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A economia sobre rodas

Caetano Posso, de 58 anos, defende que mesmo com todas as dificuldades o dia do motorista deve ser comemorado

Dirigir um caminhão vai muito além de sentar no banco do motorista, ajustar o cinto de segurança, segurar o volante e passar horas e horas percorrendo estradas e conhecendo lugares e pessoas.  Ser motorista é a arte de transportar a economia sobre as rodas, é a responsabilidade de entregar o alimento que chegará até a mesa das famílias, é conectar o Brasil de Norte a Sul e de Leste a Oeste, é o ato de aproximar por meio de entregas. 
Mesmo incumbidos dessa nobre tarefa, o número de pessoas que trabalha nessa profissão tem diminuído ano após ano e, consequentemente, a dificuldade para encontrar profissionais torna-se cada vez maior. Pelo menos esse é o relato da RFP Transportes, de Flores da Cunha, que sente na prática essa situação.  “Os motoristas estão sempre trocando e acredito que isso aconteça mais pela questão das viagens mesmo, afinal, eles não têm apoio nenhum, chegam em um posto de combustível e tem que comprar ficha para tomar banho, aí vão tomar banho e tem 5 minutos, as pessoas não têm essa paciência que a gente tinha na nossa época. Os que entram na profissão hoje, em uma viagem com todas essas dificuldades, eles desistem”, explica o linha de frente da transportadora, Caetano Posso, de 58 anos.
Posso, que já atuou como caminhoneiro por mais de 25 anos, revela que outro ponto que desmotiva bastante os novos profissionais é quando eles vão entregar uma mercadoria e as pessoas que recebem olham com certa desvalorização, citando, inclusive, que em muitos locais sequer deixam usar o banheiro. “Na minha época a gente saía para a estrada, chegava no posto de combustível e tínhamos direito a tudo, hoje a gente não consegue mais nem tomar banho. Se, por acaso, chegava no posto e não tivesse sabonete ou papel higiênico eles te davam, e hoje está tudo muito difícil. Penso que os postos deviam dar mais apoio para os caminhoneiros, afinal, se chega em um posto e não abastece eles não deixam nem ficar no pátio! O Brasil, se parar os caminhões e os motoristas o país vai morrer porque ninguém mais come e ninguém mais bebe. Se não tiver o caminhão e o motorista nem a agricultura não sai do chão, fica tudo lá”, reflete, revoltado com a falta de valorização da categoria. 
“Está bem difícil, eles (governo) estão nos parando de tudo quanto é jeito; parece que querem que o caminhão pare mesmo porque não tem mais apoio em lugar nenhum”, lamenta o ex-presidente da Associação dos Motoristas de Flores da Cunha (2012-2019). Ainda de acordo com ele, os postos de combustíveis deveriam se sensibilizar mais com a causa dos caminhoneiros, uma vez que eles também dependem desses serviços, afinal, se os motoristas pararem os postos também vão ficar sem combustível. “E a população também deveria ajudar, porque eles dependem do caminhão, mas se a gente resolvesse parar e fazer uma greve, por exemplo, o pessoal vai lá em uma fila brigar para pegar um litro de gasolina, aí não adianta”, analisa Posso. 
Já em relação à situação das estradas, o florense avalia que hoje há mais opções e para mais lugares e que, claro, existem trechos bons e ruins. Da mesma forma, segundo ele, ocorre coma questão da insegurança: “O que muda é que os acidentes acontecem bastante por causa do celular. A turma de hoje são guris novos e eles querem ‘botar andar o caminhão’, aí eles pegam o celular e esquecem o que estão fazendo. Se por um lado tem a facilidade dos caminhões novos, modernos, e do próprio celular, por outro tem essa dificuldade”, revela Posso, acrescentando que os veículos atuais “daria até para dirigir com um pé só”. 
“Por mais que hoje o caminhão tenha conforto e tudo, a população é outra, as pessoas querem computador, ficar nas mesas, sentadas.  Alguém que coloque a mão na graxa como eu colocava, esquece. Vão ter que pensar em alguma coisa para melhorar porque daqui a pouco não vai ter mais ninguém que faça isso”, desabafa o motorista acerca da falta de incentivos para a categoria. 
Outro desafio carregado pelos caminhoneiros vai além do trabalho e da estrada, talvez seja um fardo ainda mais pesado: a saudade de casa. O pai de Rafael, de 31 anos, Fernanda, de 27 anos, e marido de Zélia Peretto Posso, de 58 anos, emociona-se ao falar sobre o assunto: “Às vezes tinha que esquecer um pouco que tinha família, senão a gente não sai do chão. Se começar a parar e pensar muito não dá certo.  Geralmente eu passava um mês, um mês e pouco fora de casa, na minha época a maioria ficava esse tempo para mais”, recorda. 
Por outro lado, o trabalho também permitia algumas viagens em família, mesmo que o desfecho não fosse tão bom quanto o esperado: “Para mim o que mais foi difícil nesses 25 anos foi quando tombei o caminhão lá no sertão do Piauí (PI), a minha esposa estava comigo, faz 31 anos isso. O caminhão só virou de lado, a Zélia estava dormindo e se machucou um pouco nas costas, eu não me machuquei. Ficamos quase uma semana embaixo de um pé de umbu esperando até vir outro caminhão para trocar e podermos descer e voltar de viagem. Foi um susto”, lembra o empresário.
Mas a estrada também tem seus pontos positivos, especialmente para alguém que ultrapassou as bodas de prata no relacionamento com ela: “O lado bom de ser caminhoneiro é que a gente sai, conhece outros lugares, municípios, outras pessoas, vê coisas que nem faz ideia que tem, faz amizades. E cada lugar, cada estrada, é um tipo de pessoa. Quem vai para o nordeste vê coisas que a televisão não mostra, aprende muito. Eu viajei por praticamente todo o Brasil, e Argentina – só não subi as Cordilheiras e não fui a Manaus de balsa, de resto passei por tudo”, orgulha-se o motorista. 
Hoje, à frente da RFP Transportes, ele percebe que o cenário do caminhoneiro muito se assemelha ao do agricultor: “O colono está em uma situação quase como a nossa porque eles têm pouco apoio também, e se for pensar pelo lado do governo não sai nada, então tem que partir de nós mesmos e comemorar a data, mesmo com todas as dificuldades e saber que ainda temos muito que fazer e esperar que eles ajudem mais porque tanto o colono quanto o motorista, os dois estão no mesmo barco”, reflete Posso, concluindo que o apoio a essas categorias é fundamental, uma vez que elas têm o poder de movimentar ou  fazer parar o país.

Caetano Posso, de 58 anos, defende que mesmo com todas as dificuldades a data deve ser comemorada. - Karine Bergozza
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