26 anos de uma ferida não curada
Falar sobre a tentativa de emancipação de Otávio Rocha ainda é difícil para muitos moradores
Indignação, lágrimas, atraso. Palavras ditas por muitas pessoas, moradoras de Otávio Rocha, que viam a tentativa de emancipação como um passo gigantesco no desenvolvimento da comunidade. Moradores que, 26 anos depois, ainda não gostam de falar ou relembrar o assunto.
Ao ler as edições antigas do O Florense de 1995, é possível entender uma pouco mais da mágoa de muitos.
A data precisa que iniciaram as tratativas e a vontade dos moradores de Otávio Rocha em buscar a emancipação não está registrada, mas em fevereiro de 1995, durante reunião de lideranças da Associação dos Amigos de Otávio Rocha e troca de cargos, o novo presidente, Arlindo Dani, destacou que seu principal projeto era conscientizar a comunidade quanto ao desejo de emancipação. Conforme a edição do O Florense, “Dani acredita nas possibilidades que a comunidade dispõe, além da capacidade de crescer e transformar-se em município”.
Com uma comissão emancipacionista formada, tendo como presidente João Batista Zilli (in memoriam), em maio do mesmo ano, a documentação para a emancipação foi enviada à Assembleia Legislativa. Na época, segundo Zilli, “toda a documentação deverá ser analisada e, se obtiver parecer favorável deverá ser transformada em Projeto de Lei para apreciação em plenário. Se aprovado o pedido de emancipação, o plebiscito será realizado no dia 22 de outubro deste ano”.
Em 1995, Otávio Rocha contava com 1.887 eleitores cadastrados nas três localidades a serem emancipadas – Otávio Rocha, Linha Sessenta e Mato Perso – 74 indústrias instaladas e 667 propriedades rurais. Conforme dados da Emater da época, a localidade produzia cerca de 30 milhões de kg de uva que resultavam em 29 milhões de litros de vinho anualmente, além de uma grande variedade de hortifrutigranjeiros.
“Com estes números, a comissão emancipacionista entende que Otávio Rocha tem todas as condições de se tornar um município próspero e progressista, pois terá uma boa renda de retorno de impostos. Para facilitar ainda mais, Otávio Rocha possui ligação asfáltica, posto de saúde, escola de primeiro grau, calçamento nas ruas centrais da vila, sistema de abastecimento de água e uma série de outros benefícios”, dizia a matéria publicada na edição 336, de 19 de maio de 1995.
De acordo com o morador da localidade e vereador, Ademir Barp, com os plebiscitos para as novas emancipações autorizadas, “o distrito de Otávio Rocha sentia que poderia caminhar com as próprias pernas e aplicar os recursos gerados no próprio município que se formaria”. Conforme ele, a população se envolveu e acreditou no projeto que, inclusive, traria serviços até então inexistentes na localidade. “Na época, participei de várias reuniões, e os líderes emancipacionistas, baseados em dados e números oficiais, colocavam para a população os benefícios que o novo município receberia”, relata.
Nas palavras de Zilli, no ano de 1995, “o sonho da emancipação faz parte do dia a dia daquela comunidade há muito tempo e agora se aproxima da concretização. Esta é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada pelos moradores e diretorias das comunidades, uma vez que o crescimento econômico das localidades, após a sua emancipação, é muito mais rápido e concreto”.
O não de Mato Perso
As lideranças do distrito de Mato Perso realizaram reuniões convocadas pelo então vereador, Vitório Basso, para debater a questão da emancipação de Otávio Rocha e a inclusão do 4º distrito no mapa da área emancipada.
De acordo com a edição 339 do O Florense, de 9 de junho de 1995, “conforme informações de Francisco Fabro, em duas reuniões realizadas nos dias 6 e 7, das 86 pessoas que participaram, 86 posicionaram-se contrárias à desanexação de Mato Perso do município de Flores da Cunha”.
Conforme diz o texto, os moradores de Mato Perso não eram contrários à emancipação de Otávio Rocha, mas não queriam pertencer à área emancipada. Eles entendiam que “Flores da Cunha conta com uma estrutura que construiu ao longo de muitos anos, o que seria difícil de reconstruir em pouco tempo em um novo município. Francisco Fabro explica ainda que as principais reivindicações de Mato Perso ou estão sendo atendidas ou estão programadas pelas administrações municipal e estadual”, relatava o texto do jornal.
Com essa convicção pelo não, os membros da comissão de Mato Perso encaminharam um abaixo-assinado a todos os deputados da Assembleia Legislativa. O objetivo era impedir que, na votação em plenário, fosse aprovada a Emancipação de Otávio Rocha, tendo Mato Perso, 4º distrito de Flores da Cunha, como parte do futuro município desejado.
E foi acatado. No dia 20 de junho de 1995, a Assembleia negou o plebiscito a Otávio Rocha, mesmo a comunidade tendo preenchido todos os requisitos exigidos pela legislação das emancipações na época. O fato das comunidades de Mato Perso e Linha Sessenta posicionarem-se contrárias pesou para que os deputados não aprovassem o pedido.
“Toda proposta de emancipação tem que ter embasamento. Otávio Rocha, ao longo do tempo, construiu sua história e suas bases de trabalho e conquista, e acreditava que poderia crescer ainda mais sendo município. Com os recursos estaduais e Federais seria possível progredir em muitos setores e resolver problemas locais com mais rapidez, expandir-se como cidade e atender às propriedades rurais com maior eficiência”, declara Barp.
O ex-prefeito relembra o caso
Prefeito na época, Renato Cavagnoli, relata que em um primeiro momento houve um envolvimento positivo das três comunidades: Otávio Rocha, Linha Sessenta e Mato Perso. “Com o desenrolar das tratativas, duas das comunidades mostraram um certo desacordo com o andamento. A partir daí, formaram-se duas correntes: uma a favor e outra contrária”, diz Cavagnoli enfatizando que o gabinete na época não tomou partido para incentivar, nem tampouco barrar a ideia emancipacionista: “O que ocorreu é que nós nos colocamos ao dispor dos dois lados, os quais legitimamente representavam suas comunidades. Na época, inclusive, um dos líderes pró emancipação era meu secretário da Fazenda e Planejamento e recebeu carta branca para acessar toda a documentação necessária”, conta.
Contudo, Renato relata que Flores da Cunha havia recém perdido um importante distrito, Nova Pádua, e, sem dúvida, “deixar de ter todo o terceiro e quarto distritos seria uma perda considerável, não só no que diz respeito à questão financeira, mas à institucional, pois Flores perderia algumas importantes características que hoje nos fazem ser um município pujante e atraente”.
Hoje, Renato avalia que todas as comunidades de Flores da Cunha tiveram avanços significativos nas áreas de infraestrutura, saúde, educação, agronegócios, geração de empregos. “Só conseguimos esses avanços com todos unidos, e em boa parte pelos moradores daquelas áreas que continuaram pertencendo ao município mãe”, finaliza.
Conforme Ademir Barp, “não foi possível agregar todas as forças –, comunidade, líderes, empresas e política – e a emancipação não aconteceu”, informa.
Mas as lideranças de Otávio Rocha ainda revelam mágoa e insatisfação com a impossibilidade de um plesbicito. “O povo deveria ter o direito de decidir”, relatam.
O que precisa para se emancipar atualmente?
A criação e desmembramento de novos municípios é um fenômeno que acompanha o desenvolvimento democrático do Brasil. As motivações principais para a emancipação de municípios são a autonomia e independência política e administrativa, além de expressar a vontade de demonstrar uma identidade cultural que reflita os hábitos e a história de cada localidade.
Conforme a lei, “o processo de criação de município terá início mediante representação dirigida à Assembleia Legislativa, assinada, no mínimo, por 100 eleitores, residentes ou domiciliados na área que se deseja desmembrar, com as respectivas firmas reconhecidas”.
Entre os requisitos, atualmente a população deve ser superior a 10 mil habitantes ou inferior a cinco milésimos da existente no Estado; eleitorado não inferior a 10% da população; centro urbano já constituído com número de casas superior a 200; e arrecadação, no último exercício, de cinco milésimos da receita estadual de impostos.
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