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A vida pintada em aquarelas

Artista das linhas e das cores, Antonio Giacomin traduz em pinturas uma diversidade de beleza, pensamentos, cotidianos e identidades

A arte assumiu um contorno profissional na vida do artista plástico e designer de interiores Antônio Júlio Giacomin. A liberdade de pintar surgiu na metade da década de 1980 e, quando percebeu, o designer tinha sido ultrapassado pelo artista. Não que a vocação profissional tenha sido deixada de lado – até hoje Giacomin trabalha com destaque na área do design de móveis e interiores –, mas a veia artística imperou. “A aquarela surgiu em minha vida pela necessidade de colorir os projetos que fazia na área de arquitetura, como forma de dar vida àquilo. E percebi que além de ilustrador podia criar algo mais e as coisas foram crescendo, crescendo e tomando novos rumos”, recorda. A primeira exposição ocorreu em 1984 e de lá para cá não parou mais. Foram dezenas de mostras no Brasil e no Exterior. Com isso, vieram o reconhecimento e as premiações.

Autodidata, aprendeu sobre a técnica e comprou materiais. Iniciou no curso de Artes Plásticas, mas desistiu no meio caminho quando percebeu que o currículo não era o que almejava. Sua vocação era mais pessoal e intimista e partiu em busca de aprendizados em workshops. Foi aluno de mestres como Joaquim da Fonseca, Marta Penter, Rick Kochenasch e Álvaro Castagnet. Com eles se aperfeiçoou. Nascia o artista, que imprime em suas pinturas uma diversidade de beleza e um cotidiano fora do olhar comum.

Aos 47 anos, ele tem plena consciência de que a paixão pelos desenhos nasceu ainda quando era guri e morava no interior de Flores da Cunha, mais precisamente na capela de São Tiago do distrito de Mato Perso. Ali, apesar da caixa de lápis limitada a seis cores, usava a imaginação para desenhar e pintar. E a aquarela, tão presente em sua vida hoje, já dava o ar da graça.

As primeiras experiências foram feitas com o anil que a mãe Matilde Conte Giacomin usava para lavar as roupas. Do azul surgia o céu e com o pó que sobrava do café nasciam outras cores. Afinal, quem disse que aquarela precisa ser colorida? Para Giacomin, elas podem ter uma única tonalidade ou mesmo serem em sépia.

“Aquarela é algo impressionante e as formas como se pode trabalhar com ela são incríveis. Eu gosto muito de tons escuros e sombras misteriosas e tento trabalhar com as cores que me remetem lembranças, sejam elas boas ou dolorosas”, sintetiza.

Numa folha qualquer

Parte da inspiração vem do seu gosto pela observação, pelo olhar sobre o cotidiano e as pessoas que o compõem. “Tudo é motivo para desenhar e não há tempo perdido. Estou numa oficina, num restaurante, num bar ou na beira da praia observo ao redor e começo a brincadeira”, explica. Outra parte vem do desejo de não pintar nada específico. O incomum está presente em suas obras e qualquer elemento é motivo para ganhar cores. Já fez a ilustração de muitos livros para empresas ou de poemas. Alguns com temáticas quase impossíveis de serem imaginadas em aquarela, como uma obra encomendada por dois médicos sobre Implantodontia. Em 2007, lançou seu próprio livro Poesias em Aquarela. Nas 204 páginas fez um bloco temático “sobre as coisas do Rio Grande do Sul” em que uniu suas aquarelas com escritas sobre seu próprio trabalho.

Casado com Ana Mari e pai de Gabriel e Bruno, Giacomin afirma não ter uma obra preferida. Gosta de desafios e paisagens, e admite que figuras humanas não são seu forte. “Todas as obras me marcaram. Tempos atrás fazia coisas mais certinhas e agora gosto de coisa mais soltas. Ainda não fiz a minha grande obra”, destaca ele, que ministra oficinas de aquarela e desenho, inclusive como voluntário numa ONG. Nas aulas ensina que é preciso se dedicar de corpo e alma à técnica. “Quem quer pintar uma tela de manhã e emoldurá-la a noite não tem vocação para ser artista”.

Ele afirma isso porque, embora demore poucas horas para terminar uma aquarela, estuda muito antes para que: a tonalidade seja a adequada, para que a textura, a perspectiva e as sombras correspondam ao que imagina. Isso tudo começa no desenho. Uma das etapas importantes são os croquis, que determinam muito de suas pinturas. Em seu atelier, localizado próximo à igreja Nossa Senhora da Saúde, em Caxias do Sul, há dezenas de cadernos com os esboços. Muitos deles nem chegam a ser reproduzidos, mas estão armazenados como relíquias. Em aquarelas, são mais de 200 obras expostas ou guardadas. “Arte para mim é um alimento excepcional, mesmo sabendo que nem sempre isso é recompensado financeiramente”, pontua Giacomin, que tem no aquarelista inglês William Turner um grande admirador.

Novo trabalho será lançado este ano

As viagens pelo Brasil e pelo Exterior moldaram os conceitos de Antonio Giacomin e determinaram muitos de seus trabalhos. Pelo Rio Grande do Sul ele retratou cenários, símbolos, identidades e nuances específicas da Serra Gaúcha e de São José dos Ausentes, nos Campos de Cima da Serra. Na Europa, manteve um contato cultural com a Catalunha (Espanha). Fez também pinturas temáticas sobre as belezas despercebidas do olhar comum como a ferrugem, o transporte, as paisagens e as interações humanas. “Foi um tempo de exposições temáticas em que eu estava focado em não pintar a mesma coisa”, diz o artista.

Os frutos das viagens pelo país darão suporte a um novo e diversificado trabalho. Em abril de 2012, num projeto desenvolvido com o jornalista Nivaldo Pereira, Giacomin pretende lançar seu segundo livro, Jeitos de Ser Brasil. Iniciado há dois anos e com recursos da Lei Rouanet, a obra reunirá aspectos da cultura brasileira, como hábitos, gastronomia, religiosidade, transporte, folclore, paisagens... Serão os textos de Pereira com as aquarelas de Giacomin. Para compor a obra ambos viajaram pelas cinco regiões do país colhendo impressões. “Vamos fazer uma reconfiguração geográfica com o olhar de cada um. Alguns olhares irão se cruzar, já outros, não”, frisa o aquarelista.

Se depender de Giacomin, o trabalho continuará intenso. Desde o final de 2011 ele trabalha com aquarelas, para que elas sejam vistas, admiradas e elogiadas. Assim, é quando o artista toma de vez o lugar do designer.


* Entrevista originalmente publicada na edição 143 da revista Bon Vivant.
Antônio Giacomin: aquarelista da poesia visual - Danúbia Otobelli
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