Geral

96 anos Flores: As estradas de Nova Trento

Pelo que se vê nos mapas, a localidade de Nova Trento ficou fora da mais importante estrada, a chamada “Geral”

 

Flores da Cunha nasceu a partir de 1876, quando os imigrantes chegaram no demarcado núcleo urbano, situado na 15ª Légua da Colônia Caxias. Foram em torno de 30 famílias oriundas das regiões do Vêneto, do Piemonte e da Lombardia. A área era coberta por extensos pinheirais e imensas matas. Exaltados por inúmeros vultos, a imigração italiana foi destacada por terem domado as terras acidentadas, em regiões praticamente virgens e inóspitas, longe de rios navegáveis, distante de ferrovias, isoladas de grandes centros urbanos. Foi ali, exatamente na 15ª Légua, que foram deixados mil hectares, com a previsão de construção de uma cidade, que deveria se constituir o centro da colonização italiana da região. O projeto do engenheiro urbanista Diogo dos Santos possuía uma visão do futuro. O destino, por uma série de fatores, decidiu que a grande cidade surgiria no antigo Campo dos Bugres (nome de 1877), mesmo que não existissem condições, como era o caso da falta de água. 

Surgiram dois povoados: de São Pedro e São José. Posteriormente, os moradores da capela de São José, em especial pela falta de água, se juntaram à comunidade de São Pedro. Entre as diversas manifestações, começou-se a pensar num nome para designar o povoado que fora ampliado. Dos diversos nomes, foi acolhido, segundo o historiador João Spadari Adami, o de Nova Trento. Aqui acrescento que documentos relatam que, por certo, tinha sido sugerido Novo Trento, pois, Trento é um nome masculino – ao invés, para comparar, como (a) Nova Vicenza, (a) Nova Pádua, (a) Nova Veneza, para citar algumas. Com o tempo, como outros nomes masculinos, se somando à expressão “localidade”, ficando 'Noa' Trento. Localmente, relembro a vila de Marcolino Moura, que vira Marcolina, a nossa Otávio Rocha de hoje.

Pelo que se vê no mapa da Colônia Caxias, a localidade de Nova Trento ficou fora da mais importante estrada, a chamada “Geral”. No mapa, são apresentados os diversos acessos a Caxias. E é assinalada a passagem da “Estrada Geral”, que unia aos Campos de Vacaria, rumo ao centro do país, pelos povoados de Santa Catarina, Nossa Senhora da Saúde, Linha 40, Linha 60, Travessão Marques do Herval (em área do atual distrito de Otávio Rocha), Travessão Alfredo Chaves (Nova Veneza). A estrada continuava até o Rio das Antas, no chamado Passo do Simão, que tinha uma balsa autorizada pelo Governo Federal. Os imigrantes, em especial a partir de 1886, rumaram até a sede da 6ª Colônia da Imigração Italiana: Antônio Prado.

O povoado de Nova Veneza constituía-se no grande centro regional, pois era ali a passagem dos imigrantes que se destinavam a Antônio Prado. E ainda os tropeiros, os carreteiros, tropas de gado, de mulas. A localidade contava com uma regular infraestrutura com pousadas e comércio

Por certo, Nova Trento tinham estradas via São Gotardo e outras pelos travessões, mas foi só a partir de 1900, com a abertura de uma nova via unindo a Antônio Prado, via Passo do Zeferino, com uma balsa, que se transferiu o movimento que passava pelo Travessão Alfredo Chaves. 

O destino de Nova Trento e Antônio Prado, a partir dali, foi terrivelmente comprometido, quando o local da construção de uma ponte de ferro, importada da Inglaterra e destinada ao Passo do Zeferino, foi transferida. Por influência de forças políticas de Vacaria e Caxias, foi a mesma instalada na Estrada Rio Branco, sobre o Rio das Antas, no distrito atual de Criúva, e chamada de Ponte dos Korff.

Deve-se destacar ainda, do primitivo caminho que de Nova Trento seguia-se até o Passo do Zeferino. Havia um desvio a direita, com ponte de ferro sobre o Rio São Marcos, com destino à vila com o mesmo nome de São Marcos. Tal ligação, por muitos anos, se constituía a única com a região italiana, até, aproximadamente, 1940, quando foi concluída a BR-2, atual 116. São Marcos e sua gente se dirigia a Caxias, finalmente, sem passar por Flores da Cunha.

Os novos lotes coloniais de Antônio Prado e São Marcos acolheram centenas de famílias da 1ª e até da 2ª geração de trentinos e de paduenses, que foram em busca de novas terras e se colocaram ao lado de imigrantes que estavam chegando do além-mar.

 

Nova mudança

Em 1910, Caxias recebe o trem. Constituía-se em tal melhoramento, para o desenvolvimento da pequena cidade. O sonho de Nova Trento se estendeu até 1935, com a última cartada de trocar até o nome para Flores da Cunha. Mas nas décadas de 1930 e 1940, Nova   Trento   e   Antônio Prado sofrem outro golpe: o traçado da BR-2, ao invés de seguir o caminho natural, mudou. Mais uma vez devido a forças políticas, que desviaram o traçado passando pela comunidade de São Marcos, muito mais perigoso e difícil de ser construído. Somam-se os dois profundos vales dos Rios São Marcos e Antas, e o traçado totalmente novo, rasgado entre altas rochas, pois ali não havia nenhuma estrada.

O tom belicoso que marcou a história entre Nova Trento e Caxias não foi sempre amargo em todo o tempo e nos setores. Caxias sempre foi o centro de saúde. Acolheu os inúmeros trentinos e florenses fornecendo-lhes educação, dando-lhe emprego, habitação e cultura. Oportunizou o contato com o mundo, por meio da rodoviária e do aeroporto. Ensinou a fazer turismo, em especial com as suas Festas da Uva. Vendeu alimentos, tecidos, cal, sulfato de cobre, cimento, zinco, vidros, tintas quando ainda Nova Trento não tinha como suprir estas necessidades. Foi sempre atenta as suas informações por meio da imprensa: jornais, rádios e nos últimos anos com as TVs.

Nos 96 anos da independência política de Flores da Cunha, devemos destacar as muitas dificuldades pelo isolamento involuntário, mas com o esforço de seu povo, acabou sobressaindo de forma calma e serena, e se apresenta hoje com uma extraordinária infraestrutura acolhendo a todos que se apresentam para viver no município. Parabéns a todos. Sem dúvidas, são motivos de orgulho os percalços e as conquistas de toda a trajetória que envolve a história desta região.

Floriano Molon

Pesquisador da imigração italiana com diversas obras publicadas

Abertura da estrada que liga Caxias a Flores em 1900. - Arquivo Museu Municipal
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