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A advocacia em tempo de pandemia

Advogado florense instiga a reflexão da aplicação do Fato do Príncipe frente ao provável encerramento das atividades empresariais de inúmeras empresas durante a crise da Covid-19

O advogado florense Guilherme Bettiato Bortolotto, juntamente com as advogadas Natasha Giacomet e Cleide Calgaro, instigaram a reflexão acerca da possibilidade de aplicação do Fato do Príncipe frente ao provável encerramento das atividades empresariais de inúmeras empresas durante a pandemia da Covid-19. Entende-se como Fato do Príncipe quando uma autoridade pública (municipal, estadual ou federal), mediante a edição de uma lei ou decreto, modifica as condições de um contrato, provocando prejuízo econômico a uma das partes. Tal interferência pode gerar indenização para os prejudicados.  
Conforme Bortolotto, o estudo ganhou notoriedade após o presidente da República, Jair Bolsonaro, falar durante entrevista que “tem um artigo na CLT que diz que todo empresário, comerciante, etc., que for obrigado a fechar seu estabelecimento por decisão do respectivo chefe do Executivo, os encargos trabalhistas, quem paga é o governador e o prefeito”. Tal referência a CLT, diz respeito ao seu artigo 486, que trata do instituto jurídico do Fato do Príncipe. 
Prevê o artigo 486: “no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.
No trabalho dos advogados, intitulado ‘Aplicação do Fato do Príncipe nas relações trabalhistas em razão do estado de calamidade pública gerada pela pandemia da Covid-19’, foi realizada uma pesquisa com intuito de verificar a existência ou não da aplicação do Fato do Príncipe em processos já julgados. “Ao pesquisar e analisar por amostragem, mais de 20 decisões judiciais, datadas entre o período de 2011 a 2019, elencadas nos sites do TST e tribunais regionais do trabalho (2ª e 4ª região), não foi localizado nenhum julgamento favorável às empresas, legitimando a aplicação do instituto do Fato do Príncipe”, declara o advogado Bortolotto. 
Dentro da amostra estudada, foi possível constatar que os processos que foram apreciados pelos tribunais regionais e até pelo TST visavam discutir, em sua maioria, a aplicabilidade do Fato do Príncipe acerca do encerramento das atividades empresariais ocasionadas por diversos problemas, tais como expurgos inflacionários do FGTS; edição de lei municipal que criou área de preservação permanente impossibilitando a empresa proprietária do terreno de operar; ausência de adimplemento por parte de contratante sendo órgão público; alegação de condições financeiras precárias ocasionadas por adimplência de clientes; dificuldades financeiras ocasionadas por crises econômicas; e outras dificuldades oriundas do exercício das atividades empresariais. “Todos estes pleitos foram analisados pelos tribunais e entendidos que tais ocorrências são inerentes ao risco de empreendimento e, como tais, deveriam ser suportadas pelo empregador, não podendo ser repassados ao empregado e administração pública. Sendo assim, judicialmente, tais situações foram consideradas como imprevidências do empreendedor, cujas quais excluem a razão de força maior e aplicabilidade do fato do príncipe”, informa.
De acordo com o advogado, diante da repercussão e dimensão deste instituto, é possível verificar que não é tão simples a sua aplicabilidade, sendo imprescindível a atuação do Poder Judiciário para seu efetivo resultado. “Por enquanto, a mera alegação de dificuldade financeira não basta para que uma empresa justifique uma rescisão contratual com base no Fato do Príncipe, simplesmente sugerindo a seus empregados que busquem suas indenizações junto à entidade governamental”, diz. 
Diante do destaque que este tema ganhou, o Governo Federal, ao converter a MP 936 na Lei 14.020, de forma categórica, rechaçou qualquer possibilidade de aplicação deste dispositivo, “uma vez que em seu artigo 29 veda expressamente sua aplicação nas rescisões ocasionadas em razão das medidas de enfretamento da Covid-19”, relata Bortolotto.  
Bortolotto pretende estender e aprofundar seus estudos em seu mais recente artigo, que visa discutir e questionar a Lei 14.020 e a aplicabilidade do Fato do Príncipe: “Até o presente momento jamais se vislumbrou na história de nosso país algo próximo a esta pandemia. São tantos desencontros de informações por parte da administração pública, neste abre e fecha, que as empresas estão agonizando. Conforme dados levantados pelo IBGE, apenas na primeira quinzena de julho, foram fechadas mais de 500 mil empresas em todo território nacional. Se tal instituto não puder ser aplicado neste cenário catastrófico, pandêmico e imprevisível, em qual momento poderia o mesmo ser aplicado?”, questiona o advogado.

 

Advogado Guilherme Bettiato Bortolotto.  - Bruna Comin/ Divulgação
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