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Aumenta o uso de remédio estimulante em Flores da Cunha

Secretaria de Saúde do município registra ampliação no consumo de Ritalina, medicamento indicado para tratar o déficit de atenção e hiperatividade. Distúrbio está sendo creditado nos casos de mau desempenho escolar

A percepção de alguns professores sobre o aumento do consumo do remédio Ritalina por alunos na rede de ensino de Flores da Cunha não é pontual. O Brasil é o segundo país que mais utiliza o cloridrato de metilfenidato (princípio ativo do medicamento), perdendo apenas para os Estados Unidos. O número de prescrições do remédio, um estimulante para o tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (também conhecido por TDAH), aumentou consideravelmente nos últimos anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2000 foram 70 mil caixas vendidas e, em 2009, 1,7 milhão de caixas. Ou seja, o crescimento foi de 1.615%, sendo que os números não consideram receitas de medicamentos manipulados ou comprados pelo poder público.

Em Flores não há estatísticas comparativas, mas funcionários da Secretaria de Saúde confirmam que houve um aumento na procura pelo medicamento nos últimos tempos. “É um absurdo. Me assusto cada vez que levantamos dados e números. É considerado um número alto para Flores da Cunha e vejo cada vez mais depressão, vida sedentária, problemas dentro de casa com famílias desestruturadas. Isso reflete diretamente nas escolas”, diz o secretário da pasta, Moacir Matana.

De acordo com dados da Secretaria, há 104 pessoas que encaminharam pedido para receber a Ritalina neste mês de outubro. De acordo com as receitas médicas, o município tem uma demanda atual de 5.888 comprimidos, ou seja, 295 caixas – cada uma tem 20 comprimidos. Entretanto, nessa semana, foram entregues 1.888 comprimidos. Isso porque o medicamento é fornecido pelo Estado, o qual avalia cada documentação para liberar ou não o remédio. As receitas de Ritalina são, em sua maioria, para a faixa etária dos seis aos 12 anos. Segundo o Censo de 2010, o município tem uma população de 3.592 crianças na faixa etária dos cinco aos 14 anos.
No Núcleo Integrado de Apoio ao Educando (NIAE) de Flores da Cunha, cerca de 20% dos estudantes utilizam o medicamento. Conforme uma professora da rede estadual de ensino, geralmente, “os alunos muito agitados são enviados para um especialista e o diagnóstico é sempre hiperatividade; após, é receitada Ritalina”. A professora destaca que “há fila de alunos durante o recreio para tomar o remédio”. Outra docente aponta que, algumas vezes, pais impacientes utilizam o diagnóstico de hiperatividade como desculpa para utilizar o remédio e, dessa forma, mantê-los sossegados. Tanto é assim que o medicamento foi batizado de “droga da obediência”. “Há uma falta de estrutura familiar que não impõe limites e as crianças se tornam agressivas e agitadas. Mas é preciso se pensar que a medicação não é a única forma de controlar isso”, frisa uma professora. Ambas preferiram não terem seus nomes publicados.

A psicóloga do NIAE, Leonir Longhi, aponta que o trabalho do Núcleo é específico para crianças com dificuldades de aprendizagem ou que têm algum problema emocional, de hiperatividade ou dificuldade de concentração. “São crianças que têm problema de déficit intelectual e que não conseguem reter ou memorizar conteúdo e que são mais lentas no desenvolvimento. Quando detectamos que existe um problema de atenção ou hiperatividade, há uma necessidade de ajudar a criança a focar mais na aprendizagem com o uso da medicação”, explica.

O processo é então encaminhado para uma avaliação de um neurologista ou psiquiatra, que verifica o parecer da psicóloga e do Núcleo e vê se é necessária a medicação. “São as crianças que, sem uma estimulação, não vão adiante. Percebe-se nitidamente a diferença da criança que consegue fazer o tratamento direito. Mesmo que lentamente, ela evolui. Isso com uma estimulação pedagógica oferecida pelo NIAE. O conjunto de todos esses tratamentos é que auxilia”, frisa Leonir, que também destaca que existe, sim, um lado abusivo. “Como em todas as situações existe o lado perverso, pois se sabe de adolescentes que se sentem pressionados na hora de provas de vestibulares e, para ficarem mais atentos, usam o estimulante”.

Especialistas apresentam controvérsias
Caracterizada por quadros de agitação, impulsividade e dificuldades de concentração, a hiperatividade ganhou maior atenção de médicos, psicólogos e pedagogos porque se passou a creditar ao distúrbio boa parte dos casos de mau desempenho escolar. Vários educadores acreditam que se rotulam muitas crianças com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) só porque elas são bagunceiras.

Conforme artigo escrito pela representante do Conselho Federal de Psicologia e integrante do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paula (USP), Marilene Proença, “existem crianças diferentes, com formas de aprender diferentes. Algumas são mais focadas, outras mais dispersas. Não existe um padrão de aprendizado. Parece que há uma epidemia de crianças que não prestam atenção? Nasceu uma geração que não presta atenção? A geração anterior prestava e a atual não presta? Não faz sentido. Nenhum medicamento no mundo daria conta da complexidade que é o processo de atenção e aprendizado de uma criança. Ele envolve afetividade, desejo, representações que a criança cria”.

Entretanto, de acordo com artigo do presidente do conselho científico da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA) e professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Mattos, mesmo que ainda haja receios em tratar doenças e transtornos psiquiátricos com medicamentos, há diversos estudos que atestam não só a eficácia, como também a segurança de remédios como a Ritalina. “Não basta só usar a medicação. É preciso que seja usada por profissionais que conheçam e saibam tratar o transtorno. Alguns estudos mostraram que profissionais não especializados ofereciam um tratamento considerado não ideal e não obtinham bons resultados no tratamento”, alerta.

A Ritalina, o nome comercial do metilfenidato, foi lançada em 1956. Conforme descrição de sua bula, o remédio é um estimulante do sistema nervoso central, tem a função de acalmar seus usuários e torná-los mais concentrados – por isso a indicação para crianças hiperativas. O seu mecanismo de ação no homem ainda não foi completamente elucidado, sendo que não há evidências conclusivas sobre seus efeitos psíquicos e comportamentais. A Ritalina pode causar nervosismo, insônia, diminuição de apetite, tontura, dor abdominal, náuseas, visão embaçada, taquicardia, palpitação, entre outras reações adversas.

Saiba mais

- A Ritalina é um remédio da família das anfetaminas. Age no sistema nervoso central potencializando a ação das substâncias cerebrais noradrenalina e dopamina, o que melhora a concentração.
- A dose inicial usada em pacientes a partir de seis anos de idade varia de 2,5mg a 5mg por dia, podendo chegar a 60 miligramas diárias.
- Seu efeito dura, em média, quatro horas.
- O preço médio da caixa com 20 comprimidos é de R$ 20.
- A comercialização da Ritalina é regulada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O medicamento é classificado como substância psicotrópica e só pode ser adquirido com receita especial. De acordo com o Relatório do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados da Anvisa, há vários estudos e questionamentos sobre o uso massivo e efeitos secundários da substância, “pois sua utilização já está ocorrendo entre empresários, estudantes e até em uso recreacional na forma triturada como pó ou diluído em água para ser injetado”.
- O relatório acrescenta ainda que a maior preocupação em relação ao cloridrato de metilfenidato está, na verdade, relacionada ao seu “mau uso, e não à utilização da substância nos casos de TDAH, já que o medicamento não é indicado para todos os pacientes da doença”.


Fonte: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Comercialização da Ritalina é regulada pela  Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). - Na Hora / Antonio Coloda
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