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96 Anos Flores: um patrimônio da comunidade

Há 64 anos surgia o Hospital Nossa Senhora de Fátima, embasado num diferencial, ser beneficente e comunitário

 

Transcorria a metade da década de 1950. No pequeno município de Flores da Cunha, com uma população pouco superior a 11 mil habitantes, cuja grande maioria residia na área rural, circulavam fortes rumores sobre a questão da saúde. Desde 1941, primeiramente público e depois particular, existia o Hospital Santa Terezinha, de propriedade do doutor Antônio Tassis Gonzales e, no ano de 1954, houve a instalação, através da Secretaria Estadual, de um Posto de Saúde local, sob direção do recém-formado doutor João Manoel Britto.

Nessa época, uma doença podia levar todo o patrimônio de uma família, bens, uma colônia, uma safra, as economias de uma vida inteira. Relatos dos mais antigos poupados desse infortúnio ainda comprovam, “teve sorte que não gastou dinheiro com doenças”. E, como hoje, à sua época, haviam doenças que, diante da precariedade do sistema, levavam a vida de várias pessoas num mesmo período. Fosse o “gropo”, o tifo, a tuberculose, colite, meningite, entre tantas outras, sem ignorar partos, cirurgias, sarampo, varíola.

Nesse contexto, diversas eram as doenças diretamente ligadas a questão respiratória e que, nessa época, assim como foi por muitos anos depois dela, era comum que as pessoas trabalhassem debaixo de chuva, molhadas, com frio, pouca vestimenta e parcos calçados. Não era diferente para as crianças, fosse para ir à escola ou auxiliar no trabalho, o que faziam desde muito cedo, com 6 ou 7 anos de idade. Para salvar a vida em caso de alguma fratura, buscavam os “rangia ossi”, quando esses não podiam resolver pela gravidade do ocorrido, não raro, optava-se pela amputação de braço, perna, dedos, para evitar infecções generalizadas.

Além das preocupações e do estresse causado pelas doenças, a alguns restava somente deslocar-se até a cidade de Caxias do Sul para atendimento e, outros casos menos comuns, ainda eram tratados em Porto Alegre. Esses, por sua vez, geralmente aconteciam por intermédio da prefeitura. Todavia, não se pode negligenciar as dificuldades desses deslocamentos numa época em que, exceto a sede municipal, a grande maioria das famílias não tinham energia elétrica, as estradas eram de chão batido, praticamente não havia automóveis, quando muito um ou dois caminhões em cada comunidade, além de poucos percursos e horários de transporte coletivo entre os municípios. Qualquer doença que chás, benzeduras, arrumações ou graças alcançadas não resolvesse, era preciso recorrer aos vizinhos motorizados e rezar muito para que não fosse o pior. Essas situações controversas, os custos e as dificuldades de deslocamento, começaram a ganhar espaço nas rodas de conversa.

A chegada do Dr. Britto, clínico, cirurgião e obstetra, aparecia como uma nova possibilidade. Além de clinicar no Posto de Saúde de Flores da Cunha, estabeleceu um consultório na cidade. Porém não tinha onde internar seus pacientes, precisando deslocá-los para Caxias. Paralelamente, dois ou três casos que não serão relatados, fizeram com que, mediante as preocupações existentes, começasse uma mobilização para abertura de uma nova casa de saúde. O que faltava para essas ideias abandonarem as improbabilidades de dois hospitais num pequeno município era apenas a iniciativa de alguém. Raymundo Paviani, na condição de prefeito, não por motivos pessoais ou políticos, mas pela preocupação com o bem-estar de todos, sentiu-se na obrigação de buscar uma solução breve e eficiente.

Dificuldades

A prefeitura municipal, construtora e proprietária do Hospital Santa Terezinha no início da década de 1940, o vendeu por dificuldades financeiras de manutenção e funcionalidade. Naquele momento, também não dispunha de arrecadação suficiente para abertura de outro estabelecimento. Ainda assim, por sugestão de Frei Eugênio, vigário da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes e importante liderança local, houve a tentativa de aquisição do Hospital Santa Terezinha. Infrutífera, Paviani sugeriu então ao Frei uma reunião com as pessoas que se mostravam interessadas na solução do problema e outra com o Bispo da Diocese de Caxias do Sul, Dom Benedito Zorzi, para buscar orientação. Na época, a Mitra Diocesana estava vinculada a diversos hospitais, que por sua vez tinham em seu quadro funcional irmãs de congregações como São José e São Carlos, que exerceram importantíssimo trabalho nessas instituições.

Envoltos no clima de possibilidades que surgiam e na motivação de um número significativo de moradores, a ideia da construção de uma nova casa de saúde começou a tomar proporções sem volta, ainda que alguns duvidassem que seria possível. Assim, no ano que o município completava 32 anos de emancipação, no dia 8 de julho de 1956, no salão paroquial, já sob administração municipal de Severo Ravizzoni, aconteceu uma reunião aberta a comunidade e na qual o próprio Bispo esteve presente, assim como o vigário Frei Eugênio e o Padre Antônio Alessi, vigário da Paróquia Santo Antônio de Nova Pádua, Dr. Britto e cerca de outras cinquenta pessoas.

Naquele momento, aprovado por unanimidade, nascia o Hospital Nossa Senhora de Fátima de Flores da Cunha, embasado num diferencial, ser beneficente e comunitário. A entidade hospitalar foi dirigida por seus fundadores e por representantes da Mitra e, atualmente, pelos descendentes dos sócios fundadores, sendo o hospital administrado por profissionais especializados. Com a colaboração de muitos, tornou-se referência regional para seis municípios.

Gissely Lovatto Vailatti

Professora de História, pesquisadora e escritora

Primeira ala do Hospital Nossa Senhora de Fátima. - Arquivo OF
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