A luta contra a geada
Produtor de pêssego detalha estratégia para combater uma das principais inimigas dos agricultores
Para muitos florenses, as temperaturas baixas geram a expectativa pelos flocos de neve. Nesses, não estão inclusos os produtores rurais, para quem a geada representa uma ameaça à plantação É o caso do agricultor Eduardo Censi, de Mato Perso, que há quase 40 anos luta para combater as camadas de gelo. “Disso eu entendo bem. Já foram várias noites sem dormir tentando evitar os estragos que ela proporciona”, afirma Censi.
A estratégia para combatê-los foi descoberta por ele há mais de três décadas, depois de enfrentar perdas na produção durante quatro, cinco anos seguidos: a irrigação por aspersores. “Essa técnica eu fui o primeiro a ter em toda a região. Domingo de manhã assistindo o Globo Rural, vi que um produtor lá de Santa Catarina, usava em sua produção de frutas, que não lembro mais qual era. Aí eu resolvi fazer um teste”, conta o agricultor.
Para o teste, Eduardo pegou aspersores antigos que se usava na plantação de alho e cebola, adaptou em um cano maior, de três metros de altura, para que ele ficasse por cima dos pêssegos. Já no primeiro ano, o teste se mostrou certeiro: a geada veio, mas a irrigação salvou 100% da produção. “Largo água toda a noite quando dá geada assim, na época da fruta, porque ela esquenta o ambiente e mantém a temperatura mais alta, diminuindo o estrago”, diz Censi.
Assim, quando a temperatura está chegando perto dos zero graus, o produtor liga os aspersores até que ela fique positiva de novo. No ano passado, em setembro, uma geada mais forte levou quase todos os pêssegos da região. Em sua propriedade, Eduardo ligou o sistema às 21h30min e deixou-o funcionando até às 10h do dia seguinte, sem parar. O meio da plantação, onde os aspersores se cruzam, conseguiu ser salvo por inteiro, enquanto nos cantos, irrigado por apenas um deles, metade das frutas morreram.
“É bem complexo. Depende do lugar, da variedade. Tem umas que são mais sensíveis, que queimam o pêssego pequeninho com zero grau. Outras mais resistentes que necessitam de temperaturas negativas”, explica o agricultor sobre os efeitos da geada na produção. Também interfere nas perdas o estágio da fruta: quando a flor está se formando, é preciso que a temperatura atinja -3º para queimar. Já quando a fruta está miúda, zero graus bastam para dar perdas aos produtores.
Em um lugar frio como a Serra Gaúcha, o perigo é constante. Depois de cinco anos mais tranquilos, 2020 e 2021 reservaram fortes geadas na região. “Nos últimos dois anos, houve várias perdas, então o pessoal se atirou para instalar o sistema. Só neste ano, sete ou oito produtores colocaram”, diz Eduardo, que já chegou a perder toda a safra, mas jamais depois que começou a usar a técnica.
Neste ano, o agricultor já lançou mão do sistema por duas ocasiões: em uma delas, ligou os aspersores às 4h30min, quando a temperatura chegou a -4º. Na época dos pêssegos, não é raro vê-lo passeando pela plantação de madrugada, às vezes de guarda-chuva: um deles quebrou com o tanto de gelo que caiu em cima dele. Mesmo assim, Censi sabe que teve perdas em alguns locais, que só serão estimadas daqui a alguns dias.
“Ano passado, eu também tive. Houve áreas em que não perdi nada, houve outras que perdi em torno de 40%. Foi uma perda violenta na região. O preço do pêssego chegou a R$ 6/kg, quando o normal era R$2/kg. Eu consegui um preço muito bom, porque a maioria não tinha”, relembra o produtor. Na propriedade de Eduardo, ele já chegou a colher 70 mil kg de pêssego, além da ameixa e da uva, outras das frutas cultivadas, que também sofrem com a geada.
O sistema anti-geada é um grande auxílio, mas jamais uma tranquilidade, segundo ele. As noites sem dormir ainda são uma realidade, já que é preciso garantir o correto funcionamento dos aspersores. “Às vezes, entope, entra uma pedrinha, um bichinho. Nós também temos problemas com água, não temos muita. Não é água de vertente, ela acumula da chuva, que suja e entope fácil. Se entope às 4h, tem que fechar o registro, trocar o aspersor”, detalha.
Um dos dilemas é mesmo sobre a quantidade de água: ao mesmo tempo em que quanto mais irrigação, maiores são as chances de salvar, é preciso controlar o uso, já que ele conta com apenas dois açudes para cobrir os oito hectares de plantação – o sistema gasta cerca de 120 mil litros de água por hora quando ligado. A água é reaproveitada, mas a que vem da chuva traz o perigo das doenças, o que demanda um tratamento maior da produção.
Outro problema é que o excesso de irrigação também é prejudicial. “Imagina uma noite inteira jogando toda aquela água. Dá umas três geadas, o pé acaba morrendo, porque vira um banhado”, conta Eduardo. Por isso, ele mudou o tamanho dos aspersores com o passar do tempo: o primeiro utilizado era grande e espalhava muita água. Agora, o produtor usa aspersores menores para obter mais equilíbrio no uso da água.
Todas as técnicas utilizadas em sua propriedade foram implantadas assim, depois de muita pesquisa e com as próprias mãos. A dedicação foi reconhecida pelo prêmio Agricultor Destaque, entregue em 2011 a Censi, o primeiro produtor de Mato Perso a receber a honraria. Uma justa homenagem para quem, ano após ano, enfrenta as camadas de gelo que o frio da Serra Gaúcha insiste em formar.
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