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Autismo: um problema que merece atenção da sociedade

Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 70 milhões de pessoas têm a doença. Incidência é predominante nos homens

Linda, a personagem de Bruna Linzmeyer na novela Viver a Vida, da Rede Globo, tem despertado atenção da sociedade para uma doença pouco conhecida no Brasil e no mundo, o autismo. A quantidade de famílias que enfrenta o problema é muito maior do que se imagina e os números da doença chegam a assustar. Acredita-se que a síndrome atinja cerca 70 milhões no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, uma pesquisa realizada no Centro Municipal de Especialização do Autista (Cema) da cidade de Limeira (SP), apontou a existência de aproximadamente 50 mil autistas, mas estima-se que há pelo menos 1 milhão deles sem diagnóstico. 

Antigamente, os dados apontavam que a cada 100 mil crianças, uma era autista. Hoje, dados da OMS apontam que a cada 100 crianças uma é autista. Nos Estados Unidos e Canadá já se fala em epidemia de autismo. Sabe-se ainda que a incidência da doença é muito maior no sexo masculino. Para se ter uma ideia, a cada 35 meninos, um é autista, e a cada 350 casos de autismo, um é em menina. “A predominância no sexo masculino é inquestionável, em torno de três para um. Existem autores que dizem que quando se considera autistas com baixo nível cognitivo, essa proporção homem e mulher aumenta mais ainda, chega a ser de 15 para um”, aponta a neurologista infantil Maria do Carmo Torres Mattana.

Durante muitos anos, se acreditou que o autismo fosse um distúrbio exclusivamente comportamental e que estaria dentro das doenças disruptivas, que são as psicoses de instalação precoce. Hoje, quase a totalidade dos autores não concorda com isso e, apesar de não ter sido definido ainda um local genético ou cromossômico que possibilita o aparecimento dessa doença, é consenso que ela seja um distúrbio orgânico, que não tem relação com o ambiente. “O autismo é visto como uma síndrome, um conjunto de sinais e sintomas. Justamente por isso não existe um marcador biológico, ou seja, um exame que ateste que a criança é autista.”

O que se sabe é que o autismo não é uma doença hereditária. Existe uma porcentagem de autistas que têm inteligência normal, assim como pode acontecer de serem superdotados, o que é mais raro. “Penso que esse não é um distúrbio genético, como a síndrome de Down. O autista é um refém do seu mundo, que tem dificuldade de interagir, de aprender o mundo do jeito que ele é”, explica a neurologista.

Características da doença
Entre as características do autista está a incapacidade de sustentar o olhar – eles não conseguem olhar nos olhos de outra pessoa. A estereotipia gestual e a dificuldade de interação psicossocial também fazem parte do quadro autista. “Eles têm rituais de comportamentos e realizam movimentos repetitivos. Têm fascinação por coisas que giram e normalmente brincam sempre da mesma maneira. Como, geralmente, existe uma deficiência mental associada, a brincadeira é sempre muito pobre, repetitiva, sem nenhuma criatividade”, explica Maria do Carmo. Outra característica do autista é falta de comunicação oral. Dentro do espectro autista existem alguns que chegam a adquirir linguagem, mas é sempre uma linguagem pobre e estereotipada.

Atenção aos primeiros sinais
Os primeiros sinais da doença podem se manifestar nos primeiros meses de vida. Em geral, os pais devem ficar alerta quando perceberem que seus bebês são muito agitados, que não acompanham os movimentos com o olhar, que não se comunicam e não respondem às brincadeiras. Nesse caso, um profissional deve ser procurado. “Sempre que houver um distúrbio no desenvolvimento neuromotor ou que a criança for extremamente agitada, um neurologista deve ser consultado, sendo isso um traço de autismo ou não. Não que dizer que elas tenham autismo, mas é melhor ir ao médico por nada do que consultar muito tarde”, aconselha a neurologista infantil Maria do Carmo Torres Mattana.

A especialista destaca que o diagnóstico do autismo é muito difícil e que é dado exclusivamente pela área clínica. “Existem autores que dizem que deve ser feito a partir dos três anos justamente porque todos os sintomas têm a ver com a interação social. Porém, o ideal é que seja o mais precoce possível.” Segundo ela, dentro do espectro autista existe uma série grande de variações, o que torna a análise tão difícil. “A criança não é mais ou menos autista. Ela é autista. Porém, pode estar entre os que têm um prognóstico melhor de ressocialização ou entre os que têm um prognóstico pior. Isso geralmente está ligado ao nível de inteligência dela. Uma criança que tem uma capacidade de entender melhor acaba se adaptando mais, pois o problema central do autismo é uma alteração na área de interação social”, contextualiza Maria do Carmo.

O tratamento
Conforme a neurologista, o tratamento para o autismo é sintomático, pois não é possível tratar a causa já que não se sabe qual é. “Temos um tratamento medicamentoso para o passo comportamental e um atendimento multidisciplinar que irá contemplar todas as defasagens que aquela criança terá. Então, ela terá atendimento na área psicopedagógica ou de estimulação precoce, dependendo da idade da criança, para desenvolver tanto a parte motora quanto a parte cognitiva.” A neuropediatra ressalta que não existe cura para o autismo. “Por enquanto a cura ainda é algo visionário. É possível uma reabilitação, mas a criança necessitará de cuidados sempre, mesmo depois de adulta”, pondera.

Busca pela qualidade de vida do filho
A gravidez é sempre um momento de muita alegria para os pais. Desde que ocorre a confirmação, iniciam os preparativos para a chegada do bebê. São nove meses de alegria e de ansiedade e o que mais se espera é que ele venha com saúde. Foi assim também como a professora Sandra Perin Campos e com o professor Beto Campos. Há 16 anos eles tiveram o João Pedro. A gestação transcorreu dentro da normalidade, porém, ele apresentou a doença da membrana hialina (DMH), um distúrbio decorrente da produção insuficiente de surfactante pulmonar e da má adaptação à vida extra-uterina. Isso fez com que ele ficasse dois meses na UTI neonatal. Nesse período, teve uma série de doenças, infecções graves e paradas cardiorrespiratórias.

Conforme a mãe, após o episódio o desenvolvimento do menino foi normal até o segundo ano de vida. “Ele sempre foi extremamente carinhoso, sorria muito e interagia conosco. Sempre respondeu aos nossos estímulos. Por volta dos dois anos, percebemos que ele se balançava quando assistia televisão e fazia movimentos circulares com as mãozinhas em frente ao rosto. Ali desconfiamos que algo não estava certo e levantamos a possibilidade de ser autismo”, conta a mãe, que já tinha informações sobre o tema.

O casal observava o filho desde os primeiros meses de vida, pois existia a possibilidade dele apresentar alguma sequela em virtude das complicações ocorridas no nascimento. Quando tinha dois anos e quatro meses os pais de João Pedro, que na época residiam em Passo Fundo, o levaram a Porto Alegre para uma consulta com uma neurologista infantil. Diversos exames foram feitos e a possibilidade do autismo foi levantada, mas a confirmação da doença não foi dada.

Algumas avaliações foram feitas no Centro Teacch Novo Horizonte, de Porto Alegre, que é referência no trabalho com autistas, mas o diagnóstico foi dado, de fato, por volta do terceiro ano. “Antes da confirmação já percebíamos que ele era diferente e nunca fechamos os olhos para o problema. Por isso não foi um choque e aceitamos a condição dele. Acredito que quando tiver de ser, será. Deus não vai te dar um filho autista ou com qualquer deficiência se você não for capaz. Hoje, se eu tivesse que escolher meu filho, escolheria exatamente como ele é. Ele é perfeito”, afirma ela, sem conseguir conter as lágrimas.

João Pedro é muito carinhoso, apaixonado por música e, conforme a mãe, adora ir para a escola e estar com outras pessoas, embora tenha dificuldade de socialização. “A maneira dele se expressar é muito corporal. Ele tem algumas formas muito particulares de demonstrar carinho. Ele não vai chegar e cumprimentar a pessoa. Ele pode chegar e dar um beijo ou tocar no pescoço e isso assusta quem não o conhece”, conta.

Dificuldades
A rotina diária de Sandra é voltada para o filho, que é dependente para fazer tarefas básicas como tomar banho ou fazer um lanche. Porém, a maior dificuldade da família é enfrentar o preconceito da sociedade. Na opinião da mãe, ainda falta muita informação sobre a doença e as pessoas não sabem como agir diante de um autista. “É difícil o olhar dos outros em relação a ele. É difícil conseguirmos a aceitação das pessoas, porque em qualquer lugar que vamos e dizemos que nosso filho é autista as portas se fecham. Apesar dos olhares e cochichos, nunca deixamos de fazer nada. Sempre vamos a todos os lugares e ele ama estar em ambientes com outras pessoas. Não temos vergonha nenhuma, mas procuramos ensiná-lo a se controlar. Às vezes ele consegue, às vezes não”, relata. Apesar de saber que a cura para a doença do filho está longe de ser uma realidade, Sandra afirma que não perde a esperança. Enquanto isso não acontece, a família segue buscando melhorar a qualidade de vida do jovem.

Municípios brasileiros são deficientes
No Brasil, a rede pública de saúde da maioria dos municípios não está preparada para atender crianças autistas. Faltam instituições de ensino e profissionais capacitados para o campo da habilitação/reabilitação e médicos especialistas no assunto. Dessa forma, os pais acabam tendo que pagar pelo atendimento ou recorrer à Justiça para conseguir algum recurso. “Todos os anos procuro atendimento para meu filho e não consigo. Por isso, a cada ano preciso buscar a Defensoria Pública e a prefeitura. Aí vem o governo e pede para inserir em uma escola normal. Como, se não existe profissionais preparados para esses casos? Aí, qualquer coisa que acontece de errado na escola a culpa é do autista e não do fato dele não ter atendimento adequado”, desabafa a professora Sandra Perin Campos.

Em Flores da Cunha também não há um atendimento específico pela rede pública, tão pouco escolas preparadas para receber crianças autistas. Contudo, o município mantém o projeto Evoluir, que funciona junto ao Núcleo Interdisciplinar de Apoio ao Educando (Niae), na Escola Municipal São José. Uma vez por semana o filho de Sandra, João Pedro, é atendido por profissionais especializados na área de necessidades especiais que desenvolvem atendimentos psicomotor, psicológico e pedagógico. No total, 10 crianças com transtornos psicossociais frequentam o local, sendo dois com diagnóstico de autismo.

Como ele não se adaptou ao ensino regular, após alguns anos inserido em uma escola do município, a família ingressou na Justiça e, há dois anos, conseguiu matriculá-lo na Escola Estadual Especial João Pratavieira, em Caxias do Sul. Os progressos, segundo a mãe, não são muitos, devido às dificuldades dele e à constante troca dos professores. “Nesse tempo ele começou a escrever o próprio nome e a ler algumas palavras. A maior conquista, no entanto, está no lado de interação social. Ele ama ir para a escola e essa é uma oportunidade dele interagir com o mundo”, elogia a mãe.

Direitos garantidos por lei
No dia 27 de dezembro de 2012 o movimento que luta pelos direitos dos autistas no Brasil venceu uma luta de mais de três décadas. Naquele dia, a presidente da República, Dilma Rousseff (PT), sancionou a lei 12.764 para criar a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo, que está sendo chamada de Lei Berenice Piana, em alusão a uma mãe de autista que muito lutou e articulou pela criação da legislação. A medida passou a valer a partir da sua publicação no Diário Oficial da União, em 28 de dezembro do mesmo ano.

A norma determina que o autista tem os mesmos direitos dos deficientes, inclusive com incentivo para cota de vagas no mercado de trabalho. Também fica determinado que nenhuma escola regular pode recusar atendimento a uma pessoa com autismo. Para esses casos, a lei prevê (artigo 7º) multa de três a 20 salários mínimos ao gestor escolar ou autoridade competente e a perda do cargo em caso de reincidência. Ou seja, é claro o direito de todo autista a uma escola regular, pública ou privada.

 - Divulgação
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