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A Cuba que se leva na pele

Hiperativo, barulhento, alegre, solidário, carinhoso, folião... Muitos adjetivos são enumerados ao falar de um cubano. Conheça mais deste povo mestiço que desfruta da sua diversidade com sorriso aberto e olhos atentos

Muito tenho falado nestes dias sobre identidade e nostalgia. Venho de um país muito particular, que mistura ternura com complexidade. Ter-se decidido por um caminho político tão diferente do seguido pela maioria dos países do mundo o torna quase um mistério do qual muitos querem conhecer. Explicar essa ilha-país é muito difícil, mesmo para aqueles que nasceram lá.

No meu caminho pelo Brasil muitas e diversas, inclusive distantes entre si, foram as opiniões que ouvi sobre o meu país. Embora o conforto material para a maioria das pessoas esteja longe do ideal e as carências tenham caracterizado o nosso caminho por tanto tempo, também grandes conquistas nos fazem como somos.

Gosto muito do meu país desordenado, contraditório e genuíno. Pode ser a saudade ou mesmo esse olhar sentimental próprio de alguém que se sente longe de suas raízes, mas tenho certeza que não sou a única que pensa que Cuba, com cerca de 11 milhões de habitantes, é uma nação bela e autêntica. Povo, cor e originalidade, misturada com muito orgulho, rebelião e saber popular, nos moldam. Pelo menos isso é o que eu vivi e é precisamente o que eu quero mostrar: a Cuba que eu conheço, da qual muitas pessoas dentro e fora dessa terra já cantaram. E esta é a terra mais bonita que olhos humanos já viram...

Talvez seja pura lenda, mas não são poucos os que afirmam que estas foram as primeiras palavras do almirante Cristóvão Colombo ao chegar a costas cubanas por volta de 1492. A natureza pródiga da ilha com a intensidade de suas nuances rapidamente seduziram ao conquistador que, por acaso, chegou neste lado do mundo. Mais de 500 anos depois desse primeiro encontro, paisagens e cores cubanas ainda encantam estrangeiros de todas as partes do planeta – de fato, só de janeiro a setembro de 2013 registrou-se a chegada à ilha de mais de 2 milhões de visitantes.

Ainda hoje as praias e cenários naturais são uma verdadeira festa para os sentidos, onde perdura muito de virgindade em comparação com o tratamento que em outros países recebem tais ambientes. Além disso, devido a longa história de conquistas, pertinências e liberações, a arquitetura e a visualidade da poética ilha são, sem dúvida, muito particulares. Um charme de velhice clássica e boêmia, às vezes bastante triste, mas sobretudo altiva e poderosa, se conjuga com novos prédios, edificando um panorama dificilmente replicável. Suas cidades, especialmente Havana, Trinidad e Santiago de Cuba são semelhantes em detalhes com outras do mundo, mas não muito, e todas têm a forte capacidade de mobilizar sentimentos.

Eu moro em Havana e ela, como toda a ilha, tem cheiro de sal. O mar ao redor de cada parte dá-lhe essa umidade e esse sabor de ar que só aqueles que a vivem podem identificar e lembrar. Azul de trópico e tons intensíssimos de luz compõem o horizonte. Também estão os edifícios corroídos e nus, memórias doloridas do passar dos séculos, das pessoas e da negligência. Mas isso não é tudo. O fato de coexistirem construções antiquíssimas com outros edifícios do Século 19 e prédios modernos fazem desta urbe uma capital muito pitoresca, onde cada qual encontra sentimentalmente o que procura e onde todos podem obter uma visão apaixonada ou drástica, sem meias palavras.

Para o mundo as imagens de Cuba e Havana são quase sempre sobre destruição; o Centro Histórico é realmente antigo, mas muito dele ainda é Patrimônio da Humanidade e são numerosos os esforços e recursos destinados para o resgate, isso sem afetar suas características originais nem seus moradores atuais. Ao mesmo tempo, bairros como o Vedado lembram o glamour dos poderosos antes da Revolução de 1959, com o seu estilo elegante e clássico, enquanto o Miramar se destaca pelos seus grandes hotéis, embaixadas e arquitetura aprimorada, o qual pode compor um passeio excepcional para aqueles que vão além do preconceito.

Foto/Nicolás Muela/Divulgação

Vista parcial do Teatro de Havana, no Centro Histórico.

Cantar, dançar, comer, viver...

São poucos os povos onde a música é uma constante quase obrigatória no dia a dia. Como uma trilha sonora permanente, Cuba é musicalidade por onde seja que o visitante se movimente. Raízes indígenas, espanholas, africanas e chinesas junto à força do trópico dão vida a essa humanidade antilhana que exala ritmo e sensualidade. A vida, apesar de muito complexa, se torna sempre mais gostosa com os amigos, o clássico jogo de dominó, uma garrafa de rum e música. Dançar também é algo que corre no sangue da maioria dos cubanos como uma urgência. Ritmos como rumba, son e salsa temperam festas e encontros com grande barulho e felicidade na maior das Antilhas, num auge de corpos, suor e prazer que parece explodir em cada rosto, olhar astuto e risada insinuante.

O sorriso natural e o abraço gratuito também são outras das características desse povo laborioso e esforçado. Até o mais desconhecido torna-se amigo e irmão num piscar de olhos. E há uma energia interna e contagiosa, misturada com um monte de solidariedade e comunicação de vozes exaltadas mesmo em tempos como estes, onde o resto do mundo se debruça cada vez mais em redes digitais e intangíveis. Lá a infraestrutura de internet e todos os seus mecanismos são ainda muito pouco desenvolvidos, mas em compensação, o abraço permanece como o melhor dos cumprimentos.

Segurança social e segurança pública são outros dos pilares. Cuba ainda é um país consideravelmente seguro, onde caminhar à noite com os amigos e desfrutar do mar não parecem uma heresia à integridade humana. A cultura geral também nos distingue. Até quem menos parece pode discutir questões potencialmente eruditas como o cinema francês, balé, aquecimento global ou sociologia moderna, inclusive com abundância de detalhes. O fato de receber educação gratuita e obrigatória desde a infância até o ensino médio e, além disso, permitir o acesso sem custo à universidade fez um povo com uma base intelectual digna de reconhecimento. Isso sem contar dos esforços do governo para colocar a cultura ao alcance de todos, promovendo a literatura, dança, teatro e cinema, mesmo com os preços subsidiados e muito acessíveis em comparação com outros lares do mundo.

Justo por essa vocação cultural e essa rítmica ancestral são inúmeros os músicos, dançarinos e escritores que se destacam e se destacaram no cenário mundial. O esporte, a medicina e a biotecnologia também são triunfos irrefutáveis que compõem a nossa identidade. O beisebol, por exemplo, é o esporte nacional.

E o que dizer da gastronomia. Processo histórico e cultural como em todos os povos, a indiscutível mistura de raças e origens que foram berço do crioulo cubano também trouxe uma culinária colorida, variada e saborosa. Mesmo quando a força do Período Especial em Tempo de Paz marcou uma tremenda época de carências, a inventiva popular pulou e criou pratos e composições que, enquanto lutavam para continuar alimentando o povo, não renunciavam à sedução do sabor. Arroz, feijão, banana, mandioca, frutas e legumes, carne de porco e frango compõem basicamente a nossa gastronomia e hoje, para grande felicidade de todos, estamos participando de uma renovação na gastronomia que unifica como nunca antes propostas internacionais com o mais autêntico e nativo de nosso paladar.

Rum, café e tabaco são embaixadores de excelência quando se trata dessa ilha caribenha e especial. Séculos de história têm esses produtos e, tanto, pela tradição em seus processos como pelo valiosíssimo terroir que os produz, todos são muito cobiçados e reconhecidos. Os Habanos, por exemplo, são os únicos charutos do mundo em ter uma Denominação de Origem Protegida na faixa premium e são autenticamente cubanos. Também acontece com o rum: Havana Club ou Santiago, por nomear só alguns, conquistaram os bon vivants e especialistas de todo o mundo e são muitos os que, por estas razões, voltam uma e outra vez ao país para desfrutá-los.

Foto/Abel Ernesto/Divulgação


Uma porta aberta, uma ilha em palpite

Hiperativo, barulhento, alegre, solidário, carinhoso, folião, muitos adjetivos se enumeram ao falar de um cubano. Trabalhadores, apaixonados, orgulhosos, seguros e amigos são outras das características que são adicionados nesse rosário (nem todas as vezes puro, nem todos os momentos pouco parcial, mas não poderia ser de outra forma).

Lá, Xangô e Santa Bárbara no mesmo altar como um teste do mais natural e intenso sincretismo. Povo mestiço e belo que desfruta da sua diversidade. Sorriso aberto e olhos atentos, crianças que ainda brincam com os seus sonhos e os seus amigos e menos com a eletrônica. Ônibus lotados, mas pessoas estilosas, mulheres e homens sensuais que se sabem humanos e que aprenderam ao longo do tempo e com a vida a esconder suas mágoas e sofrimentos por trás de uma piada e uma picardia. Política e sociedade como um matrimônio de anos, às vezes muito bom, às vezes nem tanto. Gente que resiste e se recria, palpite constante no meio do Caribe. Ilha, multidão e uma experiência que se crava no peito e que vale a pena conhecer e viver, porque é, como muitos já disseram, outra maneira de aprender a contemplar.

* Jornalista de Cuba que participa de um intercâmbio até o final de janeiro na Editora Novo Ciclo (jornais O Florense e A Vindima e revista Bon Vivant).

 - Jorge J. Pérez/Divulgação
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