processo. 
Já para Elaiza Zim Scortegagna, mãe da Antonela, de 7 anos, o processo foi mais desconfortável. “A Antonela, aos 11 meses, teve uma convulsão, antes disso ela falava e, a partir daí, não. Começamos a estimulação e, com dois anos, levamos em uma fonoaudióloga que nos informou sobre o autismo, mas, naquele momento, eu não estava preparada para o diagnóstico, e eu dizia não. Com o passar do tempo, eu comecei a ver que era. Então, participei do primeiro Seminário da UniTEA, em Caxias do Sul. Meu marido, que estava junto, saiu de lá arrasado, chorando, porque ele não queira ser igual às outras famílias que estavam lá, porque ele dizia que as famílias eram tristes e que ele não queria essa tristeza para ele”, contou, em lágrimas. 
Após a confirmação do diagnóstico, a única pergunta que tinha para Elaiza era se eles eram felizes e, com um lindo sorriso no rosto, ela afirmou que sim: “Somos muito felizes. A gente entende ela e consegue ser muito feliz”. 
Morgana Borges Susin, mãe do Rafael, de 2 anos, estava passando pelo processo de separação quando começou a perceber alguns sinais no pequeno. “Minha mãe comentava que ele era muito quieto, muito calmo e, quando eu o amamentava, percebia que ele não me olhava nos olhos. Com nove meses, na escola, a professora me chamou para conversar e falou que o Rafa era muito parado. E isso me doeu muito, porque eu sou fisioterapeuta, estudei anos para cuidar dos filhos dos outros e não conseguia cuidar do meu. Isso me dói até hoje, porque eu não sou fisio dele, eu sou mãe. Então fui para a fono, para o neuro, e todos falavam que não era autismo, e eu sentia que sim. Fui atrás muito cedo, o diagnóstico precoce auxilia muito, eu fiz muita coisa sem o laudo. O laudo autista só veio com 1 ano e 5 meses”. Morgana, sensível, diz que tudo que idealizou quando engravidou não sabe se irá se concretizar: “Tu não sabe se ele vai falar, se vai caminhar, se vai ter amigos, se vai ter namorada, se um dia vai casar. Então temos que aprender a ver de outro ângulo: hoje ele comeu, hoje ele foi para a escola, hoje ele fez xixi. São as conquistas diárias. Se pensarmos no futuro a gente sofre. É dia a dia, e cada dia é um”.
Já Ana Paula Vanzan, mãe do Antônio, de 5 anos, relata que desde o primeiro dia de vida o filho mostrou um comportamento diferente: “Ele não dormia. Esse foi o primeiro sinal e isso foi até os 3 anos, quando fechamos o diagnóstico e entramos com os remédios. Ele também olhava para o peito e não olhava para mim, mas caminhou e falou normal. Ele tinha ecolalia (distúrbio caracterizado pela repetição daquilo que a própria criança acabou de dizer ou pelo que seu interlocutor falou há pouco tempo), repetia falas de desenhos, e com 1 ano e 2 meses começou a falar inglês, sabia todo o alfabeto, os números, foi quando a escola me chamou e comecei a falar com amigos, pois ele tinha um desenvolvimento muito acelerado. Comecei a ler, procurei na internet, mas quando eu vi que precisava de ajuda foi no aniversário de 3 anos. Nós comemoramos a data, convidamos as pessoas, e ele não participou. Ele ficou lá fora, chorando e esperneando no chão. Ali eu vi que eu e ele precisávamos de ajuda. Então fomos em um neuro e ele fechou o diagnóstico”.
Relatos tão importantes, de ensinamentos, de dor e, ao mesmo tempo, de conforto. Relatos de pessoas que vivem ao nosso lado e que precisam ser assistidas. Relatos de mães que estão com o coração aberto para acalentar novas mães que querem fazer parte do grupo, mães que ainda vivem o luto e precisam de ajuda. 
E se você quer saber mais sobre o TEAMAR, pode entrar em contato através do Instagram @teamarflores. 

Um olhar a mais 

Como forma de auxiliar as famílias que possuem filhos com o TEA, a vereadora Silvana De Carli colocou a assessora da bancada do Progressistas, Marina Debon, à disposição para encaminhar o pedido da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). Os atendimentos acontecem nas sextas-feiras à tarde, mediante agendamento pelo fone (54) 3292 6411. “Como o formulário de solicitação é bem complexo, pensamos em auxiliar as famílias no preenchimento”, salientou a vereadora. 
Além de garantir direitos já conquistados, a carteirinha fornecerá dados mais precisos da quantidade de pessoas que possuem autismo e suas condições, o que norteará o poder Executivo em ações e políticas públicas mais eficientes para estas pessoas. 
Recentemente, a Fundação de Atendimento ao Deficiente e ao Superdotado do Rio Grande do Sul (FADERS), que emite a identificação, divulgou o primeiro estudo baseado nos dados coletados através da Ciptea. Conforme as informações, Flores da Cunha possui cinco pessoas com o documento.
A carteirinha atende aos requisitos da Lei Federal 13.977/2020, também conhecida como Lei Romeo Mion, em referência ao filho de Marcos Mion. 
Quem desejar encaminhar deve apresentar os seguintes documentos: RG da pessoa com TEA; RG dos responsáveis legais; laudo médico com indicação do código da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) comprovando o Transtorno do Espectro do Autismo devidamente preenchido e com o nome completo da pessoa com TEA; fotografia formato 3x4 da pessoa com TEA.
O assunto também está sendo exposto na Câmara pela vereadora, que já encaminhou indicações com demandas do grupo TEAMAR Flores ao Poder Executivo, como a possibilidade de ofertar atendimento em equoterapia; oferecer aos professores municipais a oportunidade de realizar formação continuada na área do Atendimento Educacional Especializado para alunos com deficiência; mudar os contratos de Monitores de Apoio à Pessoa com Deficiência que atuam nas escolas municipais oferecendo uma remuneração diferenciada para os que estiverem em processo de formação nas especialidades de pedagogia, psicologia, fonoaudiologia, neurologia, psiquiatria e terapia ocupacional.

As mães e coordenadoras do grupo: Eliane, Ana Paula, Elaiza e Morgana. - Gabriela Fiorio
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