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“Educação é pôr para fora aquilo que o ser humano tem de melhor”

Reitor da PUCRS, Evilázio Teixeira, lembra período que viveu em Flores da Cunha e traz seu ponto de vista sobre o atual cenário da educação

Dono de um extenso currículo com capacitações nacionais e internacionais Evilázio Francisco Borges Teixeira, Irmão Evilázio Teixeira, já percorreu os quatro cantos do globo e coleciona histórias e momentos em sua trajetória de mais de duas décadas dedicadas à educação. Hoje, aos 56 anos, ele está na segunda gestão como reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e reside em Porto Alegre, mas não esquece suas raízes em solo florense. ‘Vila’, como prefere ser chamado pelos amigos, é um dos 11 filhos do casal Ari e Ignez Teixeira (in memoriam). Possui formação em Filosofia, Teologia, Direito, Psicologia, aprofundou-se nos idiomas italiano, inglês e francês. Multifacetado, ocupou a vice-presidência da Federasul (Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul), foi homenageado com a medalha dos 100 anos de criação do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul, em 2018, e recebeu o prêmio Top CEO da Infojobs, em 2022. Possui 18 livros publicados, incluindo capítulos em obras com outros autores. Dentre as diversas publicações nacionais e internacionais destacam-se: O gemido de Jó, gemido do povo; Imago trinitatis: Deus, sabedoria e felicidade; A Educação do Homem Segundo Platão; A Fragilidade da Razão, e; Aventura Pós-Moderna e sua Sombra. Em 2023 ele pretende lançar mais duas obras: uma com foco na Teologia, com temas como Escatologia, e outra ligada à Antropologia filosófica. Conheça o que passa na mente desse são-gotardense inquieto.

O Florense: Qual sua ligação com o município de Flores da Cunha? 
Evilázio Teixeira: Nasci em Vacaria mas, para buscar novas oportunidades, sobretudo de emprego, eu e minha família fomos morar em São Gotardo, em 1974, eu tinha 8 anos. Comecei a trabalhar muito cedo, com 10 anos de idade empalhava garrafões, depois, com 13, fui para a fábrica de móveis Toigo, onde tive carteira assinada e permaneci por alguns anos (na época a legislação permitia). Eu saí de São Gotardo com 17 anos, fui morar em Mato Grosso do Sul e depois voltei, a trabalho, e fiquei mais quatro anos. Saía e voltava seguidamente para visitar minha família. Hoje, tenho um tio, uma tia e duas irmãs que ainda moram ali. De tempos em tempos dou uma ‘passadinha’ em Flores da Cunha, tenho uma ligação afetiva com São Gotardo. Me sinto muito mais são-gotardense do que vacariano, eu saí muito criança de Vacaria, tenho poucas memórias de lá, já em São Gotardo eu estudei na escola Prof. Pedro Cecconello, fui catequista e fiz muitos amigos. 

OF: Como despertou sua vocação para a vida religiosa? 
Teixeira: Eu diria que foi um processo de discernimento, tanto que eu entrei e saí três vezes da vida religiosa. Lembro que minha mãe brincava comigo perguntando quando eu iria sair de novo (risos). Venho de uma família católica e italiana. Quando criança rezávamos todas as noites, além disso, frequentávamos a comunidade e trabalhávamos na igreja; inclusive cheguei a ser catequista em São Gotardo. Não estava no meu horizonte – aos 17 anos, quando fui para Mato Grosso – ser Irmão Marista, tanto que me aproximei deles e me tornei amigo de alguns, frequentando inclusive as suas casas. Depois de um ano eles me perguntaram se eu já havia pensado em ser um Irmão Marista, eu respondi que nunca tinha refletido sobre, mas aí me disseram para pensar nisso e foi o que fiz. 
Na verdade, o meu sonho não era fazer Teologia. Filosofia sim, sempre gostei, mas meu sonho era trabalhar com teatro, ser teatrólogo. Tanto que eu fundei um grupo aqui na universidade e fui diretor de teatro, além de ter outro grupo em Viamão. Durante cinco anos eu trabalhei com teatro: escrevia, dirigia peças, viajava pelo estado. Mas aí, em 1997, pedi para os irmãos franciscanos superiores se eu poderia morar em Nova York – eu queria fazer a The Juilliard School, uma das maiores escolas de arte dos Estados Unidos –, mas eles não aprovaram. Me disseram que eu era uma pessoa inteligente e muito dedicada, mas precisavam de um teólogo, perguntando se eu aceitaria ir a Roma fazer doutorado em Teologia. Eu pensei que não era uma má ideia e fui. Fiquei cinco anos na Itália e acabei tendo dois mestrados e dois doutorados. Em 2002 eu voltei para a PUCRS e durante esse período fui diretor do Centro de Pastoral e Solidariedade. No final de 2004 fui convidado para ser vice-reitor, ocupei esse cargo de 2005 até 2016 e viajei muito, porque na universidade a gente vive em congressos. Depois, em dezembro de 2016, me tornei reitor da PUCRS. 

OF: É mestre e doutor em Teologia e Filosofia e bacharel em Direito, possui MBA em Gestão Universitária e formação Business and Professional English. Como nasceu sua paixão por esses universos?
Teixeira: Sempre gostei de estudar e tive muita intimidade com os livros, desde a 7ª série. Quando decidi seguir essa caminhada com os Irmãos Maristas assumi uma missão, e hoje eu diria que a nossa vocação é trabalhar na educação. Sabendo que ela exige muita dedicação e estudo, fiz magistério em Viamão e sou professor de 1ª a 4ª série, tendo trabalhado, inclusive, em escola com a 2ª série do Fundamental, em Caxias do Sul, município que também fiz meu estágio, no colégio São Carlos.
Para se tornar um Irmão Marista (não somos sacerdotes, somos leigos) a gente tem que passar por vários períodos de formação, postulado, noviciado, escolástica. Então eu comecei a estudar Filosofia, na Universidade de Caxias do Sul (UCS), quando trabalhava na cidade, mas com essa história de entrar no Instituto Marista eu acabei sendo transferido para a PUCRS, onde vim morar em 1995. Então concluí Filosofia e fiz mestrado em Teologia aqui em Porto Alegre. 
Comecei a fazer Direito em 2011, na época em que era vice-reitor. Lembro que tive uma discussão com nosso jurídico, quando me dei conta da importância, como o ditado diz, de ter boas relações com um advogado, um padre e um médico, porque em algum momento você vai precisar deles (risos). Estudei à noite e me formei em 2015, foram quatro anos de uma experiência muito boa em sala de aula, afinal, ali eu era apenas um estudante e não o vice-reitor da universidade.
Em termos de formação também acabei fazendo MBA em Gestão Universitária, com estágio na Universidade de Otawa, no Canadá. Morei e estudei em Boston, em 2011, depois fiz Business and Professional English Program, na Universidade de Georgetown, em Washington, por seis meses. E hoje continuo estudando, lendo, escrevendo. Acabei de terminar minha formação em Psicanálise e, durante a pandemia, fiz uma especialização em gastronomia, eu gosto de cozinhar, na minha comunidade eu sou o cozinheiro.

OF: O que diferencia a PUC das demais instituições de ensino? Levando em consideração que se trata de uma Rede Marista. 
Teixeira: Dentro do cenário do Instituto Marista, a PUC foi a primeira universidade. Os Irmãos Maristas se dedicam, de modo especial, à educação básica e ao Ensino Médio; a PUC começa com um conjunto de faculdades, em 1931, e se torna universidade em 1948, recebendo o título de Pontifícia dois anos depois, em 1950. Este título, na verdade, é um selo de reconhecimento pela qualidade e é o Vaticano quem concede. A primeira prerrogativa da PUC, que nós trabalhamos e nos dedicamos, é que ela seja uma universidade referência de qualidade, e isso ela é. Hoje, quando a gente fala na PUC, estamos falando das 10 melhores universidades do país, entre públicas e privadas. Outra questão que diferencia a PUC é justamente o carisma marista, nós temos alguns valores muito claros aqui, na questão do amor ao trabalho, da espiritualidade, da audácia. Dentro da perspectiva marista a gente entende, e com a universidade não é diferente, que a educação é uma obra de amor. Então ela se diferencia por investir muito em qualidade, em excelência, mas também tem o compromisso de uma formação integral, já que nós precisamos tornar o ser humano melhor, melhorar o mundo. Nós temos que entregar para a sociedade os melhores profissionais possíveis, mas também boas pessoas. 

OF: Hoje, ao olhar para trás, qual é o sentimento de estar à frente de uma das mais tradicionais instituições de ensino superior do país? 
Teixeira: Um sentimento de alegria e, por outro lado, uma inquietação, porque uma instituição como a PUC, que chegou no topo, você sabe que o desafio é continuar lutando para se manter ali. Eu acho que a gente vive essa inquietação e ela é boa, é saudável, ou seja, temos que nos dedicar diuturnamente, insistir. Nós estamos iniciando um novo ciclo da PUC, um novo planejamento estratégico para os próximos cinco anos, e esse foi o trabalho de um ano que envolveu mais de 700 pessoas, porque sempre temos que buscar melhorar a instituição em todos os aspectos. A PUC não é uma das maiores universidades que o país tem, mas eu diria que em termos de qualidade nós estamos entre as melhores, e esse é o desafio. Recentemente a PUC ficou entre as 20 melhores de toda a américa latina, no ranking da Times Higher Education, então dá para ver que estamos fazendo uma boa caminhada e o grande desafio é manter e melhorar os nossos standards de excelência e qualidade. Hoje, o cenário no Rio Grande do Sul também é muito desafiador quando se refere à educação, o estado já foi o segundo melhor da Federação em qualidade na educação fundamental e básica, mas não é mais. 

OF: O que vai devolver para o RS a qualidade na educação? 
Teixeira: Hoje nós temos, em Porto Alegre, a chamada Aliança para a Inovação, mas você não vai ter inovação sem educação. Não tenho dúvida, isso envolve desde investimento de recursos, mas investimento, sobretudo, nas pessoas. Sabemos que há um grande desencanto, hoje, na educação, os jovens não querem mais ser professores. Então eu acho que passa por um maior incentivo para atrair novos docentes, tem alguns locais que não se encontram mais professores de Matemática, Física, Química e hoje muitos engenheiros estão dando aulas nas escolas. O grande desafio é que nós precisamos de mais investimentos, capacitação das pessoas e uma grande aliança pela educação do RS e que a universidade, sem dúvida nenhuma, tenha uma contribuição, mas não pode ser exclusiva e única, isso envolve universidade, poder público, setor produtivo, sociedade como um todo. A pauta educação, hoje, deveria ser prioritária, assim como a formação das novas gerações. Para se ter uma ideia, nós temos um absenteísmo em educação no RS de 29%, isso significa que 29% dos jovens que entram no Ensino Médio não concluem e, consequentemente, não vão acessar a universidade. É um cenário preocupante.

OF: Quais os principais desafios e realizações à frente da instituição? 
Teixeira: A PUC deu um salto tremendo em 2017, quando assumimos a universidade. Naquele ano fomos para o online, criamos o PUCRS Online, com cursos de pós-graduação, MBA e especializações, em torno de 60 cursos com mais de 55 mil estudantes; eu diria que isso garantiu a sustentabilidade da instituição. Um outro desafio é que neste ano nós estamos lançando a graduação totalmente online, mas em todo o país, então nós estamos abrindo em outros estados da Federação, porque esse é o caminho. Eu também estive no Equador por um período e gostaria de poder levar educação para toda a América Latina, estamos trabalhando nisso, esses são os desafios que eu vejo ali na frente.

OF: Participou de missões educacionais na Índia, China, Noruega, Filipinas, Malásia, Alemanha, Hungria, Estados Unidos, Noruega. De que forma essas experiências contribuíram para sua formação pessoal?
Teixeira: As missões foram promovidas pelo Grupo Coimbra de Universidades Brasileiras e pelo Ministério das Relações Exteriores. Participar disso é extremamente rico, porque nós vivemos em um mundo globalizado e temos que conhecer o que está acontecendo, isso sempre contribuiu muito com minha formação. O networking é muito importante, mas a alegria que me dava quando eu voltava e dizia que a PUC não estava perdendo em nada, porque a gente acha que o canteiro do vizinho é sempre o mais bonito, mas a PUC está muito bem adequada ao que está acontecendo em Harvard, em Cambridge. Essas missões ajudam muito a ver como o mundo está e para onde está indo, afinal, temos que estar onde está indo o mundo. Foi algo extremamente rico e continua sendo, tenho mais uma missão, em maio, que nós vamos em um dos maiores congressos de reitores, em Valência, na Espanha.

OF: Para você, o que é educação? 
Teixeira: Quando falamos de educação, dentro da cultura latina, ela vem de um verbo chamado educere, que significa pôr para fora e não colocar para dentro (como estamos acostumados a ouvir). A educação é pôr para fora aquilo que o ser humano tem de melhor, seus dons, talentos, potencialidades, essa é a perspectiva do conhecimento. Educação, para mim, é algo que melhora o ser humano em todos os sentidos.

OF: Se pudesse dar um conselho, qual seria? 
Teixeira: Também dentro da tradição latina, dos pensadores latinos, eu diria o seguinte: viva a vida como se cada dia fosse a vida inteira.

OF: Qual/quem é sua maior inspiração?
Teixeira: Minha maior inspiração é minha mãe, eu tenho uma história muito bonita com ela. Minha mãe foi um símbolo de coragem, honestidade, dedicação. Era uma mulher de muita fé, nós éramos bons amigos, conversávamos e brincávamos muito. Era uma senhora muito simples.

OF: Que legado gostaria de deixar? 
Teixeira: Eu gostaria de deixar, talvez, o legado de ser um homem bom, um homem que viveu intensamente a sua vida, um homem de muito trabalho, íntegro e feliz. Porque eu acho que eu sou muito feliz.

Desde o fim de 2016 Evilázio Teixeira ocupa o cargo de reitor da PUCRS.  - Karine Bergozza
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