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‘Melancolia’ é eleito o melhor filme de 2011 nos EUA

Obra do dinamarquês Lars Von Trier foi escolhida por grupo de críticos. Protagonista Kirsten Dunst também acabou premiada

Melancolia, de Lars Von Trier, foi o melhor filme de 2011 segundo a National Society of Film Critics (Associação de Críticos de Cinema dos Estados Unidos), uma organização composta por 58 amantes da sétima arte. A produção levou os prêmios de Filme do Ano e de Melhor Atriz, para Kirsten Dunst. Melancolia tem ainda no elenco Charlotte Gainsbourg, Keifer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt, Alexander Skarsgard, Stellan Skarsgard e Udo Kier (leia abaixo a crítica do diretor de filmes documentário André Costantin).

Brad Pitt ficou com o de Melhor Ator, por O Homem Que Mudou o Jogo e A Árvore da Vida. Os prêmios de melhor coadjuvantes foram para Albert Brooks, por Drive, e Jessica Chastain, por três filmes: A Árvore da Vida, Histórias Cruzadas e O Abrigo. Terrence Malick levou o prêmio de direção por Árvore da Vida. Outros destaques: Não Ficção para Cave of Forgotten Dreams, de Werner Herzog; Roteiro e Filme Estrangeiro para A Separation (de Asghar Farhadi); e Fotografia para Árvore da Vida (de Emmanuel Lubezki).

Opinião

À Terra, com melancolia

A perspectiva do fim – do fim de uma história, de um relacionamento, do fim deste texto ou de uma estrada no bosque onde o cavalo refuga a travessia de um pontilhão, até o fim de todas as coisas do mundo e do nosso próprio mundo humano – pode ser uma forma de ver e entender a obra Melancolia, de Lars Von Trier. Obra, palavra que melhor define este filme, feito de múltiplas camadas de pensamentos, sensações e simbologias; tela de muitas crostas de tinta que, de bem perto, abstrai, e, de longe e por outras angulações, vai reconstruindo mundos vertiginosos aos nossos olhos.

O diálogo com a pintura está nas cenas iniciais de Melancolia, em composições estéticas de quadros intensos, dramáticos e ainda assim delicados. Em movimentos de super-slowmotion, uma noiva luminosa de olhos melancólicos pisa a terra, já um pântano caótico e belo. Vê-se emaranhada em cipós, cerra os olhos deitada na água corrente do riacho; abre-os, há raios de energia em fuga da ponta dos seus dedos, sob um céu de duas luas. Justine, o seu nome.

O que se passa nessa sequência triunfal de Justine poderia ser uma tragédia íntima e épica, particular e universal; e a segunda lua no horizonte seria o planeta Melancolia, que seduzido pela órbita solar viaja na sua “dança de morte” em rota de colisão fatal com a Terra. Na iminência desse belíssimo apocalipse, abre-se o primeiro ato da narrativa: o casamento de Justine, no cenário idílico de uma mansão rural cercada por campos de golfe, quase um castelo de fábulas, onde tudo se passa.

O ritual do casamento de Justine dos olhos melancólicos (a quem a atriz Kirsten Dunst emprestou seus próprios olhos) abre para as personagens centrais do filme: a irmã de Justine, Claire (Charlotte Gainsburg), seu marido e seu filho, menino. O primeiro ato tem o nome da noiva, Justine. O segundo ato leva o nome de Claire, quando a narrativa retoma e desenvolve o drama inicial do possível encontro – casamento? – dos planetas Terra e Melancolia.

A partir destes nomes e atos, não sou digno de comentar mais nada sobre os sucessos da trama de Melancolia; cada pessoa deve vê-la com seus olhos – céticos, cínicos, com luz dentro, melancólicos. Escrevo apenas algumas sensações indiciais. Como a impressão de que Melancolia propõe alegorias da condição terrestre e da própria melancolia que cerca nosso tempo tecnológico, nosso ciberespaço e nossa vida em condomínios humanos; ou a sensação da presença geradora e ao mesmo tempo apocalíptica do feminino – mãe e morte, a intuição e o sentir – em contraposição à ciência e à razão horizontal do homem.

Ao pintar Melancolia, o autor nos salva da melancolia das narrativas óbvias do cinema padrão. Lars Von Trier é dinamarquês, protagonista e herdeiro do movimento Dogma, que propôs boas maluquices nos anos 90. Vem de outra narrativa intrigante, O anticristo, de 2009. Tratou de ofuscar Melancolia na circunstância da gafe em Cannes, este ano, quando comentou alguma simpatia por Hitler. Pura bobagem de um lapso mental, talvez dionisíaco, que a mídia e o mundo melancólico elevaram à quinta potência.

Conscientemente ou não, ao acaso ou de caso pensado, ao nos resgatar do cinema em decomposição, Von Trier também nos confronta: enquanto eu via o filme, minha filha de cinco anos, antes de adormecer, espiava algumas cenas da tela: “pai, isso é um sonho?”. Talvez, Clarice, tudo seja um sonho; e não seria a vida um piscar de olhos?


* Diretor de filmes documentário.
Kirsten Dunst protagoniza cenas em quadros considerados intensos, dramáticos e, ainda assim, delicados. - Christian Geisnaes / Divulgação
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