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Agosto Dourado e a importância do aleitamento materno

Médica ginecologista, Sofia Bulla Paviani, explica os benefícios do leite materno para a mãe e o bebê. A necessidade de apoio aos pais que trabalham é o tema da campanha deste ano

A cor ouro remete o padrão de qualidade do leite materno, por isso, o dourado foi escolhido para colorir a campanha do mês de agosto. Instituído pela Lei nº 13.435/2.017 o mês da amamentação veio de uma construção sedimentada pela comemoração da Semana Mundial de Aleitamento Materno e teve início em 1990, em um encontro da Organização Mundial de Saúde (OMS) com o Unicef, momento em que foi gerado um documento conhecido como “Declaração de Innocenti”.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), por ano, cerca de seis milhões de vidas são salvas por causa do aumento das taxas de amamentação exclusiva até o sexto mês de idade.
Para entender melhor os benefícios do leite materno, quem pode amamentar e as alternativas para incentivar essa prática, o Jornal O Florense conversou com a médica ginecologista florense Sofia Bulla Paviani, de 31 anos. Sofia formou-se em Medicina pela Universidade de Caxias do Sul – UCS (2015), possui Residência Médica em ginecologia e obstetrícia pelo Hospital Geral de Caxias do Sul, pós-graduação em Reprodução Humana pelo Instituto Sapientiae de São Paulo e atualmente é mestranda em Ciências da Saúde pela UCS. A profissional atende em Flores da Cunha na Rua Dr. Montaury, 160, sala 22. Acompanhe a entrevista completa.

O Florense: Quais os principais benefícios do aleitamento materno para as mães? 
Dra. Sofia Bulla Paviani: Se preconiza que o aleitamento aconteça imediatamente após o parto, seja ele normal ou cesárea porque, pensando na proteção da mãe, quando ela amamenta logo no pós-parto a sucção para a amamentação libera a ocitocina, que é o hormônio que faz a contração do útero e acaba reduzindo sangramentos e o risco de hemorragia pós-parto, então já começa por ali os benefícios para a mãe. Além disso, é um momento de contato, de intimidade, de criação de vínculo afetivo da mãe com o seu bebê, então o bebê vai descobrindo o cheiro da mãe, as sensações que o toque da mãe proporciona, ele vai aprendendo a ter essa pega para conseguir fazer o movimento de sucção porque ele também tem que aprender isso logo após o nascimento. Essa ‘descida’ do leite acontece de forma mais rápida quando a mãe é estimulada pela sucção do bebê, então quanto antes ele for para o peito, mais leite a mãe vai produzir e nos primeiros dias a gente tem o colostro, que é o leite mais rico em gorduras e depois ele vai se transformando (antigamente se dizia que era um leite mais fraco por ele ser um pouco mais clarinho). 
O aleitamento materno é importante para a saúde da mulher, desde a primeira hora do parto, mas não só nesse momento. Ele vai ajudar na perda de peso do pós-parto e, antigamente, também era utilizado como um certo controle de planejamento reprodutivo porque a mulher que está amamentando, muitas vezes, acaba não ovulando e, portanto, não tendo período fértil, atuando como um método “contraceptivo”. Hoje a gente sabe que não podemos confiar só na amamentação para isso, mas também tem esse benefício. Além disso, mulheres que amamentam tem uma redução da incidência de câncer de mama, de ovário e de endométrio, que estão ligados com as questões hormonais da mulher, além de uma proteção contra doenças cardiovasculares e osteoporose.

OF: E para os bebês?
Dra. Sofia: Nós sabemos que o leite materno é um composto perfeito, equilibrado entre gorduras, proteínas, carboidratos, vitaminas, minerais, incluindo ferro que é superimportante para o desenvolvimento, tanto motor como neuropsicomotor, da criança nos primeiros meses de vida e um composto rico em anticorpos. Então além de tudo melhora a imunidade do bebê porque ele vai receber os anticorpos a partir da mãe e depois, com a vacinação, ao longo dos primeiros anos de vida. Por isso esse momento de aleitamento é muito importante também para a imunidade, para a prevenção de doenças futuras, incluindo anemia, retardo de desenvolvimento, asma, doenças alérgicas. O bebê ser exposto ao leite materno reduz muito o risco de complicações de doenças durante toda a infância, e toda a sua vida.
Isso sem falar do benefício financeiro porque nós sabemos que não existe um composto que substitua o leite materno de forma perfeita, temos as fórmulas infantis adequadas para cada período, cada fase de vida do bebê, mas o custo é muito elevado e acaba pesando no bolso, muitas famílias não têm condições de adquirir. Também temos a redução de custos de saúde porque um bebê que recebe o aleitamento fica menos doente e acaba gerando um custo de saúde pública menor. Por isso se bate tanto na tecla da amamentação, já começando na primeira hora de vida e tentando ser estimulada da melhor maneira.

OF: Até que idade se recomenda que o leite materno seja o único alimento consumido pelos bebês? Mesmo com a introdução de outros alimentos, o ideal é que ele continue sendo administrado? 
Dra. Sofia:  A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o aleitamento materno seja exclusivo, ou seja, que o bebê se alimente somente com leite materno até os seis meses de idade, não precisa dar água nem chá para o bebê, nada além de leite materno. A partir dos seis meses de vida pode-se iniciar a introdução alimentar conforme recomendações do pediatra. A OMS recomenda que por, pelo menos, dois anos, o aleitamento materno se mantenha concomitante com outros alimentos sólidos que a criança vá aprendendo a comer. Não existe um prazo limite para terminar o aleitamento, isso é muito pessoal, é muito da mãe com o seu bebê, da rotina dessa mulher e dessa família.

OF:  As mulheres que possuem prótese de silicone podem amamentar? E as que tiverem feito algum procedimento para redução da mama?
Dra. Sofia:  Em relação às mulheres que já fizeram alguma cirurgia no seio, ou seja, prótese de silicone ou redução mamária, tudo depende do tipo de cirurgia e da quantidade, principalmente na redução de mama. Neste último caso deve-se levar em consideração a quantidade de tecido mamário que foi retirado, se foi preservado ali ou não os dutos e as glândulas mamárias. De forma geral, a maioria das mulheres consegue amamentar normalmente depois de cirurgias de mamas, mas talvez exija uma atenção e uma perseverança um pouquinho maior para conseguir, pois às vezes demora um pouquinho mais para a descida do leite. E um mito que é muito comum é que as mulheres pensam “ah, a minha mama é pequena, não vou ter leite suficiente”, mas isso não existe, a produção de leite independe do tamanho da mama. Cada mulher com sua mama, um pouquinho diferente uma da outra, todas nós temos glândulas produtoras de leite, então todas temos potencial de amamentar ao longo da nossa vida.

OF: O que dificulta/impede uma mulher de amamentar? 
Dra. Sofia:  Eu acho que uma das principais coisas é a romantização.  A mulher que engravida e acredita que o bebê vai nascer e vai ser tudo lindo, instintivo e fácil, isso não é verdade. A amamentação, nos primeiros dias, dói, a maioria das mulheres acaba lidando com fissuras, com machucados no bico do seio, no mamilo, na mama, e isso é muito doloroso, algumas tem que receber a orientação adequada de como fazer a pega porque, muitas vezes, não é instintivo, a mulher precisa aprender e o bebê também, e isso leva tempo, às vezes uma semana, quinze dias, um mês, para que a pega e a amamentação seja uma coisa instintiva, tranquila e natural da mãe com o seu bebê. Então a primeira dificuldade acho que é a falta de informação e uma ideia irônica de como vai ser essa amamentação, em segundo lugar algumas mulheres tem medo de modificar a questão estética dos seios, tem  medo de amamentar em público, de serem julgadas por isso, então essas são algumas das dificuldades que a gente vê, mas acredito que a principal seja, realmente, essa dificuldade no início, por ser doloroso, por ser algo um pouquinho mais difícil para algumas mães do que para outras, mas acredito que o principal seja persistir na tentativa da amamentação. É preciso buscar ajuda especializada, existem consultórios de amamentação que, inclusive, oferecem tratamentos para as fissuras, para todas as complicações que a gente pode ter do aleitamento materno, para que se passe essa primeira fase.

OF: Algumas mulheres produzem mais leite que o necessário, neste caso, podem doar para bancos de leite? Como funciona este processo?
Dra. Sofia:  A doação de leite existe, no entanto, nós sabemos que aqui na nossa região, Caxias do Sul, Flores da Cunha, não temos muito próximo um banco de leite para receber essas doações, existem bancos de leite em Porto Alegre e no Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, neste último, inclusive, eles fazem a coleta na casa de algumas mães, em cidades como Caxias do Sul, por exemplo, mas antes fornecem  embalagem específica e ensinam como fazer todo o processo, o contato deles é o (54) 9.9237.1842. Também existe um 0800 que é o SOS amamentação e permite tirar dúvidas sobre o assunto.

OF: Em seu consultório observa resistência das mulheres na hora de amamentar? 
Dra. Sofia:  Eu não vejo as pacientes com muita resistência, a maioria se encontra superaberta e pensa em amamentar, acho que foram poucos os casos de mulheres que me disseram “eu não quero amamentar”, por crenças pessoais e às vezes a gente tenta explicar, desmistificar. Muita gente diz, mas a minha mãe não conseguiu amamentar, minha tia, minha prima, enfim, as mulheres da minha família não conseguem amamentar, nem vou tentar, às vezes são crenças, ideias muito pessoais, de família, mas na maioria das vezes eu não encontro resistência das pacientes, acho que o aleitamento está sendo retomando e se fala muito sobre isso, hoje em dia a maioria das mulheres deseja essa tentativa. 

OF:  Qual a importância do slogan da Campanha Mundial de Aleitamento Materno 2023: ‘Apoie a amamentação: faça a diferença para mães e pais que trabalham’?
Dra. Sofia:  Acho superimportante este tema porque quando a mulher começou a ter mais espaço no mercado de trabalho, por exemplo, a licença maternidade da maioria dos locais, que é de 120 dias, não garante esse aleitamento materno exclusivo para os bebês porque o bebê mama muito e para a mulher conseguir ir tirando o leite, armazenar, cuidar, é um trabalho que exige muito tempo extra do seu trabalho profissional.
Eu penso que é superimportante falar sobre isso porque a mulher, no mercado de trabalho, ela acaba voltando a trabalhar muito cedo, antes dos seis messes, em alguns empregos a gente consegue uma licença maternidade mais estendida, mas a maioria das mulheres acaba tendo que retomar com 120 dias pós-parto e isso é, na maioria das vezes, onde as mulheres ou param de amantar ou a produção do leite começa a cair porque não tem mais aquele estímulo de sucção, de pega tão frequente em comparação a quando uma mulher está com a livre demanda em casa e eu acredito que isso parte muito dos empregadores, dos empregos, de flexibilizar os horários para as mulheres que amamentam. Seria muito importante, inclusive, os pais, os parceiros, também poderem ajudar, levando leite, ou buscando leite, liberando um local para essa mulher poder amamentar, ir para casa amamentar, ou conseguir tirar o leite e armazenar. Acho que esse incentivo do mercado de trabalho para a mulher amamentar seria muito importante porque a gente sabe, a gente busca igualdade de salários, de empregos, de horários, mas nessa fase da vida da mulher não tem como ter a mesma produtividade, a mesma dedicação que um homem vai ter porque ela vai demandar desse trabalho todo “off/escritório”  vamos dizer, então eu acho que é muito importante, dessa maneira, esse incentivo ao aleitamento para as mulheres que trabalham fora de casa.

OF: De que forma acredita que o ato de amamentar possa ser mais incentivado? 
Dra. Sofia: Eu acho que, em primeiro lugar, quando a mulher está em público e amamenta, não sendo algo onde a mulher se sinta julgada, tendo espaços para amamentar, porque, às vezes, a mulher pensa vou no restaurante, vou para um shopping, vou para algum lugar e se sente mal de amamentar em público, então eu acho que normalizar o aleitamento e a amamentação é a primeira coisa, é algo comum, é da natureza humana e incentivar, se falar mais nas famílias e os próprios profissionais de saúde incentivarem as mulheres ao aleitamento.

 médica ginecologista, Sofia Bulla Paviani, é uma grande defensora do aleitamento materno.  - Karine Bergozza
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