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A incalculável dor da perda

Motorista de uma das ambulâncias da prefeitura, Gilmar Lodeas nunca imaginou que iria atender acidente que resultou na morte do filho Fabiano

A rodovia estadual ERS-122, principal ligação entre Flores da Cunha e os municípios de Antônio Prado e Caxias do Sul, é cenário de inúmeras tragédias no trânsito. Porém, nem o melhor diretor de filme americano poderia pressupor o triste roteiro que se desenrolou na última sexta-feira, dia 14, no Km 89 da estrada, na localidade de São Gotardo. Por volta das 7h50min, o serviço de socorro da prefeitura florense foi acionado pela Brigada Militar (BM) para atender um acidente avaliado como grave.
A ocorrência resultou na morte do mecânico Fabiano Lodeas, 22 anos. O jovem era caroneiro da moto Honda Tornado placa IOJ-0715, de Flores da Cunha, dirigida por Marcelo Negri, 38 anos. O veículo foi atingido frontalmente pelo Palio placas IQQ-0761, de Esteio, que seguia no sentido Caxias do Sul-Flores. O carro era conduzido pelo professor universitário Roger Luis Puglia, 44 anos.

Como faz todos os dias, o motorista da ambulância municipal Gilmar Lodeas, 47 anos, acompanhado de socorristas, deixou o Centro de Saúde Irmã Benedita Zorzi, no Centro de Flores, para atender ao chamado. E tentar salvar mais uma vida. Seis minutos depois de ser informado, Gilmar chegou ao local. “Do meio da pista reconheci a moto. Imediatamente parei a ambulância e desci correndo. Nisso avistei meu sobrinho, o Marcelo. Ele me olhou e abaixou a cabeça. Corri até o corpo que estava atirado no chão e, para o meu desespero, vi que era o meu filho”, conta, entre lágrimas, o protagonista do mais recente filme de terror ocorrido na ERS-122.

Com 11 anos de experiência como socorrista, Gilmar acreditava que já tinha visto de tudo, em se tratando de acidentes de trânsito. Porém, custou em acreditar na cena que estava diante de seus olhos. “Me aproximei. Levantei a cabeça dele e o segurei no colo. Gritava e falava com ele, esperando que ele acordasse, mas verifiquei que não tinha mais pulso e que não respirava mais. Meu filho estava morto”, relata, com desespero, o pai de Fabiano Lodeas.

Gilmar afirma que é impossível descrever o sentimento de impotência que sentiu naquela hora. “Já salvei tantas vidas nesses anos todos, mas não consegui salvar a vida do meu filho. Isso é o que mais me dói nesse momento.” A mãe da vítima, Terezinha Pedron, conta que estava no trabalho quando recebeu um telefonema da esposa do sobrinho Marcelo, dizendo que os dois teriam sofrido um acidente em São Gotardo. Sem mais informações, ela ligou para o posto à procura do ex-marido, que havia se deslocado para o atendimento. Apreensiva com a coincidência, ela ligou para o seu outro filho, Fabrício Lodeas, relatando-lhe o ocorrido. Em seguida, o jovem retornou a ligação, chorando e contando para a mãe que seu irmão era a vítima fatal do acidente.

Com a colisão, o corpo de Fabiano foi arremessado a mais de 40 metros, causando uma fratura exposta na perna esquerda e o rompimento da aorta, maior e mais importante artéria do sistema circulatório do corpo humano. Marcelo sofreu uma fratura no antebraço esquerdo e foi transferido para o Hospital do Círculo, em Caxias do Sul, onde passou por cirurgia. Conforme familiares, ele seria liberado ontem, dia 20, mesmo dia em que prestaria depoimento na Delegacia de Polícia (DP) de Flores.
Fabiano era mecânico, assim como o primo Marcelo, e naquela manhã se deslocava para a empresa onde trabalhavam, em Caxias do Sul. “Ele era muito trabalhador e adorava o emprego que tinha. Sempre foi apaixonado por carros, desde pequeno”, relata o pai. “Nós temos muito orgulho de ter tido um filho como o Fabiano. Ele era um jovem muito querido por todos. Onde passava, só fazia amizades. A alegria dele contagiava a todos. Estava sempre bem disposto e sorrindo”, conta Terezinha, também contendo as lágrimas.


Laudo policial aponta que motorista do Palio estava embriagado
Segundo a Brigada Militar (BM) de Flores da Cunha, o condutor do Palio, Roger Luis Puglia, aparentava sinais de embriaguez, motivo pelo qual foi submetido ao teste do etilômetro digital (bafômetro). O resultado apontou 0,62 miligramas de álcool por litro de sangue, sendo que a lei considera crime índices acima de 0,33 miligramas. Sem ferimentos, Puglia foi encaminhado para a Delegacia de Polícia (DP) florense e, em seguida, preso em flagrante. Segundo a delegada Aline Martinelli, ele foi indiciado por homicídio doloso (quando existe a intenção de matar) e pode cumprir pena de seis a 20 anos, caso seja condenado.

O advogado de defesa contestou publicamente o laudo feito pela polícia no dia do acidente e apresentou outra versão para justificar o fato. Segundo Vitor Hugo Gomes, Puglia é diabético e a doença teria alterado o resultado do teste. Além disso, o advogado sustenta que o bafômetro utilizado na ocasião não estava auferido como prevê a lei. As versões foram descartadas pela delegada florense. “Essa hipótese de que a diabetes poderia alterar o resultado não é verídica. Isso não existe. Quanto ao bafômetro, declaro que ninguém, além de mim e dos policiais teve acesso ao aparelho, que é auferido, sim, conforme a periodicidade exigida por lei (anualmente).” Conforme Aline, no dia 18 o Poder Judiciário teria estipulado fiança ao acusado referente a 40 salários mínimos. Até a tarde de ontem, dia 20, o valor não havia sido pago.

Sete dias depois do acontecido, e ainda sofrendo pela dor da perda do filho, os pais de Fabiano Lodeas, vítima do acidente, clamam por justiça. “Nada vai trazer ele de volta, mas esperamos que a Justiça seja feita para que isso não se repita e que outros pais não precisem chorar a morte de um filho”, desabafa Terezinha Pedron. “Só o que eu desejo é que ele pague pelo que fez. Um professor universitário deveria dar exemplo às pessoas. Lamentamos, porque a lei brasileira permite que alguém assim pague uma fiança e saia da prisão. Em pouco tempo estará por aí cometendo os mesmo delitos. Isso precisa mudar”, indigna-se o pai, Gilmar Lodeas, que está licenciado do trabalho até o final de outubro. Ele pensou em trocar de função depois do ocorrido, “porém cada vez que for chamado para atender uma ocorrência irei com o coração apertado, mas essa é a minha profissão”.


Os pais Terezinha e Gilmar pedem para que motorista causador da tragédia, que estava embriagado e na contramão, permaneça preso. - Mirian Spuldaro
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