“O mundo não é tão original”
Um dos nomes mais requisitados da crônica brasileira, gaúcha Martha Medeiros fala sobre seus livros, suas viagens e o gosto de escrever sobre relacionamentos
Caseira, diurna, apreciadora do silêncio e das caminhadas, a escritora gaúcha Martha Medeiros se diz contrária à vida boêmia que faz parte do imaginário dos escritores. “É muito saudável minha vida para uma escritora”, comenta a cronista. Aos 51 anos e com mais de 20 livros publicados – o último, Um Lugar na Janela – Relatos de Viagem, foi lançado em novembro do ano passado –, ela prefere ficar lendo e ouvindo música a participar de uma festa. Passa seu tempo escrevendo e respondendo e-mails (sim, ela mesma responde os e-mails dos leitores). Gosta de cinema, encontrar as amigas e namorar. Mas o que a faz sair de casa são as viagens.
Martha é apaixonada por viagens, tanto que compartilhou suas experiências em seu último livro. Contrária ao senso comum, não tem deslumbre por Nova Iorque, mas sim por Londres. E está excitadíssima com seu próximo destino: o México, que ela ainda não conhece.
Martha se dá ao luxo de escrever sobre o quer e em casa mesmo. No apartamento em Porto Alegre, ela mantém seu escritório num canto ensolarado e cheio de livros. O espaço é tomado por estantes com as obras preferidas. Aliás, Martha ganha tantos livros que costuma doá-los.
A liberdade de escrever veio depois de duas décadas trabalhando como publicitária. Os livros começaram a ser escritos em 1985. Entre eles estão Strip-Tease, Topless, Tudo o que eu queria te dizer, Doidas e Santas, Divã (adaptado para o cinema e para a TV), Fora de Mim e Feliz por Nada. Atualmente, mantém duas colunas nos jornais Zero Hora e O Globo.
Simpática, bem humorada, Martha confessa que ainda chora ao ler o primeiro capítulo do livro Fora de Mim, que não gosta que reproduzam seus textos na internet, que aprecia um bom vinho e que a maturidade a fez atingir uma liberdade que não tinha aos 20 anos. “O que era para dar certo deu e o que não deu certo não deu. Não existe mais aquela ansiedade. Agora é curtir.” Na conversa a seguir, concedida no apartamento que divide com as filhas e o gato Nero – um expert em se esconder em bolsas –, ela fala sobre tudo isso e mais um pouco.
O Florense: O seu último livro, Um Lugar na Janela, relata contos de suas viagens. Por que resolveu reunir numa obra suas experiências?
Martha Medeiros: Eu tinha um blog e não sabia como abastecê-lo, até porque é uma loucura achar assuntos para as colunas. Então comecei a colocar nele as minhas experiências de viagens. Vi que esses meus relatos de viagens tinham retorno. Era algo despretensioso, já que eu adoro viajar. Onde invisto meu dinheiro é sempre em viagens. Resolvi ampliar isso e fazer um livro. Achei que ia ser algo diferente e prazeroso. Relembrar tudo e resgatar coisas que vivi. O livro não é um guia de viagens, não dá dicas e sim é uma forma de compartilhar como é meu jeito de viajar, que é muito simples. Quis compartilhar que o importante mesmo é o olhar para o inusitado e nem tanto para o restaurante.
OF: Você costuma escrever durante as viagens?
Martha: Sempre levo uma caderneta para anotar, mas não com pretensões literárias e nem profissionais. Gosto de ter essas cadernetas porque quando chego ao hotel eu anoto o que fiz, o que comi, onde fui. Tenho muitas cadernetas de viagens.
OF: Há um gênero preferido para escrever – poesia, crônica ou ficção?
Martha: A ficção é mais desafiadora, até porque tenho menos prática. Sempre que faço ficção é algo novo, então, tem o lado de ser uma aventura. A crônica é mais automática porque são quase 20 anos escrevendo. Dei uma parada agora com as poesias, mas tenho certa facilidade. A ficção é um mundo a ser descoberto, mesmo já tendo publicado livros de ficção é algo que eu apanho muito para escrever. Também me dá uma liberdade. Quando eu escrevo crônica eu me exponho muito e a ficção te dá uma liberdade de ser quem na verdade você não é e de incorporar personagens e sensações que não fazem parte do teu repertório. É uma maneira de dar uma enlouquecida.
OF: Quando foi que você percebeu que queria ser escritora?
Martha: Fiz faculdade de Comunicação e sempre gostei muito de ler e escrever. Não tinha ideia que a minha vida ia para esse lado. Sempre gostei muito de cinema, teatro e música e acho que isso me formatou para a escrita. Na adolescência escrevia diários – que se transformaram em poemas. Tenho guardado esses diários, mas vou incinerá-los porque tenho medo que alguém descubra e caia em mãos indevidas (risos). Além da literatura, sempre gostei de música, até mais que a própria literatura. E escrever tem relação com ritmo, quando a gente escreve obedece a um ritmo; acho que é dessa forma que a música me influenciou.
OF: E nunca pensou em escrever músicas?
Martha: Nunca fiz diretamente uma letra, mas tenho uma parceria com o Tedy Corrêa (da banda gaúcha Nenhum de Nós) que pediu um poema meu e transformou na música Feedback e aconteceu o mesmo com o Frejat, que para mim é uma super honra.
OF: Você escreve semanalmente. Como faz para manter as ideias e os assuntos do cotidiano atuais?
Martha: Hoje em dia é mais difícil do que quando comecei. Costumo escrever todos os dias, porque há dias que não vem nada na mente e preciso deixar um arquivo de textos inéditos até para quando viajo. Mas os assuntos fluem mais ou menos. Antigamente, como não tinha escrito sobre nada, jorrava. Só que depois de quase 20 anos você se dá conta que já escreveu sobre tudo, que falou sobre tudo. O mundo não é tão original. É sempre Copa do Mundo, novela, corrupção, tudo são pratos requentados. Eu fico buscando então coisas mais íntimas, mais do comportamento humano, das relações humanas que é algo que, dependendo do ponto de vista que se aborda, sempre pode surgir algo novo. Mas não é fácil. Escrever não é difícil, mas pensar sobre um assunto que possa render está cada vez mais difícil.
OF: Suas crônicas são escritas, geralmente, em primeira pessoa. Isso te aproxima dos leitores. Como é a sua relação com eles?
Martha: Facilita para mim e acho que dá uma empatia incrível. Escrevendo na primeira pessoa eu consigo me colocar no lugar dos outros e até mesmo na ficção escrevo na primeira pessoa porque entro naquele personagem e naquele universo. Percebi muito isso quando escrevi Tudo o que eu queria te dizer, que é um livro de cartas fictícias, diferente do Divã e Fora de Mim, que são mulheres da meia idade e que mistura um pouco do meu universo. Quando escrevi essas cartas escrevi como padre, como menino de 18 anos, como louco, como prostituta, como idosa. Ali fiz um exercício de criação buscando vivências que não tinha e nunca vou ter. Mudei de gênero, mudei de idade, de saúde mental e isso é muito bacana porque segui escrevendo na primeira pessoa e descobri que tinha um potencial para me transformar em outra pessoa.
OF: Recebe histórias de leitores?
Martha: Recebo muitas. Já aconteceu de virarem crônicas, mas é muito raro. Porque preciso estar envolvida com o que escrevo. Até tem algumas histórias que são muito bacanas, mas estão tão distantes que não consigo conectar com minha própria emoção.
OF: Você está entre os escritores mais reproduzidos da internet. Como vê isso? Consegue distinguir um texto seu do que não é seu?
Martha: Reconheço sempre meus textos, cada vírgula. Pode ser antipático o que vou dizer, mas eu gostaria de não ser tão reproduzida na internet e que as pessoas me lessem apenas nos livros e nos jornais, por mais que eu sei que reduziria drasticamente o número de leitores, mas ao menos estariam lendo a versão integral e verdadeira do que eu escrevi. É raríssimo ver um texto meu na internet que esteja 100% fiel ao que foi publicado anteriormente. Sempre tem um enxerto, tem um final meloso, tem uma moral da história que não tinha. As pessoas têm a necessidade de fazer a sua colaboração e a internet possibilita isso. Que se entre no texto de uma pessoa e se altere, cole, edite e passe adiante da maneira que aquele texto fosse seu. E isso se transforma num dragão de sete cabeças. Muitas vezes não é má fé, mas é a facilidade da coisa. E tem muito texto que não é meu que está assinado como meu. E há outros que são meus e circulam como se fossem do Mário Quintana ou do Arnaldo Jabor. Virou uma salada mista, o leitor não consegue detectar isso e temos que cruzar os braços e aceitar. Isso me incomoda muito porque fico muito impotente. Às vezes vejo barbaridades. Penso: nossa, que coisa mais cafona ficou esse texto. São fotos, músicas, imagens que não combinam com aquilo que escrevi. Eu gosto mesmo que as pessoas me leiam nos livros, é a minha realização (Martha não é adepta das redes sociais, como Facebook ou Twitter).
OF: Suas crônicas e seus livros falam bastante sobre relacionamentos. Como vê o casamento nos dias atuais?
Martha: Acho que hoje há tantos tipos de casamento quanto de pessoas. Antigamente, o casamento era mais fechado, a mulher em casa, o pai trabalhando e existia um tipo de casamento, independente se funcionava ou não. Hoje em dia as pessoas moram juntas ou não. Não existe mais essa preocupação, que eu acho benéfico, com o ‘para sempre’. Ele está deixando de ser aquela espada na cabeça. Claro que quando você está apaixonada você pretende que seja para sempre e é bom que se esforce para isso. Porém, temos uma longevidade tão maior que tínhamos antes. Uma vez com 50 anos você estava condenada a morrer e hoje com essa idade você pode começar uma profissão, um novo relacionamento. Se você se casa com 20 anos, aos 50 pode parar para fazer uma análise se foi legal ou se é hora de partir para outro caminho. Acho essa flexibilidade das escolhas, que muita gente vê como frivolidade, como algo natural. As escolhas precisam ser feitas: quem quiser ficar para sempre fica para sempre, mas acho bom que as pessoas se reavaliem de tempos em tempos e caso queiram mudar de caminho, seja na profissão, no lado amoroso, que se movimentem. Não precisamos mais estar com os dois pés fincados no mesmo lugar e numa mesma escolha. Podemos nos movimentar, e isso é o prazer de viver.
OF: A protagonista de Fora de Mim é uma mulher que sofre pelo fim de um relacionamento, assim como a Mercedes do livro Divã. Como você constrói suas personagens?
Martha: Tudo parte de mim. A arrancada da ficção geralmente passa de alguma angústia minha e depois que dei a arrancada eu deixo as coisas andarem e até me surpreendo onde elas vão parar. Divã foi uma época que estava com 40 anos, mais ou menos, e fazendo muitos questionamentos sobre a vida. Mas eu estava casada na época. Meu marido lia o livro, comentava e só fui me separar uns sete anos depois. Mas todos aqueles questionamentos da Mercedes são meus: morte, maternidade, relacionamento. E eram questionamentos que eu tinha de quem está entrando na meia idade e repensando a vida. Mas o que aconteceu era fantasia. O livro Fora de Mim é a mesma coisa. Eu estava passando por um momento de me desfazer de uma relação, coloquei aquela angústia na arrancada, mas reatei a relação, e o livro continuou com a desgraceira toda (risos). Toda a história de encontrar a mulher e o que se desenrola depois é ficção. Porque já estava com a pessoa de novo. Em momentos de turbulência pessoal começo a escrever, essas turbulências passam, mas o livro prossegue.
OF: E como é falar da dor do amor numa época em que as pessoas têm dificuldades de se relacionar?
Martha: É um drama que todo mundo passa um dia na vida. No momento que você começa a namorar, seja bem-vindo ao mundo selvagem dos relacionamentos, porque haverá momentos de êxtase, de frustração, de chorar no quarto, de agradecer aos céus pela felicidade. Isso é a vida dos relacionamentos, altos e baixos, coisas que dão certo – e outras não. Amadurecer é aprender a lidar com isso, porque faz parte. Escrever sobre isso é uma catarse de entender também e de aceitar que nada é exatamente como a gente idealizou. Gosto de escrever sobre isso não por morbidez, porque todo mundo quer entender um pouco de como lidar com uma dor que é muito forte.
OF: Você acha que as mulheres estão vivendo uma fase de ‘buscar o amor a qualquer custo’?
Martha: Acho que a busca é incessante pela felicidade, porque a felicidade é a própria busca. E não significa que essa busca seja feliz. Só o fato de fazer essa busca incessante é válido. A palavra felicidade está desgastada por causa disso, parece ser um ponto a ser atingido, quando na verdade ela é o trajeto. Para as mulheres talvez seja mais importante a realização amorosa. E é mais difícil porque precisa ser conciliada com trabalho, com a própria idealização, porque a mulher é muito idealista e fica esperando ‘o cara’. Esse cara sou eu faz tanto sucesso porque é tudo o que você quer e sabe que aquilo não existe. De repente você encontra, fica seis meses e já está criticando. Acho que tudo é muito móvel e as mulheres são muito idealistas pelo amor, até porque elas falam mais do que os homens sobre isso. Os homens são mais discretos e as mulheres são mais para fora. Dá a impressão que para as mulheres é mais importante, mas é importante para todo mundo. Mas também a mulher é mais cobrada, porque o homem sozinho não tem um dedo apontado para ele dizendo “Ficou para titio”. Se está só é porque escolheu a liberdade, foi uma escolha dele; e a mulher sozinha tem uma sociedade apontando e não dá a impressão que ela escolheu aquilo, mas sim que foi recusada. O que é um distúrbio do olhar da sociedade, porque aquilo pode ser uma escolha dela. Temos que mudar essa visão de homem sozinho é uma escolha e mulher sozinha é uma fracassada.
OF: E sobre essa onda de literatura erótica que vendeu milhões de livros. O que você acha disso?
Martha: Não li nenhum livro. Pode ser que leia um dia por curiosidade. É fetiche, modismo. Acho que é uma corrente que se forma, assim como uma novela. A gente tem momentos em que surge algo super insensato e todo mundo está falando sobre aquilo e mesmo que não te interesse você quer estar por dentro, porque a gente morre de medo de estar ‘por fora’. Eu já estou no caminho inverso, estou querendo ficar por fora (risos).
OF: Quais são seus próximos projetos?
Martha: Agora estou passando por um período de quarentena, já que recém tive um filho (risos). Provavelmente em 2013 eu lance uma nova coletânea de crônicas – a última foi Feliz por Nada. Mas isso não é algo complicado porque é uma seleção de crônicas publicadas. É só reunir o material, revisar e passar para a editora. Não te esgota e gosto de fazer isso de dois em dois anos para documentar o trabalho do jornal que desaparece e mais do que nunca para garantir meu direito autoral.
OF: Para finalizar, que livro a Martha indicaria para ler?
Martha: É difícil indicar em meio a tantos livros. Para dizer um mais atual indico o Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera. O livro se passa em Garopaba (SC) e tem a ver conosco, com a cultura regional, o jeito de falar, mas ao mesmo tempo é universal. Adorei o livro. (Entrevista originalmente publicada na edição de dezembro da revista Bon Vivant.)
Martha é apaixonada por viagens, tanto que compartilhou suas experiências em seu último livro. Contrária ao senso comum, não tem deslumbre por Nova Iorque, mas sim por Londres. E está excitadíssima com seu próximo destino: o México, que ela ainda não conhece.
Martha se dá ao luxo de escrever sobre o quer e em casa mesmo. No apartamento em Porto Alegre, ela mantém seu escritório num canto ensolarado e cheio de livros. O espaço é tomado por estantes com as obras preferidas. Aliás, Martha ganha tantos livros que costuma doá-los.
A liberdade de escrever veio depois de duas décadas trabalhando como publicitária. Os livros começaram a ser escritos em 1985. Entre eles estão Strip-Tease, Topless, Tudo o que eu queria te dizer, Doidas e Santas, Divã (adaptado para o cinema e para a TV), Fora de Mim e Feliz por Nada. Atualmente, mantém duas colunas nos jornais Zero Hora e O Globo.
Simpática, bem humorada, Martha confessa que ainda chora ao ler o primeiro capítulo do livro Fora de Mim, que não gosta que reproduzam seus textos na internet, que aprecia um bom vinho e que a maturidade a fez atingir uma liberdade que não tinha aos 20 anos. “O que era para dar certo deu e o que não deu certo não deu. Não existe mais aquela ansiedade. Agora é curtir.” Na conversa a seguir, concedida no apartamento que divide com as filhas e o gato Nero – um expert em se esconder em bolsas –, ela fala sobre tudo isso e mais um pouco.
O Florense: O seu último livro, Um Lugar na Janela, relata contos de suas viagens. Por que resolveu reunir numa obra suas experiências?
Martha Medeiros: Eu tinha um blog e não sabia como abastecê-lo, até porque é uma loucura achar assuntos para as colunas. Então comecei a colocar nele as minhas experiências de viagens. Vi que esses meus relatos de viagens tinham retorno. Era algo despretensioso, já que eu adoro viajar. Onde invisto meu dinheiro é sempre em viagens. Resolvi ampliar isso e fazer um livro. Achei que ia ser algo diferente e prazeroso. Relembrar tudo e resgatar coisas que vivi. O livro não é um guia de viagens, não dá dicas e sim é uma forma de compartilhar como é meu jeito de viajar, que é muito simples. Quis compartilhar que o importante mesmo é o olhar para o inusitado e nem tanto para o restaurante.
OF: Você costuma escrever durante as viagens?
Martha: Sempre levo uma caderneta para anotar, mas não com pretensões literárias e nem profissionais. Gosto de ter essas cadernetas porque quando chego ao hotel eu anoto o que fiz, o que comi, onde fui. Tenho muitas cadernetas de viagens.
OF: Há um gênero preferido para escrever – poesia, crônica ou ficção?
Martha: A ficção é mais desafiadora, até porque tenho menos prática. Sempre que faço ficção é algo novo, então, tem o lado de ser uma aventura. A crônica é mais automática porque são quase 20 anos escrevendo. Dei uma parada agora com as poesias, mas tenho certa facilidade. A ficção é um mundo a ser descoberto, mesmo já tendo publicado livros de ficção é algo que eu apanho muito para escrever. Também me dá uma liberdade. Quando eu escrevo crônica eu me exponho muito e a ficção te dá uma liberdade de ser quem na verdade você não é e de incorporar personagens e sensações que não fazem parte do teu repertório. É uma maneira de dar uma enlouquecida.
OF: Quando foi que você percebeu que queria ser escritora?
Martha: Fiz faculdade de Comunicação e sempre gostei muito de ler e escrever. Não tinha ideia que a minha vida ia para esse lado. Sempre gostei muito de cinema, teatro e música e acho que isso me formatou para a escrita. Na adolescência escrevia diários – que se transformaram em poemas. Tenho guardado esses diários, mas vou incinerá-los porque tenho medo que alguém descubra e caia em mãos indevidas (risos). Além da literatura, sempre gostei de música, até mais que a própria literatura. E escrever tem relação com ritmo, quando a gente escreve obedece a um ritmo; acho que é dessa forma que a música me influenciou.
OF: E nunca pensou em escrever músicas?
Martha: Nunca fiz diretamente uma letra, mas tenho uma parceria com o Tedy Corrêa (da banda gaúcha Nenhum de Nós) que pediu um poema meu e transformou na música Feedback e aconteceu o mesmo com o Frejat, que para mim é uma super honra.
OF: Você escreve semanalmente. Como faz para manter as ideias e os assuntos do cotidiano atuais?
Martha: Hoje em dia é mais difícil do que quando comecei. Costumo escrever todos os dias, porque há dias que não vem nada na mente e preciso deixar um arquivo de textos inéditos até para quando viajo. Mas os assuntos fluem mais ou menos. Antigamente, como não tinha escrito sobre nada, jorrava. Só que depois de quase 20 anos você se dá conta que já escreveu sobre tudo, que falou sobre tudo. O mundo não é tão original. É sempre Copa do Mundo, novela, corrupção, tudo são pratos requentados. Eu fico buscando então coisas mais íntimas, mais do comportamento humano, das relações humanas que é algo que, dependendo do ponto de vista que se aborda, sempre pode surgir algo novo. Mas não é fácil. Escrever não é difícil, mas pensar sobre um assunto que possa render está cada vez mais difícil.
OF: Suas crônicas são escritas, geralmente, em primeira pessoa. Isso te aproxima dos leitores. Como é a sua relação com eles?
Martha: Facilita para mim e acho que dá uma empatia incrível. Escrevendo na primeira pessoa eu consigo me colocar no lugar dos outros e até mesmo na ficção escrevo na primeira pessoa porque entro naquele personagem e naquele universo. Percebi muito isso quando escrevi Tudo o que eu queria te dizer, que é um livro de cartas fictícias, diferente do Divã e Fora de Mim, que são mulheres da meia idade e que mistura um pouco do meu universo. Quando escrevi essas cartas escrevi como padre, como menino de 18 anos, como louco, como prostituta, como idosa. Ali fiz um exercício de criação buscando vivências que não tinha e nunca vou ter. Mudei de gênero, mudei de idade, de saúde mental e isso é muito bacana porque segui escrevendo na primeira pessoa e descobri que tinha um potencial para me transformar em outra pessoa.
OF: Recebe histórias de leitores?
Martha: Recebo muitas. Já aconteceu de virarem crônicas, mas é muito raro. Porque preciso estar envolvida com o que escrevo. Até tem algumas histórias que são muito bacanas, mas estão tão distantes que não consigo conectar com minha própria emoção.
OF: Você está entre os escritores mais reproduzidos da internet. Como vê isso? Consegue distinguir um texto seu do que não é seu?
Martha: Reconheço sempre meus textos, cada vírgula. Pode ser antipático o que vou dizer, mas eu gostaria de não ser tão reproduzida na internet e que as pessoas me lessem apenas nos livros e nos jornais, por mais que eu sei que reduziria drasticamente o número de leitores, mas ao menos estariam lendo a versão integral e verdadeira do que eu escrevi. É raríssimo ver um texto meu na internet que esteja 100% fiel ao que foi publicado anteriormente. Sempre tem um enxerto, tem um final meloso, tem uma moral da história que não tinha. As pessoas têm a necessidade de fazer a sua colaboração e a internet possibilita isso. Que se entre no texto de uma pessoa e se altere, cole, edite e passe adiante da maneira que aquele texto fosse seu. E isso se transforma num dragão de sete cabeças. Muitas vezes não é má fé, mas é a facilidade da coisa. E tem muito texto que não é meu que está assinado como meu. E há outros que são meus e circulam como se fossem do Mário Quintana ou do Arnaldo Jabor. Virou uma salada mista, o leitor não consegue detectar isso e temos que cruzar os braços e aceitar. Isso me incomoda muito porque fico muito impotente. Às vezes vejo barbaridades. Penso: nossa, que coisa mais cafona ficou esse texto. São fotos, músicas, imagens que não combinam com aquilo que escrevi. Eu gosto mesmo que as pessoas me leiam nos livros, é a minha realização (Martha não é adepta das redes sociais, como Facebook ou Twitter).
OF: Suas crônicas e seus livros falam bastante sobre relacionamentos. Como vê o casamento nos dias atuais?
Martha: Acho que hoje há tantos tipos de casamento quanto de pessoas. Antigamente, o casamento era mais fechado, a mulher em casa, o pai trabalhando e existia um tipo de casamento, independente se funcionava ou não. Hoje em dia as pessoas moram juntas ou não. Não existe mais essa preocupação, que eu acho benéfico, com o ‘para sempre’. Ele está deixando de ser aquela espada na cabeça. Claro que quando você está apaixonada você pretende que seja para sempre e é bom que se esforce para isso. Porém, temos uma longevidade tão maior que tínhamos antes. Uma vez com 50 anos você estava condenada a morrer e hoje com essa idade você pode começar uma profissão, um novo relacionamento. Se você se casa com 20 anos, aos 50 pode parar para fazer uma análise se foi legal ou se é hora de partir para outro caminho. Acho essa flexibilidade das escolhas, que muita gente vê como frivolidade, como algo natural. As escolhas precisam ser feitas: quem quiser ficar para sempre fica para sempre, mas acho bom que as pessoas se reavaliem de tempos em tempos e caso queiram mudar de caminho, seja na profissão, no lado amoroso, que se movimentem. Não precisamos mais estar com os dois pés fincados no mesmo lugar e numa mesma escolha. Podemos nos movimentar, e isso é o prazer de viver.
OF: A protagonista de Fora de Mim é uma mulher que sofre pelo fim de um relacionamento, assim como a Mercedes do livro Divã. Como você constrói suas personagens?
Martha: Tudo parte de mim. A arrancada da ficção geralmente passa de alguma angústia minha e depois que dei a arrancada eu deixo as coisas andarem e até me surpreendo onde elas vão parar. Divã foi uma época que estava com 40 anos, mais ou menos, e fazendo muitos questionamentos sobre a vida. Mas eu estava casada na época. Meu marido lia o livro, comentava e só fui me separar uns sete anos depois. Mas todos aqueles questionamentos da Mercedes são meus: morte, maternidade, relacionamento. E eram questionamentos que eu tinha de quem está entrando na meia idade e repensando a vida. Mas o que aconteceu era fantasia. O livro Fora de Mim é a mesma coisa. Eu estava passando por um momento de me desfazer de uma relação, coloquei aquela angústia na arrancada, mas reatei a relação, e o livro continuou com a desgraceira toda (risos). Toda a história de encontrar a mulher e o que se desenrola depois é ficção. Porque já estava com a pessoa de novo. Em momentos de turbulência pessoal começo a escrever, essas turbulências passam, mas o livro prossegue.
OF: E como é falar da dor do amor numa época em que as pessoas têm dificuldades de se relacionar?
Martha: É um drama que todo mundo passa um dia na vida. No momento que você começa a namorar, seja bem-vindo ao mundo selvagem dos relacionamentos, porque haverá momentos de êxtase, de frustração, de chorar no quarto, de agradecer aos céus pela felicidade. Isso é a vida dos relacionamentos, altos e baixos, coisas que dão certo – e outras não. Amadurecer é aprender a lidar com isso, porque faz parte. Escrever sobre isso é uma catarse de entender também e de aceitar que nada é exatamente como a gente idealizou. Gosto de escrever sobre isso não por morbidez, porque todo mundo quer entender um pouco de como lidar com uma dor que é muito forte.
OF: Você acha que as mulheres estão vivendo uma fase de ‘buscar o amor a qualquer custo’?
Martha: Acho que a busca é incessante pela felicidade, porque a felicidade é a própria busca. E não significa que essa busca seja feliz. Só o fato de fazer essa busca incessante é válido. A palavra felicidade está desgastada por causa disso, parece ser um ponto a ser atingido, quando na verdade ela é o trajeto. Para as mulheres talvez seja mais importante a realização amorosa. E é mais difícil porque precisa ser conciliada com trabalho, com a própria idealização, porque a mulher é muito idealista e fica esperando ‘o cara’. Esse cara sou eu faz tanto sucesso porque é tudo o que você quer e sabe que aquilo não existe. De repente você encontra, fica seis meses e já está criticando. Acho que tudo é muito móvel e as mulheres são muito idealistas pelo amor, até porque elas falam mais do que os homens sobre isso. Os homens são mais discretos e as mulheres são mais para fora. Dá a impressão que para as mulheres é mais importante, mas é importante para todo mundo. Mas também a mulher é mais cobrada, porque o homem sozinho não tem um dedo apontado para ele dizendo “Ficou para titio”. Se está só é porque escolheu a liberdade, foi uma escolha dele; e a mulher sozinha tem uma sociedade apontando e não dá a impressão que ela escolheu aquilo, mas sim que foi recusada. O que é um distúrbio do olhar da sociedade, porque aquilo pode ser uma escolha dela. Temos que mudar essa visão de homem sozinho é uma escolha e mulher sozinha é uma fracassada.
OF: E sobre essa onda de literatura erótica que vendeu milhões de livros. O que você acha disso?
Martha: Não li nenhum livro. Pode ser que leia um dia por curiosidade. É fetiche, modismo. Acho que é uma corrente que se forma, assim como uma novela. A gente tem momentos em que surge algo super insensato e todo mundo está falando sobre aquilo e mesmo que não te interesse você quer estar por dentro, porque a gente morre de medo de estar ‘por fora’. Eu já estou no caminho inverso, estou querendo ficar por fora (risos).
OF: Quais são seus próximos projetos?
Martha: Agora estou passando por um período de quarentena, já que recém tive um filho (risos). Provavelmente em 2013 eu lance uma nova coletânea de crônicas – a última foi Feliz por Nada. Mas isso não é algo complicado porque é uma seleção de crônicas publicadas. É só reunir o material, revisar e passar para a editora. Não te esgota e gosto de fazer isso de dois em dois anos para documentar o trabalho do jornal que desaparece e mais do que nunca para garantir meu direito autoral.
OF: Para finalizar, que livro a Martha indicaria para ler?
Martha: É difícil indicar em meio a tantos livros. Para dizer um mais atual indico o Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera. O livro se passa em Garopaba (SC) e tem a ver conosco, com a cultura regional, o jeito de falar, mas ao mesmo tempo é universal. Adorei o livro. (Entrevista originalmente publicada na edição de dezembro da revista Bon Vivant.)
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