A intervenção climática nas diferentes variedades de uva
Na contramão da qualidade esperada dos vinhos e espumantes, rentabilidade dos produtores é incerta
De janeiro a março é tempo de vindima na Serra Gaúcha, período em que muitos turistas visitam a região para acompanhar de perto a colheita da uva, a produção de sucos, vinhos e espumantes. Em contrapartida, uma safra marcada pela estiagem prejudica algumas variedades da fruta e preocupa os agricultores.
Conforme o Técnico Agrícola do Sindicato de Flores da Cunha, Jair Carlin, sempre que existirem variações climáticas extremas elas terão uma forte interferência na nossa plantação, de um modo geral. Já em relação à uva e às parreiras, depende muito do período de desenvolvimento que se encontra essa cultura, se está em brotação, início de brotação, frutificação ou no desenvolvimento vegetativo.
“Esse ano, infelizmente, nós fomos surpreendidos com essa seca e temos percebido muita perda nas nossas parreiras. Quero observar que, quanto à variedade Bordô, por ser uma variedade precoce e ter características de uma planta mais seca, ela sofre muito mais com a falta de água. Então essa variedade é a que mais temos observado parreirais secos e prejudicados, em comparação com a Isabel, a Niágara e outras variedades que são mais tardias e mais resistentes à falta de água, além de terem uma recuperação muito mais fácil do que a própria variedade Bordô”, explica Carlin.
O que muitos desconhecem é a influência do porta-enxerto como forma de proteger as plantas das instabilidades do clima. “Grande parte dos vinhedos de Flores da Cunha são enxertados com o porta-enxerto Paulsen 1103 – de muito vigor e de um sistema radicular profundo – ele dá um suporte muito maior para a variedade que está enxertada em cima dele, então a tendência é que ela sofra menos”, revela o técnico agrícola, que acrescenta que em função desse período longo de estiagem, mesmo na Bordô enxertada com Paulsen, é possível observar que a uva murchou e as folhas secaram.
Ainda de acordo com Jair, outro ponto que merece atenção quando falamos em intervenções climáticas é o solo. “A planta pode estar sofrendo pelo nosso solo ser de pouca profundidade, com matéria orgânica baixa e muito descoberto. O que observamos nesse período foi que nos solos onde havia lavoura – que foram trabalhados bastante –, os vinhedos sofreram muito mais”, constata.
O integrante do Sindicato também explica que a uva murcha porque os nutrientes que a planta não encontra na terra e no sistema radicular, ela busca na folha e na água do fruto, para sua sobrevivência. “Isso é um fator que realmente acontece, prejudica muito e provoca as perdas que o nosso produtor tanto fala. Temos perdido bastante peso e o que nos preocupa, também, nas variedades como a Bordô, que sofre mais, é em relação à próxima safra, porque as folhas secaram e não tem como a planta guardar reservas. Isso é um problema porque o desenvolvimento também parou, elas estão fracas, com galhos curtos, gemas pequenas e fracas, então, em consequência disso, nós teremos também comprometida a próxima safra”, lamenta Carlin.
Segundo ele, a videira não necessitaria de muita precipitação pluviométrica – milímetros de chuva. Um trabalho feito pela Embrapa apontou que seria suficiente de 750 a 800mm por ano. A média anual de Flores da Cunha costuma ser em torno de 1200, 1300mm, mas, o problema é que ela não é bem distribuída.
“Nesse ponto podemos ver que, esse ano, infelizmente, o que está acontecendo no nosso meio rural são parreirais secando, folhas secas e produção murcha. Bastante perda em função desse clima de pouca chuva e sol muito quente. Com sensação térmica de 38º, 40º, não tem planta que faça fotossíntese”, finaliza.
A má distribuição
Um aspecto determinante quando falamos em chuvas associadas à produção agrícola, é a má distribuição das precipitações, marcada pelo excesso ou falta de água. De acordo com o tecnólogo em Viticultura e Enologia, Leandro Venturin, a safra 2021/2022 foi um pouco atípica em termos de chuva em diferentes regiões da Serra Gaúcha.
“Tivemos locais com períodos de chuva e, mesmo que de baixa intensidade, que não tenha alterado o prognóstico de estiagem, ela conseguiu contribuir na produção e isso vale para outras regiões do estado também. Um exemplo é a cidade de Bento Gonçalves e a região do Vale dos Vinhedos que, nos meses de novembro e dezembro tiveram algumas pancadas de chuva e, ainda contam com um solo mais profundo e com uma capacidade de retenção de água um pouco melhor, o que contribui para a qualidade da fruta,” lembra Venturin, ao mesmo tempo em que destaca que o macroclima estabeleceu a estiagem no Rio Grande do Sul, mas, ele teve respostas diferentes em função dos microclimas – pontos com poucas chuvas que trouxeram alguma qualidade para a uva.
Outro elemento fundamental, segundo ele, é que neste ano a estiagem chegou mais cedo e isso trouxe um impacto diverso do que aconteceu em períodos como 2019 e 2020, onde tivemos momentos diferentes de falta de água. Nesta safra, desde meados de setembro, a chuva foi considerada abaixo da média. “Isso impacta na viticultura sobre o desenvolvimento das bagas, pois, no período em que a videira precisa de chuva para desenvolver a água e, junto a isso, precursores de cor, aroma, açúcares e sabores, faltou água para essa atividade fisiológica inicial. Logo, nós vamos ter cachos com uma formação um pouco menor, menos grãos e de menor diâmetro, o que vai impactar no volume de produção, mas, naquelas localidades onde houve uma pequena quantidade de chuva, ela reduziu as perdas com a estiagem”, esclarece o tecnólogo em Viticultura e Enologia.
O período das variedades também é um ponto a ser levado em consideração. Sobre isso, Venturin ressalta que nos locais que contaram com precipitações em novembro e dezembro, as variedades precoces resultaram em uvas de excepcional qualidade, que geralmente são destinadas à espumantes, como Chardonnay, Pinot, Riesling e Moscatel, para essas, a safra está espetacular e em volumes adequados, dentro da média, lembrando que no ano passado teve a excepcionalidade de uma super safra.
“Quanto às uvas mais tardias, geralmente tintórias e destinadas aos vinhos de um padrão um pouco maior, ainda não sabemos que respostas elas vão ter porque estavam sofrendo mais, porém, agora, esses adventos de chuva do mês de janeiro, muito irregulares – ambientes com chuvas de 60, 80, 100mm e outros que não passou de 15 a 20mm – onde choveu muito nós temos uma chance de perda porque o grão incha muito rápido e passou por um período que perdeu sua elasticidade, então ele vai rachar e tende a apodrecer e, onde choveu, mas não muito, esse grão vai inchar normalmente e nós vamos ter qualidade novamente. Estamos oscilando com locais de uvas excelentes e de não tão boa qualidade, tanto para precoces como para variedades mais tardias,” relata .
As uvas destinadas à produção de vinhos de mesa e sucos também tiveram impactos e respostas diferentes à estiagem. Nesse sentido, as precoces estão com uma rentabilidade baixa e produzindo menos por área. “Essas variedades híbridas e americanas, geralmente com as bagas mais grossas, necessitam de uma demanda maior de água no engrossamento. Por isso, está muito comum encontrarmos Bordô, Niágara e Isabel, com um grão mais fino e isso vai provocar um rendimento mais baixo de volume”, frisa, ao mesmo tempo em que comenta dos casos de uvas que não conseguem ganhar grau porque faltou água, o que prejudicou o desenvolvimento.
“Acho que tem que ser repensada a questão da fertilidade dos solos em função da dinâmica do clima e isso, de forma geral, não foi pensado, não foi estruturado. Então temos respostas diferentes, principalmente nas uvas americanas, onde se busca produtividade para ter uma boa rentabilidade econômica e esse impacto pode ter sido negativo", conclui Venturin.
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