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“Contradições enfraqueceram o tradicionalismo”

Dante Ramon Ledesma: "Vim para o Brasil em 1978. Durante cinco anos vendi livros, não cantava."

Nascido há 57 anos no interior da província de Córdoba, na Argentina, Dante Ramon Ledesma teve inspiração na família para seguir a vida artística. Filho de uma violinista, ele radicou-se no Brasil há 32 anos com a esposa, depois de o governo hermano ter considerado subversiva a ONG Carismáticos, a qual ele integrava. Nesta semana, o músico esteve em Flores da Cunha, quando apresentou-se no Parque de Rodeios Antônio Dante Oliboni, dentro da programação artística do 7º Rodeio Crioulo Nacional.

Autor de 19 CDs e três DVDs, Ledesma contabiliza aproximadamente 8,5 mil shows em 28 países. Antes do show, ele conversou com O Florense no Hotel Fiório, onde falou sobre a carreira, sobre o novo trabalho a ser lançado daqui a dois meses e sobre ideais de vida. “Quero deixar um agradecimento especial a Flores da Cunha, que dá espaço para meu canto, principalmente ao pessoal do rodeio. Gostaria de parabenizar ainda a cidade pelos seus vinhos. Tem um por aí, que não posso fazer propaganda, que é muito gostoso”, disse, sorrindo, o músico. Confira a entrevista.


O Florense: Quando começou o seu interesse pela música? Quais foram as tuas influências?
Dante Ramon Ledesma:
Tenho 57 anos de idade, e segundo conta minha irmã que mora na Argentina, desde os três anos eu cantava. Meu avô me ensinou a cantar e a dançar o flamenco. Aos oito anos comecei a tocar bumbo leguero (instrumento de percussão originário da Argentina), quando cantei pela primeira vez em um festival, a convite. Aí começou minha carreira. Com 12 anos, tocando violão, também ensinado pelo avô, participei de um festival de música. Todos são músicos na família da minha mãe – ela tocava violino. Uma família simples, mas muito artística. Por volta dos 14 anos comecei a cantar profissionalmente. Na época, em cerca de três anos, ganhei 50 festivais, todos na Argentina. Mas meu pai não gostava muito que eu seguisse com a música. Preferia que eu estudasse – sou formado em Sociologia.

O Florense: E no Brasil, qual a primeira vez que tocou, quando foi sua primeira apresentação?
Ledesma:
Vim para o Brasil em 1978. Durante cinco anos vendi livros, não cantava. Tinha 25 anos. Dois anos antes me casei com uma brasileira, na Argentina, onde trabalha em um setor judiciário, que tratava de temas criminalísticos. Achava que era muito novo para trabalhar com um assunto tão sério. Após conversar com meu pai, decidi apostar no Brasil. Desde então moro em Canoas, e viajava pelo Estado vendendo livros. Certa vez eu estava em Santo Augusto e havia um show num clube. Estava chovendo e os músicos não apareceram. O espaço estava lotado, todos tristes. Eu estava em um hotel do outro lado da rua, com meu violão ao lado, olhando para aquela gente. Atravessei a rua, tomei um trago com algumas pessoas e, conversando, me ofereci para tocar. Como não havia equipamento de som e havia faltado luz, colocaram uma cadeira no meio do salão e acenderam velas. Era o auge de Julio Iglesias. O combinado era eu cantar umas seis músicas. Resultado: toquei durante duas horas e meia e amanheci na casa do prefeito cantando. E depois fui para a casa de um juiz.

O Florense: E o negócio dos livros?
Ledesma:
Daí, todo mundo queria comprar livros. Eu vendia enciclopédias da Larousse. Quebrei um recorde da empresa na época: 350 pedidos em um mês. Eu deveria ficar 10 dias na cidade e, devido às cantorias, foram dois meses em Santo Augusto. Em todas as cidades que comecei a vender foi assim. Depois de um tempo, veio a música Orelhano. Ela não ganhou nada, mas concorreu em uma tertúlia. Em 15 dias ela era a mais tocada no Rio Grande do Sul. Era abril de 1984. A canção também entrou na Argentina e no Uruguai. No mesmo ano ganhei a Califórnia da Canção. Foi quando decidi parar de vender livros e me dedicar somente à música.

O Florense: A partir daí tudo deve ter mudado...
Ledesma:
Sim, começaram os shows, dois a três por semana. A partir daí foi tudo muito rápido. Veio a música América Latina, e outras. Quando percebi, depois de três anos, minha vida tinha virado uma coisa que eu não queria. A minha vontade era cantar em um bar ou restaurante todos os dias, mas no mesmo lugar, não pegar a estrada e viajar, fazer programas na televisão, gravar discos... Hoje, às vezes, digo para minha mulher, Norma, e meu filho, Maximiliano, que tudo foi tão acelerado, sabe, que não percebi o tempo passar. Não vi meu filho crescer. Passaram-se 27 anos, 8,5 mil shows, aí me pergunto: valeu a pena? Sim, valeu. Faria tudo de novo, e faria mais.

O Florense: Por quê?
Ledesma:
Por que vejo as gerações. Hoje tenho um netinho de sete meses, e sinto a necessidade de deixar plantado algo coerente, que seja simples, de verdade, com consciência. Daqui a dois meses lançarei um novo CD. O título do álbum será Dante Ramon Ledesma – Consciência, todas as músicas compostas por mim e pelo meu filho. O enfoque será nos problemas sociais. Junto ao Consciência gravarei, neste domingo, em Curitiba (PR), um CD somente com músicas românticas. Isso tudo por qual motivo? Por que acredito nas gerações, todas elas, que são responsáveis por este planeta. Se hoje vemos na televisão a deploração da vida, é por que alguém está preocupado com isso. O que eu quero: que alguém, algum dia, cante uma música minha, ou se lembre do Dante.

O Florense: Falando um pouco mais do seu novo trabalho, a temática social será abordada em forma de alerta?
Ledesma:
Alertas, exatamente, mas sem ingressar em campos agressivos, como politicagem ou fanatismos religiosos. Alerta que deve ser dado é para honrar a vida e glorificar a verdade. Aquilo que todos deviam fazer. Dói, particularmente, quando vejo pessoas que não conheço sofrerem. Dói também que muitos não têm mais o hábito de ler. Nostradamus nos deixou, e está escrito no Alcorão e na Bíblia, não é o fim dos tempos; passaremos por cataclismas? Não sabemos, mas devemos preparar o íntimo, o interior da gente, a alma. Isso porque precisamos aprender a amar com humildade, que nosso semelhante não é só um ser humano, é nosso irmão. Quando você reza, você pede por felicidade, não pode ser somente dentro de sua casa. Todo o mundo deve ser feliz.

O Florense: Sobre a música gaúcha de raiz, qual sua opinião? Acha que houve perda de identidade com o passar dos anos?
Ledesma:
Eu não acredito que a música gaúcha tenha perdido. No início do movimento, que eu tive oportunidade de acompanhar, a partir de 1982, e aprender todos os dias algo novo. Como os ritmos, que muitos diziam serem gaúchos, mas não eram. É o caso da milonga, da chimarrita, parte da vanera. O único ritmo que é autenticamente gaúcho é o bugio. Os demais foram copiados de raças que moraram ou passaram pelo Rio Grande, como italianos, poloneses e alemães, que trouxeram seu folclore, os quais acabaram miscigenados também com a literatura. O que, em minha opinião, nunca teria permitido ingressar é o instrumental eletrônico e culturas de outros movimentos. Por exemplo: como podemos nos pilchar e sermos rigorosos para entrar em um CTG que tem um show de um grupo que usa bateria, teclado, guitarra elétrica... Há uma contradição muito grande. Essas contradições enfraqueceram o tradicionalismo. O movimento deveria manter a origem folclórica, preservando a autenticidade, instrumental e literária.

O Florense: Como isso poderia ser transmitido aos jovens?
Ledesma:
Devemos prestigiar os poetas, os pintores e os músicos novos. Ensinar nas escolas essa arte gaúcha, para que os jovens descubram sua identidade com o Rio Grande do Sul, com o seu folclore. Não precisamos de muitos shoppings, mas sim de escolas de arte, museus, lugares onde seja possível formar novas gerações culturais.


Ledesma prepara lançamento de novo trabalho para os próximos dois meses. - Andréia Debon
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