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A difícil relação da criança e o mundo das mídias

Amanhã é Dia das Crianças, e elas estão ansiosas pelos presentes que já não se resumem a brinquedos e jogos, mas eletrônicos, como tablets, computadores e celulares. A mudança abre espaço para o desafio de regrar o uso

Nascer em uma época em que não é preciso passar horas numa biblioteca debruçado sobre livros para fazer pesquisas escolares. Essa é a realidade da chamada geração Z, que nasceu a partir de 1990. Nunca foi tão fácil encontrar e absorver tanto conhecimento com a ajuda das milhares de ferramentas disponíveis - da Wikipédia aos cursos online. É uma grande quantidade de estímulos que, em contrapartida, aumentam também as possibilidades de distração da criança ou jovem. Perante esse mundo virtual, como pais e professores podem auxiliar para que o mundo online ande a favor do desenvolvimento das crianças? Bom senso é um dos primeiros passos. 

Estimulação precoce, iniciação musical, natação, brinquedos educativos, cursos, smartphones, tablets, apps. A lista para o desenvolvimento de um filho está aumentando e ganhando novos itens, principalmente com as tecnologias eletrônicas. Uma pesquisa feita em 2012 pelo Instituto Nacional de Vendas e Trade Marketing (Invent) estimou em R$ 2 milhões os gastos das famílias abonadas com um filho até os 23 anos, incluindo educação, lazer, saúde e vestuário. Com brinquedos, informática, telefonia e tecnologia os gastos são de R$ 36,6 mil. Diante deste cenário, outras preocupações estão surgindo. Até onde os excessos, falando aqui de mídias, auxiliam no desenvolvimento e na educação de uma criança.

Facilidade de interação
Se para um adulto ver uma criança de cinco anos super integrada com um tablet é estranho, para a criança é normal. Segundo a doutora em Informática na Educação e mestre em Psicologia do Desenvolvimento e professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Carla Beatris Valentini, essas crianças estão em um contexto histórico diferente e lidam com a tecnologia digital de outra maneira. "Qualquer criança tem facilidade em interagir, a curiosidade e vontade de conhecer o mundo é natural do ser humano. A criança que nasce hoje já nasce no contexto de um mundo muito mais complexo e com infinitas formas de interação, muito mais do que de 50 anos atrás. Naturalmente ela aprende com maior facilidade", explica Carla. Nessa gama de interações a criança aprende a se comunicar, pensar e aprender de forma diferente, acompanhando um mundo mais ágil, interativo e dinâmico. "A criança tem uma necessidade de explorar para conhecer o mundo e as tecnologias digitais, as mídias são uma grande porta de acesso para isso", complementa Carla. É a partir de então que os reflexos dessas facilidades se tornam mais presentes. Ao mesmo tempo em que a criança olha para as coisas de forma diferente deve estar atenta para não perder a concentração e o foco, que com tanta informação se tornam mais frágeis. "A criança aprende de uma forma dinâmica e hipermidiática, ou seja, ela não aprende só ouvindo, mas aprende fazendo. O que pode preocupar nisso é na questão de concentração, mas essas crianças se desenvolvem fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo", acrescenta a professora.

   Carla lembra que a interação pode acontecer de várias formas. Existem as formas simbólicas como a escrita e a música, que são importantes para o desenvolvimento, mas que devem ser acompanhadas da interação com o mundo de forma concreta, como atividades físicas e o convívio social concreto e direto. "É neste momento que a influência dos pais e professores é fundamental", destaca.

Conversa aberta com os filhos

Em 2004 o jornal O Florense abordou em seu Caderno Especial de Dia das Crianças a inserção da informática na rotina dos pequenos. Um dos entrevistados foi o pequeno Vitor Bigarella, de cinco anos. Hoje ele já não é tão pequeno - está com 14 anos, mas a relação com as mídias não mudou muito. Na infância Vitor contava com a preocupação dos pais Jovelina Haas Bigarella e Roberto Bigarella para dosar o tempo em que passava na frente do computador. Hoje, embora seja um adolescente ativo e presente nas mídias sociais da internet, Vitor não se sente dependente de eletrônicos, como o computador ou o vídeo game, assim como seu irmão mais velho, Franco, de 15 anos.

A atual ‘desapego‘ dos irmãos pelas mídias é um reflexo da maneira como os pais optaram pela criação de ambos, apresentando outras opções que não incluíssem uma tela e botões. "Desde quando eles eram pequenos buscamos suprir a presença do vídeo game e do computador com outras atividades. Foi a opção que decidimos e hoje estamos felizes de que eles não tenham essa dependência e necessidade de estarem sempre conectados", completa Bigarella. A conversa aberta de pais e filhos é um dos passos que a família fez para a educação. "Nós sempre tivemos apenas um computador e eles tinham que dividir. O vídeo game chegou bem tarde e assim aprendemos juntos a valorizar e incentivar a prática de esportes, o contato com a natureza e o convívio familiar", valoriza Jovelina.

É claro que como jovens Franco e Vitor jogam vídeo game, navegam pela internet e não desgrudam do celular, mas ambos admitem que o grau de importância das mídias digitais não é tão alto como alguns amigos possuem. "Temos o notebook para os trabalhos da escola e usamos para outras coisas também, para assistir vídeos e conhecimento geral mesmo. Mas o tempo na frente dele é curto", conta Vitor. "Mas o celular eu não largo", completa Franco aos risos.

Pais e escola devem estar atentos e orientar

Historicamente a televisão foi uma das mídias que mais encantou, e ainda encanta, as crianças. Mas ela perdeu espaço quando os computadores, smartphones e tablets chegaram trazendo a interação que não existe na tela colorida do televisor. Em frente ao computador a criança escolhe o que quer ver e, mesmo em um simples jogo, está recebendo estímulos. Esse é o fator de tanto desejo e que exige o acompanhamento dos pais e professores. "Existem estudos que destacam a importância da escola e dos pais quando a criança entra para o mundo das mídias. São eles que introduzem possibilidades e referências do que é bom e o que não deve ser feito. Se isso não acontecer, a criança vai aprender sozinha, sem a orientação que é fundamental",   esclarece a mestre Carla Beatris Valentini.

Nas salas de aula as tecnologias digitais muitas vezes são vistas como um problema, uma disputa de atenção com o professor. De acordo com Carla, a educação deve se inovar para acompanhar essas crianças e jovens tão conectados. "É claro que pensando em uma escola que transmite conhecimento, o acesso livre nessas tecnologias é complicado, mas precisamos repensar a escola e a forma que ela vive e se insere na cultura digital. As crianças mexem com o digital e a escola é um dos espaços mais distantes do mundo tecnológico. A reflexão é como construir uma sala de aula onde haja interação e onde as crianças tenham prazer em aprender", argumenta.

Que toda criança, ou quase toda, adora tecnologia é fato, mas Carla complementa que cabe ao adulto propor outras atividades. Programas que se tornem divertidos para todos, incluindo o corpo, movimentos e o contato com a natureza. "Podemos ensinar as crianças, mas também aprender muito com elas. Os pais devem interagir e mostrar-se interessados também", complementa a professora.


Na família Bigarella o uso das mídias foi orientado desde cedo. - Camila Baggio
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