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“Estou vivo de corpo, mas minha alma está morta”

Confira a entrevista com o jovem Felipe Aver, 21 anos, sobrevivente do trágico acidente que vitimou Érika Peres Pacheco no mesmo dia em que ela completou 23 anos e que eles ficaram noivos

Um casal jovem, apaixonado e cheio de planos para o futuro. Assim era Felipe Aver, 21 anos, e Érika Peres Pacheco, 23 anos. Juntos há 10 meses, planejavam casar e queriam comprar um apartamento para dar início a nova família. O primeiro passo para tornar esse sonho realidade foi dado por Felipe no dia 9 de outubro, dia em que Érika completou 23 anos. Sem conseguir esconder a felicidade, o jovem saiu da casa onde mora com os pais, Rosmeri e Raimundo Aver, e o irmão mais novo Thiago, em Antônio Prado, decidido a tomar a decisão mais importante de sua vida.

Era final de tarde e a viajem até Flores da Cunha, onde Érika morava e trabalhava há cerca de um ano, durou pouco mais de 45 minutos. Por volta das 19h Felipe já estava de joelhos em frente ao seu grande amor, propondo a ela que passasse o resto de seus dias ao lado dele. “Mostrei a tatuagem que fiz com o nome dela e a pedi em noivado. Ela me disse que aquele era o dia mais feliz da vida dela e que eu a tinha feito a mulher mais feliz do mundo”, recorda Felipe, com um olhar marejado e com um leve sorriso saudoso no rosto.

Essa é a última cena que Felipe lembra. O que a memória dele apagou foi o acidente envolvendo o carro dele, um Corsa, e um caminhão, por volta das 20h30min, no Km 98 da ERS-122, o qual ceifou a vida de Érika. “Não sei o porquê saímos de casa, pois iríamos ficar só nós dois. Eu iria dormir lá com ela. Não sei o que estávamos fazendo em frente da Aquarius. Não me lembro de nós comermos a torta. A única coisa que lembro com detalhes é eu pedindo ela em noivado”, conta ele, explicando que os médicos consideram normal a perda de memória em virtude da gravidade das lesões sofridas na cabeça.

O carro em que o casal estava ficou totalmente destruído. Porém, o lado do motorista foi o mais atingido. Felipe ficou preso às ferragens e foi o segundo a ser retirado pelos bombeiros. Ele conta que quebrou todas as costelas, o externo (osso do peito), o braço direito, o osso occipital (parte de trás do crânio), o osso zigomático das duas faces (ossos das bochechas), perfurou o fígado, o intestino, o baço e amassou um dos pulmões. O trauma provocou hemorragia interna e Felipe precisou fazer três transfusões de sangue. “Os médicos diziam para meus pais chamarem os parentes e amigos próximos porque eu não iria sobreviver”, afirma Felipe.

No total, foram 18 dias de internação, 10 deles em coma na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Pompéia, de Caxias do Sul, e outros oito no quarto. Segundo ele, os médicos afirmam que foi uma recuperação surpreendente, considerando a condição em que ele chegou ao hospital. “O médico diz que até quando ele se aposentar, a história de vida que ele contará para todos é a minha, pois ele trabalha há seis anos na UTI e nunca tinha visto ninguém chegar no estado em que eu cheguei e sobreviver, ainda mais com essa velocidade”, conta Felipe. O jovem ficará afastado do trabalho até o mês de abril. Segundo ele, os médicos acreditam que ele não terá nenhuma sequela. Érika morava sozinha em Flores da Cunha e foi sepultada na cidade de Rosário do Sul, na Fronteira Oeste, de onde era natural.

Nesta semana, a reportagem do jornal O Florense esteve na residência da família Aver, em Antônio Prado, para conversar com Felipe sobre o acidente que aconteceu em solo florense e sobre como ele está encarando a vida após a tragédia. Acompanhe os principais trechos da entrevista.

O Florense: Você lembra de alguma coisa do dia do acidente?
Felipe Aver:
Naquele dia (9 de outubro) tinha feito uma tatuagem com o nome dela (o jovem tatuou o nome Érika Peres no pescoço) e quando saí do trabalho fui para a academia, como sempre fazia, passei na minha tia e peguei uma torta para uma surpresa a Érika. Peguei as alianças e fui para Flores. Eram umas 18h quando saí daqui (Antônio Prado). Cheguei à casa dela, mostrei a tatuagem e fiz o pedido. Ela estava muito feliz. Depois disso não me lembro de mais nada. Eu forço muito a memória, pois o que eu mais queria era saber o que aconteceu.

O Florense: Como foi para você, depois de 10 dias, acordar do coma, e ver a situação em que se encontrava?
Felipe:
Não sabia onde eu estava e nem porque estava lá. Tanto que meus pais só me contaram no 14º dia que a Érika havia falecido.

O Florense: E como você está lidando com essa situação?
Felipe:
Não me importo com dor, com nada. O que mais sinto é a perda da minha querida. Tenho que ter força, assim como tive força para me recuperar do acidente. Não adianta, não tenho o que fazer. Voltar ela não vai. Tenho que tocar a vida em frente, pois de onde ela estiver vai querer me ver bem.

O Florense: Você ingeriu bebida alcoólica naquela noite?
Felipe:
Não, nem um gole. Fazia dois meses que não colocava bebida de álcool na boca, pois estava fazendo academia e nessa fase não se pode beber. Cuidava muito da alimentação também. Inclusive, a explicação que os médicos me deram para a recuperação tão rápida foi a minha condição física ser muito boa. Como eu fazia academia todos os dias e comia muita proteína, meu organismo teria retirado energia da proteína dos músculos.

O Florense: E agora, como você está fisicamente?
Felipe:
Ainda sinto muita dor, principalmente no peito, pois os ossos ainda estão ‘se fechando’ e estou tomando antibióticos. Os médicos achavam que teriam que operar meu braço, mas devido a minha recuperação rápida eles acham que não precisará e que os ossos irão se fixar sozinhos. Depois que vim para casa ainda encontrei pedaços de vidro dentro do meu braço. Nessa semana fui até o hospital para retirá-los.

O Florense: Como Érika era?
Felipe:
Era perfeita. Ela não tinha nenhum defeito. Nunca a vi triste e nem reclamar de algo. Sempre via o lado bom das coisas. É nisso que estou me inspirando, tentando ver o lado bom das coisas.

O Florense: Você consegue ver o lado bom dessa situação? É possível tirar algum aprendizado do que você está passando?
Felipe:
Com certeza. Nasci novamente. Acredito que não era a minha hora, mas era a da querida. Acho que ela passou por aqui para me mudar, pois antes dela eu era um menino e com ela eu pensava como um homem, no futuro. Não tem explicação para o que aconteceu. Se eu estou vivo é porque Deus quis. Ele sempre tem algum jeito de chamar a gente para perto dele e assim foi comigo. Quando acordei do coma sentia tanta dor que chegaram a me dar três doses de morfina no mesmo dia, quando o recomendado é uma só. Achei que não iria passar daquele momento e pedi para o meu pai chamar alguém para rezar, pois só Deus poderia me salvar. Um pastor da Igreja Batista rezou por mim. Depois disso, me apeguei na fé e criei uma força não sei de onde para me recuperar.

O Florense: O que mudou na sua vida depois disso?
Felipe:
Mudou tudo, pois a minha vida era ela. Sinto que estou vivo de corpo, mas minha alma está morta, foi junto com ela. Sigo me enganando que estou bem, mas só eu sei o quanto estou sofrendo. Penso nela todo o momento e me pergunto por que Ele a tirou de mim. Agora estou indo na igreja para tentar encontrar algum caminho.

O Florense: Como seus pais encararam essa situação?
Felipe:
A gente vive um pelo outro. Em nenhum momento eles deixaram de acreditar que eu ficaria bem. Meu pai diz que jamais pensou em desistir de mim, mesmo quando o médico ligou e disse que ele poderia ligar para os parentes e iniciar os preparativos do funeral, pois eu não iria me salvar, ainda assim ele acreditava. Tenho certeza que eles sofreram bem mais do que eu. Quando abri os olhos (na UTI) eles estavam ao meu lado, chorando. A minha mãe diz que o sorriso mais lindo que eu já dei para ela foi quando acordei do coma. Estava todo entubado e ela pediu para eu dar um sorriso e apenas mexi o canto da boca.

O Florense: Como foi para você voltar para casa depois do acidente?
Felipe:
Foi difícil, pois é algo que não entra na minha cabeça. Fiquei perdido e não sei mais o que fazer. Perdi ela e perdi meu foco. Ontem (dia 9 de novembro) fez um mês do acidente e postei uma foto no Facebook e muitos amigos dela me desejaram força e me agradeceram, pois nunca tinham visto a Érika tão feliz quanto no tempo em que estávamos juntos. A mãe dela esteve aqui em casa depois que voltei do hospital e me disse a mesma coisa. Isso me conforta um pouco, pois sei que fiz a minha parte enquanto ela estava viva.

O Florense: Como será a sua vida a partir de agora?
Felipe:
Quero voltar a estudar, trabalhar, seguir a vida. Um dia vou ter que encontrar outro alguém e formar uma família. Não adianta, terá que ser assim, mas nunca vou deixar de ter ela dentro do meu coração. Ela está tatuada em mim e não sairá nunca mais. Jamais vou tirar essa marca. Se algum dia encontrar outro alguém, essa pessoa terá que entender que a Érika fez parte da minha história.

O Florense: Que mensagem você deixa para quem ler a entrevista?
Felipe:
Dê valor para as pessoas enquanto elas estão do seu lado. Depois que você as perde, não adianta, não voltam mais.

* Colaborou Antonio Coloda.


Condição física de Felipe Aver o salvou da morte: jovem fraturou vários ossos e teve problemas no fígado, no intestino, no baço e num dos pulmões. - Antonio Coloda
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