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“Minha vida é um ramalhete de graças”

Frei Lori Vergani, em missão no Haiti desde 2007, esteve em Flores da Cunha antes de retornar para a América Central

Com 57 anos, barba branca e muitos objetivos de trabalho, o frei capuchinho Lori Vergani, natural de Caxias do Sul, há oito anos desenvolve uma missão no Haiti onde fortalece atividades pastorais e sociais, como evangelização, desenvolvimento, saúde, educação e higiene. Um trabalho de saneamento básico para favorecer a vida e a esperança naquele que é considerado o país mais pobre das Américas. No dia 12 de outubro, quando o religioso retornar à missão, levará junto os freis Aldir Crocoli e Antônio Lorini. Mais do que evangelizar, frei Lori aponta que a ação no Haiti é de promoção e valorização da vida.

Natural da 4ª Légua, interior caxiense, frei Lori atuou por quase três anos – de 1985 a 1987 – em Flores da Cunha. No município foi responsável pelos acadêmicos de Filosofia que estudavam em Caxias e residiam aqui. Além disso, era capelão do Mosteiro Nossa Senhora do Brasil, da Ordem das Irmãs Clarissas, onde rezava missas semanalmente. Desde 2004, a Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul assumiu, a pedido do ministro geral, a responsabilidade de acompanhar a vice-província capuchinha na República Dominicana, que faz fronteira com o Haiti. Desde então se pensou na presença de religiosos no país, o que ocorreu de fato em 2007, com a ida de frei Lori.

Atualmente estão no Haiti três freis capuchinhos do Brasil, um padre de Tubarão (SC) e dois freis ordenados sacerdotes. Já são cinco capuchinhos haitianos ordenados, mas que atualmente estão em estudos. Frei Lori retornou ao Brasil no início de setembro para visitar a família e participar do 23º Capítulo da Província Capuchinha do RS, realizado no Convento São Francisco, em Garibaldi. No encontro, uma nova configuração foi aprovada. A partir de outubro República Dominicana e Haiti, que até agora estavam ligados, estarão independentes.

“Evangelização é promoção da vida”
“O trabalho é muito lindo”, resume frei Lori, questionado sobre a missão a qual desenvolve nos últimos anos. Além das atividades pastorais, os capuchinhos presentes no Haiti colocam, literalmente, a mão na massa quando é necessário. Desde a construção de banheiros, até o auxílio em escolas, tudo faz parte da promoção da vida. “Onde vemos que a vida não é valorizada, não é respeitada, não tem os meios para andar com dignidade, de fato colocamos a mão na massa, porque evangelização antes de doutrina, é promoção da vida. Saúde, higiene e educação são básicos para uma vivência”, valoriza.

Além de administrar duas paróquias, o grupo trabalha no saneamento básico de comunidades. Entre as vitórias de todo o trabalho está a construção do posto de saúde, onde o atendimento é especial para crianças – cerca de 1,7 mil pequenos e pequenas que recebem vitaminas e acompanhamento, tudo gratuitamente. São também quatro escolas sob responsabilidade dos capuchinhos, que pagam inclusive os salários dos professores.

Outras ações visam a infraestrutura dos moradores, como o auxílio na compra de telhas de zinco e pregos para casas, pois muitas ainda tem telhado de palha e as famílias não têm condições de fazer a troca, assim como muitas não têm banheiros. Então, é adquirido cimento, blocos, areia, ferro e os moradores entram com a mão de obra. Poços para água potável também são feitos com a instalação de bombas, trabalho feito pelo próprio frei Lori. “Desenvolvemos ações e atividades segundo os meios que chegam e os quais dispomos. Quando chegamos lá apenas duas famílias tinham banheiros.”

Muitas pessoas, inclusive de Flores da Cunha, contribuem financeiramente para a compra de bens, além de comida. “Tem um pequeno benefício que auxilia as famílias que mandam as crianças para a escola. São pequenas coisas muito humildes. Ninguém vai ficar rico com isso e, também, nós não vamos solucionar todos os problemas, mas acreditamos que isso favoreça que eles se desenvolvam e assumam a própria história. Não estamos lá para fazer em nome deles, mas para contribuir na medida do possível para que se sintam valorizados e valorizem a própria vida”, pontua. No retorno, em outubro, o trabalho vai incluir a construção de uma igreja, já que elas ainda não existem. “Não investimos antes em construções de igrejas porque percebemos que antes da igreja vem a vida. A missa pode ser celebrada em qualquer lugar, mas se não existir vida, não existe celebração”, argumenta frei Lori.


Como ajudar

Quem puder e quiser colaborar com a missão dos freis capuchinhos no Haiti pode fazer o depósito de qualquer valor em uma Conta Corrente no Banco do Brasil. A agência é 1487-7, número da conta 19.974-7. Mais informações na secretaria paroquial de Flores da Cunha, pelo telefone 3292.1443.

Foto/Divulgação

Em uma das tarefas, frei Lori se desloca às montanhas para auxiliar na educação de crianças.


Imigrantes buscam melhores condições de vida

O Brasil passa por um dos maiores fluxos migratórios de sua história recente. Cidadãos de países como o Haiti buscam uma vida melhor longe da terra que os castigou. Para o frei Lori Vergani, o Haiti, a primeira república negra do mundo a declarar independência, ainda não apresentou melhoras e condições de crescimento, por isso tantas famílias partem em busca de algo melhor. “Embora o Haiti seja um país muito lindo, com pessoas acolhedoras, elas vivem lutando para sobreviver. O problema é que, por enquanto, não se vê muita saída da situação. Após o terremoto de 2010, o que se pode perceber é que na capital, Porto Príncipe, são construídos prédios para os ministérios, mas no meu olhar e segundo os meus óculos, ainda não percebemos muitas mudanças. Não há perspectiva de um futuro melhor”, relata o frei.

O terremoto no Haiti em janeiro de 2010 matou 200 mil pessoas, feriu outras 250 mil e deixou 1,5 milhão de habitantes desabrigados. O desastre agravou os problemas sociais da nação e motivou a Organização das Nações Unidas (ONU) a ampliar a força-tarefa de pacificação, a qual é comandada pelo Exército Brasileiro. O reflexo principal no Brasil foi a chegada maciça de haitianos em busca de melhores condições de vida, fato que causa preocupação ao religioso Vergani, já que o país não conta com uma infraestrutura e acolhimento desses imigrantes.

“Em termos de trabalho tudo bem, mas ele é apenas um dos elementos. São necessárias moradia, educação das crianças, tudo. Quais as condições que serão oferecidas e que eles vão adquirir? Vou frequentemente na Embaixada do Brasil na capital haitiana, e lá vejo que o governo brasileiro autoriza até 1,5 mil vistos mensais, além das pessoas que partem de maneira clandestina. É um número grande. Como absorver toda essa demanda? Deixo aos florenses a importância de valorizar a vida, independentemente da cor ou do estado social da qual vivemos. A vida é vida em todo o lugar e quando valorizamos a vida estamos vivendo o Evangelho”, ensina o frei. O povo haitiano, de acordo com Lori, é muito religioso. Além do catolicismo, a Igreja Batista e o Vudu são muito reconhecidos no país e recebem inclusive privilégios do governo, como a isenção de impostos.

Sobre a satisfação desses anos de dedicação aos haitianos, frei Lori é imediato: “O melhor país do mundo para viver, para mim, é o Haiti. Onde estamos é onde devemos construir a própria vida e sentir-se feliz. Comento frequentemente com os freis que somos felizes e sabemos disso. No Haiti eu aprendi, vejo e sinto que a minha vida é um ramalhete de graças. De fato o pouco que podemos fazer é graça. Deus realiza o bem por meio de nós, não é merecimento nosso, simplesmente somos instrumentos e tudo vale a pena”, sustenta. Antes de retornar visitará paróquias gaúchas, amigos e familiares.


Frei Lori atuou em Flores da Cunha na década de 1980, cidade a qual sempre retorna quando está de passagem pelo Brasil. - Camila Baggio
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