“A partir de janeiro minha língua estará mais afiada”
Eleito em 2008, o prefeito de Flores da Cunha, Ernani Heberle (PDT), avalia sua gestão à frente do Centro Administrativo
Preocupado em encerrar o mandato à frente da prefeitura de Flores da Cunha com as contas em dia, o prefeito Ernani Heberle (PDT) está mais tranquilo do que no início de novembro, quando passou por uma turbulência ao tentar sair de férias e teve parte da estrutura administrativa mexida pelo vice-prefeito Domingos Dambrós (PSB), então chefe do Executivo em exercício. Convicto de que tem uma boa imagem perante a população, e lamentando o fato de não ter a oportunidade de tentar a reeleição, Heberle recebeu a reportagem do jornal O Florense em seu gabinete no início da manhã de 18 de dezembro, horas antes de receber uma comitiva de Marau, que veio a Flores conferir algumas obras executadas no mandato do pedetista. Até o dia 31 Heberle é o prefeito, e fala como representante da população de Flores da Cunha. A partir de 2 de janeiro ele pretende ser mais incisivo ao falar sobre determinados assuntos. Confira nesta e na página ao lado os principais trechos da entrevista.
O Florense: No seu discurso de posse, em 1º de janeiro de 2009, o senhor exaltou a criação do Orçamento Cidadão. Como está o projeto no encerramento do seu mandato?
Ernani Heberle: O principal mérito do Orçamento Cidadão foi o de estabelecer um canal de comunicação com a sociedade, bairros e comunidades. Sempre ouvimos bastante o povo. Sempre disse que a comunidade vai ter voz e vai ter vez. E teve. A maioria das reivindicações foi entregue. Claro que algumas ficaram para trás devido ao contingenciamento do orçamento ou readequações. Foi um projeto muito positivo porque nos deu condição de premiar as comunidades que mais se mobilizaram.
O Florense: Em julho de 2009, quando conversamos sobre os primeiros seis meses de gestão, o senhor disse que o governo iria mostrar as suas qualidades. Quais foram essas qualidades?
Heberle: Desde o início nossa administração teve três focos: gestão, políticas sociais e infraestrutura, com planos de curto, médio e longo prazos. Todas as ações da prefeitura basearam-se neste tripé. Algumas avançaram mais, outras menos, mas nós nunca fugimos do foco, esse é um grande mérito da nossa administração. Na gestão, a implantação do Orçamento Cidadão é uma forma de propiciarmos o envolvimento da população, entidades e lideranças. Também investimos na informatização. Hoje tudo está praticamente interligado. Acabamos com os programas avulsos e padronizamos o sistema com apoio de uma empresa. Abriu-se um canal de melhor gerenciamento das informações. Fruto de um trabalho lá atrás, implantamos o Portal da Transparência, atendendo a uma legislação, mas que dá muito mais transparência aos gastos e receitas públicas. O Alô Flores também é um importante canal, pela internet ou telefone, para pedidos, sugestões ou críticas. Ainda na gestão, acho que fomos a única prefeitura que teve a iniciativa de promover uma reforma administrativa. Tudo o que aconteceu antes foi por imposição da lei. Nossa administração teve focos especiais. Fruto também das políticas públicas de cima para baixo, que nos impõem essas atribuições. A reforma também estimula o repensar de cada servidor. Nossa ideia era introduzir novos conceitos dentro do setor público.
O Florense: Talvez por inovar demais, a reforma administrativa tenha gerado um desgaste na administração, entre o funcionalismo, apesar de o projeto não ser votado pela Câmara de Vereadores? A reforma mexeria muito com o ‘comodismo’?
Heberle: Acho que gerou bastante incerteza. As pessoas achavam que a reforma cortaria benefícios. Não, não cortamos. Apenas tentamos dar uma nova visão para a carreira do servidor. Claro que mexe com a acomodação natural no setor, mas conseguimos montar a proposta por meio de uma comissão paritária, formada por representantes dos servidores e da administração. Avançamos até onde foi possível, sempre pelo consenso. O projeto demorou a ser construído porque existem muitos paradigmas. Não tenho dúvida de uma coisa: o setor público é a bola da vez no país; precisa ser repensado. Tivemos a ousadia de começar essa discussão. Não acredito que tenhamos sido mal entendidos porque acho que fomos a administração que mais resgatou benefícios para o servidor. Sempre concedemos aumento acima da inflação, resgatamos o auxílio natalidade, o abono família, regularizamos a questão da Unimed (o servidor tinha o benefício para a esposa, mas a servidora não tinha para seu marido) e revisamos o Fundo de Previdência (Fuprev), que está defasado. Para garantir o equilíbrio financeiro, hoje estamos aportando 12,5% a mais a cada folha de pagamento para evitar, lá na frente, problemas para quem se aposentar. Qual foi o prefeito que fez isso? O Ernani.
O Florense: Isso tudo na gestão. As políticas sociais também integram o tripé citado pelo senhor. A criação da Secretaria de Desenvolvimento Social foi a principal ação no setor?
Heberle: Ela não foi uma secretaria criada, como alguém disse, para acomodar partido. A secretaria está aí e mostra um belo trabalho, com uma equipe muito competente. O trabalho não tem foco assistencialista, mas com inclusão social, fornecendo o amparo, a mão do poder público, ajudando as pessoas a se inserirem na faixa de consumo. Estruturamos o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), que hoje está instalado em um imóvel próprio. Neste ano, quase conseguimos recursos federais para construir uma sede própria para o Cras. Para 2013 está praticamente certo que virá dinheiro para isso. Orgulho-me muito dessa iniciativa que faz justiça social com o dinheiro público. Na área social os projetos Educação Nota 10 e Alimentação 10, Resto Zero foram destaque, premiados com o troféu Gestor Público em 2010 e 2011, respectivamente. São distinções que premiaram o trabalho da Secretaria de Educação, Cultura e Desporto. O Educação Nota 10 sacudiu a estrutura, e hoje os reflexos estão aí, com aumento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – a Escola Municipal São José ficou em quinto lugar no Estado.
O Florense: A nova secretaria foi desmembrada da pasta da Saúde. Isso propiciou também melhorias na saúde?
Heberle: Procuramos estruturar a Secretaria da Saúde, por mais que seja uma área complexa. Estruturamos fisicamente, com espaços apropriados, melhoraramos o atendimento e descentralizamos os serviços. Construímos a Unidade Básica de Saúde (UBS) São Gotardo, estamos construindo a de Otávio Rocha e estamos ampliando o Centro de Saúde Irmã Benedita Zorzi. Criamos o programa Promoção, Terapêutica e Gestão em Saúde Mental (Protege), com uma área própria. Foi uma das melhores decisões que tomamos, em acatar o projeto sugerido pela equipe que atua na saúde mental. Hoje o programa atende no espaço antes dividido com o Cras. A equipe do Protege praticamente zerou as demandas trabalhando com uma filosofia que envolve o paciente e sua família. Além disso, implantamos o Pacto de Gestão, fazendo com que o Hospital Fátima atendesse pelo Sistema Único de Saúde (SUS), um ótimo avanço para um assunto que se arrastava há tempo. E os investimentos no setor, com cirurgias e exames, aumentamos em cerca de 130% em relação à administração anterior, sendo que tivemos um aumento de orçamento de cerca de 40%. Internamente promovemos a informatização da saúde, interligando os sistemas, favorecendo o controle.
O Florense: Em outra oportunidade o senhor citou a implantação dos planos estruturantes no município. Qual a situação desses projetos?
Heberle: No saneamento, por exemplo, foi uma decisão difícil, cujo processo começou em março de 2009. Hoje está tudo definido, faltando apenas, até o final de 2012, minha definição sobre a área de interesse público para depois a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) negociar com o dono e construir a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), na localidade de Lagoa Bela. Outro é o transporte coletivo – assinarei o contrato até o final do ano, após muitas pendengas e recursos das empresas participantes da licitação. Depois de assinar, só é preciso definir com a empresa o funcionamento do serviço. A regularização fundiária foi outra ação, um avanço muito grande do governo, principalmente pela nova visão que implantamos de não permitir o surgimento de novos loteamentos irregulares. Os novos empreendimentos devem cumprir a legislação. Criamos os planos municipais de Saneamento e de Mobilidade Urbana e o Plano de Gerenciamento dos Resíduos da Construção Civil. Com isso ampliamos a fiscalização, com uma equipe que atua mesmo. Às vezes o resultado desse trabalho nos deu desconforto para administrar, mas aos poucos colocamos as coisas no lugar. E na infraestrutura estão os asfaltos. Fomos a administração que mais asfaltou e repavimentou ruas e estradas. Somando os recapeamentos, são quase 40 quilômetros. Renovamos toda a frota de veículos leves. A vinda da Cooperativa Nova Aliança também foi muito importante.
O Florense: Em 2010 o senhor projetou 2011 com otimismo. E no final de 2011 o senhor disse que foi o melhor ano da sua administração. De que forma isso ocorreu?
Heberle: A arrecadação de 2011 foi positiva. Mas também conseguimos implantar propostas planejadas desde 2009. Conseguimos recursos externos, e também pelo fato de as equipes se adaptarem ao nosso foco.
O Florense: Que avaliação Ernani Heberle faz do seu mandato como prefeito?
Heberle: A avaliação é bem positiva. Não só porque temos em mãos informações e dados que comprovam isso (contra números não há contestações). Mesmo com as limitações que temos, limitações de capacitação das equipes, limitações financeiras e burocráticas, avançamos bastante. Poderíamos ter feito mais, se olharmos para trás, mas acho que fizemos o possível. Conseguimos implantar um sistema de trabalho sem privilégios para ninguém. Isso, lá fora, repercutiu. Conseguimos dar credibilidade ao nosso trabalho. E a gente trabalhou para isso. Jamais desviei do meu foco, e não recuei. Nossa marca foi a de fazer o certo, não permitindo o errado. Saio daqui muito tranquilo. Nunca autorizei alguém a fazer uma coisa errada, fora da lei. Eu tenho que ser o guardião da lei. Se eu não posso estar acima da lei, então ninguém pode. Não aceito coisas erradas. A prova é que inúmeros processos foram encaminhados. Gera desgaste? Gera. Mas saio tranquilo. O aprendizado foi muito importante. Ser prefeito foi a coisa mais desafiadora da minha vida. Eu sabia que era complicado administrar pela burocracia existente. Mesmo assim, é possível desenvolver ações com planejamento.
O Florense: O senhor acha que existe muita burocracia?
Heberle: Há um absoluto engessamento. Eu, como prefeito, tenho que brigar (e sempre briguei), e defendi que seria necessária uma revolução por parte dos prefeitos. Só podemos fazer aquilo que a lei autoriza. Lá fora o empresário faz o que a lei não proíbe. Há uma diferença muito grande. Para demitir um funcionário da prefeitura é preciso um longo processo, tudo é difícil; não temos liberdade para contratar; surgem empresas que não são competentes nas licitações, de capacidade duvidosa, e acabam aparecendo os problemas. Hoje o Poder Executivo é quase um despachante. Mesmo assim, foi uma experiência ótima.
O Florense: Experiência esta que o senhor gostaria de ter prolongado por mais quatro anos...
Heberle: Claro. Por mais desgaste que havia, gostaria de continuar porque estamos deixando um legado, uma herança muito grande. A futura administração passará um ou dois anos fazendo obras com o dinheiro que conseguimos. Licitamos a nova creche, que se chamará Escola de Educação Infantil Santa Terezinha, mas não deu certo. O processo terá de ser repetido. Conseguimos esse dinheiro federal. Temos ainda a Casa da Cultura, que ainda não conseguimos licitar pelo fato de a Caixa liberar o projeto recentemente (foram feitas várias adaptações); o ginásio de esportes do loteamento Pérola, R$ 500 mil; os 80 apartamentos do novo loteamento popular, está definida a empresa; a revitalização do Pérola (após o reassentamento das famílias, R$ 1 milhão, projeto pronto); e temos autorizada a construção de 150 casas, não iniciamos por falta de local, porém, deixaremos projeto para 30 serem erguidas em um terreno da prefeitura na localidade de Nova Roma. Em infraestrutura urbana a prefeitura terá provavelmente R$ 16 milhões (sendo R$ 8 milhões do governo federal e o restante de financiamento) para calçar ou pavimentar todas as ruas do Travessão Alfredo Chaves, São Gotardo, São Cristóvão, Parada Cristal, Monte Bérico, Nova Roma e seus loteamentos, bairro São José e localidade de Lagoa Bela. O projeto está no Ministério das Cidades. A instalação das câmeras no Centro está em andamento, bem como a Cidade Digital (ampliação do sinal wifi, de internet sem fio) e a contratação da empresa que fará o projeto para as águas de São Cristóvão, no Arroio Curuzu.
O Florense: O senhor comentou que inúmeros processos administrativos foram encaminhados. Como estão as sindicâncias de maior repercussão pública, a das servidoras da Secretaria de Administração e Governo e a do servidor da Secretaria da Saúde, os quais são suspeitos de uma série de irregularidades, segundo consta nas portarias de instauração dos processos?
Heberle: Diria que talvez tenha uma relação entre as sindicâncias. Nunca compactuei com coisas irregulares. Sempre que tive conhecimento eu mandei apurar, casos pequenos ou grandes. Até usei a expressão: tapete é peça de decoração, não serve para encobrir sujeira. Claro que com todo o cenário que se criou com a eleição municipal se criou um clima organizacional bem complicado porque a oposição continuou oposição e dentro do meu partido tive problemas. Eu fui o alvo em meio as disputas de campanha. Alguns apontamentos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) tiveram como origem pessoas aqui de dentro da prefeitura. Erros formais acontecem, nenhuma administração passará incólume ao TCE. Sempre que o Tribunal apontou, nós corrigimos. Nunca questionamos uma decisão do TCE. Por exemplo, no pagamento do 13º salário com base na média das horas extras: todas as administrações pagaram desta forma, todas. Pegaram qual? Esta, a do Ernani. Talvez lá atrás o pessoal do Tribunal não soubesse, ou não investigou, ou ninguém apontou... Mas a verdade é que causou um problema grande. Hoje o problema está corrigido porque alteramos a lei. Foi pago ontem (dia 17) o 13º com base na lei, como é na iniciativa privada. Aqueles que receberam em 2010 e 2011 terão de devolver o dinheiro. O Tribunal mandou devolver. E eu vou cobrar do servidor. Todos os processos, quando chegarem à minha mesa, serão decididos de acordo com a lei. Claro que observarei todo o relatório. Podem me acusar de não ter feito determinada obra ou ação, mas não quanto à honestidade e à linha de ação contra irregularidades.
O Florense: O que o prefeito Ernani gostaria de ter feito nestes quatro anos, mas não conseguiu?
Heberle: Eu tentei, plantei a semente, mas na educação eu gostaria de ter implantado escolas com dois turnos, sendo um normal e outro com ênfase no reforço, no aprendizado. Não conseguimos implantar até pela troca no comando da Secretaria de Educação. O projeto é maior, tem várias etapas, inclusive com capacitação de professores e ampliação da estrutura física; meu objetivo era tê-lo implantado por completo. Na área social, gostaria de ter afinado o trabalho das secretarias de Educação, Saúde e Desenvolvimento Social, ações com sentido único, porém, percebemos certa resistência entre as secretarias. A reforma administrativa também; no segundo mandato nosso foco seria o gerenciamento.
O Florense: No início de dezembro noticiamos que a situação financeira da prefeitura era preocupante devido à queda na arrecadação. Como estão as contas no encerramento do seu mandato?
Heberle: A maioria dos municípios gaúchos fechará com déficit. Nós temos a previsão de fechar em dia. Cortamos praticamente tudo: paramos obras, reduzimos gastos, seguramos as despesas em todas as secretarias. Devido à pressão dos municípios os governos federal e estadual mandarão dinheiro, mas não sabemos quanto. Teremos duas remessas até o final do ano. Segundo previsão do secretário da Fazenda, Jorge Dal Bó, vai sobrar dinheiro. Prefiro deixar dinheiro a descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, mesmo que a gente pudesse justificar.
O Florense: Qual o futuro político do ex-prefeito Ernani Heberle?
Heberle: Sinceramente, minha preocupação é fechar o ano e encerrar o mandato com dignidade. Decidirei no ano que vem. Estou com muitas dúvidas sobre o que vou fazer da minha vida. Se eu largo a vida pública, é uma possibilidade; já tenho convites para trabalhar na iniciativa privada; outra, ainda, é voltar para meu escritório de advocacia. Uma coisa é certa: ampliarei a relação com a Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias. Trabalharei de forma voluntária porque o clube passa por um momento difícil. Quanto ao futuro político, tudo depende...
O Florense: As especulações giram em torno da sua provável ida para o PT...
Heberle: Eu não defini ainda. Recebi convite do PT, do PSB, do PR, do PTB. O trabalho que fizemos nos credencia, sem falsa modéstia. Acho que tenho uma boa imagem junto à população. Percebo isso pelas manifestações de apoio. Uma coisa eu aprendi: nunca feche as portas para ninguém, por mais que exista descontentamento, desilusões ou frustrações. É preciso sempre avaliar de forma diferenciada. No ímpeto das disputas as pessoas não medem as palavras ou ações. Eu nunca dei uma declaração contundente porque eu falo como prefeito e represento 27 mil pessoas. A partir de janeiro minha língua estará mais afiada. Porque será o Ernani falando. Saio de cara e mãos limpas, como entrei. Nunca fiz uso do poder e jamais permiti que o poder fizesse uso da minha pessoa. Não terei frustrações quando sair daqui, ou depressão por não ter o poder, porque os meus amigos são meus amigos, continuarão ao meu lado.
O Florense: Para encerrar, qual a primeira coisa que o senhor fará no dia 2 de janeiro, após a transferência do cargo?
Heberle: Dia 2 estarei na praia, em Torres. Depois, irei para a Itália, Buenos Aires (Argentina) e Santiago, no Chile. As viagens estão marcadas. Isso para dar uma espairecida...
O Florense: No seu discurso de posse, em 1º de janeiro de 2009, o senhor exaltou a criação do Orçamento Cidadão. Como está o projeto no encerramento do seu mandato?
Ernani Heberle: O principal mérito do Orçamento Cidadão foi o de estabelecer um canal de comunicação com a sociedade, bairros e comunidades. Sempre ouvimos bastante o povo. Sempre disse que a comunidade vai ter voz e vai ter vez. E teve. A maioria das reivindicações foi entregue. Claro que algumas ficaram para trás devido ao contingenciamento do orçamento ou readequações. Foi um projeto muito positivo porque nos deu condição de premiar as comunidades que mais se mobilizaram.
O Florense: Em julho de 2009, quando conversamos sobre os primeiros seis meses de gestão, o senhor disse que o governo iria mostrar as suas qualidades. Quais foram essas qualidades?
Heberle: Desde o início nossa administração teve três focos: gestão, políticas sociais e infraestrutura, com planos de curto, médio e longo prazos. Todas as ações da prefeitura basearam-se neste tripé. Algumas avançaram mais, outras menos, mas nós nunca fugimos do foco, esse é um grande mérito da nossa administração. Na gestão, a implantação do Orçamento Cidadão é uma forma de propiciarmos o envolvimento da população, entidades e lideranças. Também investimos na informatização. Hoje tudo está praticamente interligado. Acabamos com os programas avulsos e padronizamos o sistema com apoio de uma empresa. Abriu-se um canal de melhor gerenciamento das informações. Fruto de um trabalho lá atrás, implantamos o Portal da Transparência, atendendo a uma legislação, mas que dá muito mais transparência aos gastos e receitas públicas. O Alô Flores também é um importante canal, pela internet ou telefone, para pedidos, sugestões ou críticas. Ainda na gestão, acho que fomos a única prefeitura que teve a iniciativa de promover uma reforma administrativa. Tudo o que aconteceu antes foi por imposição da lei. Nossa administração teve focos especiais. Fruto também das políticas públicas de cima para baixo, que nos impõem essas atribuições. A reforma também estimula o repensar de cada servidor. Nossa ideia era introduzir novos conceitos dentro do setor público.
O Florense: Talvez por inovar demais, a reforma administrativa tenha gerado um desgaste na administração, entre o funcionalismo, apesar de o projeto não ser votado pela Câmara de Vereadores? A reforma mexeria muito com o ‘comodismo’?
Heberle: Acho que gerou bastante incerteza. As pessoas achavam que a reforma cortaria benefícios. Não, não cortamos. Apenas tentamos dar uma nova visão para a carreira do servidor. Claro que mexe com a acomodação natural no setor, mas conseguimos montar a proposta por meio de uma comissão paritária, formada por representantes dos servidores e da administração. Avançamos até onde foi possível, sempre pelo consenso. O projeto demorou a ser construído porque existem muitos paradigmas. Não tenho dúvida de uma coisa: o setor público é a bola da vez no país; precisa ser repensado. Tivemos a ousadia de começar essa discussão. Não acredito que tenhamos sido mal entendidos porque acho que fomos a administração que mais resgatou benefícios para o servidor. Sempre concedemos aumento acima da inflação, resgatamos o auxílio natalidade, o abono família, regularizamos a questão da Unimed (o servidor tinha o benefício para a esposa, mas a servidora não tinha para seu marido) e revisamos o Fundo de Previdência (Fuprev), que está defasado. Para garantir o equilíbrio financeiro, hoje estamos aportando 12,5% a mais a cada folha de pagamento para evitar, lá na frente, problemas para quem se aposentar. Qual foi o prefeito que fez isso? O Ernani.
O Florense: Isso tudo na gestão. As políticas sociais também integram o tripé citado pelo senhor. A criação da Secretaria de Desenvolvimento Social foi a principal ação no setor?
Heberle: Ela não foi uma secretaria criada, como alguém disse, para acomodar partido. A secretaria está aí e mostra um belo trabalho, com uma equipe muito competente. O trabalho não tem foco assistencialista, mas com inclusão social, fornecendo o amparo, a mão do poder público, ajudando as pessoas a se inserirem na faixa de consumo. Estruturamos o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), que hoje está instalado em um imóvel próprio. Neste ano, quase conseguimos recursos federais para construir uma sede própria para o Cras. Para 2013 está praticamente certo que virá dinheiro para isso. Orgulho-me muito dessa iniciativa que faz justiça social com o dinheiro público. Na área social os projetos Educação Nota 10 e Alimentação 10, Resto Zero foram destaque, premiados com o troféu Gestor Público em 2010 e 2011, respectivamente. São distinções que premiaram o trabalho da Secretaria de Educação, Cultura e Desporto. O Educação Nota 10 sacudiu a estrutura, e hoje os reflexos estão aí, com aumento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – a Escola Municipal São José ficou em quinto lugar no Estado.
O Florense: A nova secretaria foi desmembrada da pasta da Saúde. Isso propiciou também melhorias na saúde?
Heberle: Procuramos estruturar a Secretaria da Saúde, por mais que seja uma área complexa. Estruturamos fisicamente, com espaços apropriados, melhoraramos o atendimento e descentralizamos os serviços. Construímos a Unidade Básica de Saúde (UBS) São Gotardo, estamos construindo a de Otávio Rocha e estamos ampliando o Centro de Saúde Irmã Benedita Zorzi. Criamos o programa Promoção, Terapêutica e Gestão em Saúde Mental (Protege), com uma área própria. Foi uma das melhores decisões que tomamos, em acatar o projeto sugerido pela equipe que atua na saúde mental. Hoje o programa atende no espaço antes dividido com o Cras. A equipe do Protege praticamente zerou as demandas trabalhando com uma filosofia que envolve o paciente e sua família. Além disso, implantamos o Pacto de Gestão, fazendo com que o Hospital Fátima atendesse pelo Sistema Único de Saúde (SUS), um ótimo avanço para um assunto que se arrastava há tempo. E os investimentos no setor, com cirurgias e exames, aumentamos em cerca de 130% em relação à administração anterior, sendo que tivemos um aumento de orçamento de cerca de 40%. Internamente promovemos a informatização da saúde, interligando os sistemas, favorecendo o controle.
O Florense: Em outra oportunidade o senhor citou a implantação dos planos estruturantes no município. Qual a situação desses projetos?
Heberle: No saneamento, por exemplo, foi uma decisão difícil, cujo processo começou em março de 2009. Hoje está tudo definido, faltando apenas, até o final de 2012, minha definição sobre a área de interesse público para depois a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) negociar com o dono e construir a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), na localidade de Lagoa Bela. Outro é o transporte coletivo – assinarei o contrato até o final do ano, após muitas pendengas e recursos das empresas participantes da licitação. Depois de assinar, só é preciso definir com a empresa o funcionamento do serviço. A regularização fundiária foi outra ação, um avanço muito grande do governo, principalmente pela nova visão que implantamos de não permitir o surgimento de novos loteamentos irregulares. Os novos empreendimentos devem cumprir a legislação. Criamos os planos municipais de Saneamento e de Mobilidade Urbana e o Plano de Gerenciamento dos Resíduos da Construção Civil. Com isso ampliamos a fiscalização, com uma equipe que atua mesmo. Às vezes o resultado desse trabalho nos deu desconforto para administrar, mas aos poucos colocamos as coisas no lugar. E na infraestrutura estão os asfaltos. Fomos a administração que mais asfaltou e repavimentou ruas e estradas. Somando os recapeamentos, são quase 40 quilômetros. Renovamos toda a frota de veículos leves. A vinda da Cooperativa Nova Aliança também foi muito importante.
O Florense: Em 2010 o senhor projetou 2011 com otimismo. E no final de 2011 o senhor disse que foi o melhor ano da sua administração. De que forma isso ocorreu?
Heberle: A arrecadação de 2011 foi positiva. Mas também conseguimos implantar propostas planejadas desde 2009. Conseguimos recursos externos, e também pelo fato de as equipes se adaptarem ao nosso foco.
O Florense: Que avaliação Ernani Heberle faz do seu mandato como prefeito?
Heberle: A avaliação é bem positiva. Não só porque temos em mãos informações e dados que comprovam isso (contra números não há contestações). Mesmo com as limitações que temos, limitações de capacitação das equipes, limitações financeiras e burocráticas, avançamos bastante. Poderíamos ter feito mais, se olharmos para trás, mas acho que fizemos o possível. Conseguimos implantar um sistema de trabalho sem privilégios para ninguém. Isso, lá fora, repercutiu. Conseguimos dar credibilidade ao nosso trabalho. E a gente trabalhou para isso. Jamais desviei do meu foco, e não recuei. Nossa marca foi a de fazer o certo, não permitindo o errado. Saio daqui muito tranquilo. Nunca autorizei alguém a fazer uma coisa errada, fora da lei. Eu tenho que ser o guardião da lei. Se eu não posso estar acima da lei, então ninguém pode. Não aceito coisas erradas. A prova é que inúmeros processos foram encaminhados. Gera desgaste? Gera. Mas saio tranquilo. O aprendizado foi muito importante. Ser prefeito foi a coisa mais desafiadora da minha vida. Eu sabia que era complicado administrar pela burocracia existente. Mesmo assim, é possível desenvolver ações com planejamento.
O Florense: O senhor acha que existe muita burocracia?
Heberle: Há um absoluto engessamento. Eu, como prefeito, tenho que brigar (e sempre briguei), e defendi que seria necessária uma revolução por parte dos prefeitos. Só podemos fazer aquilo que a lei autoriza. Lá fora o empresário faz o que a lei não proíbe. Há uma diferença muito grande. Para demitir um funcionário da prefeitura é preciso um longo processo, tudo é difícil; não temos liberdade para contratar; surgem empresas que não são competentes nas licitações, de capacidade duvidosa, e acabam aparecendo os problemas. Hoje o Poder Executivo é quase um despachante. Mesmo assim, foi uma experiência ótima.
O Florense: Experiência esta que o senhor gostaria de ter prolongado por mais quatro anos...
Heberle: Claro. Por mais desgaste que havia, gostaria de continuar porque estamos deixando um legado, uma herança muito grande. A futura administração passará um ou dois anos fazendo obras com o dinheiro que conseguimos. Licitamos a nova creche, que se chamará Escola de Educação Infantil Santa Terezinha, mas não deu certo. O processo terá de ser repetido. Conseguimos esse dinheiro federal. Temos ainda a Casa da Cultura, que ainda não conseguimos licitar pelo fato de a Caixa liberar o projeto recentemente (foram feitas várias adaptações); o ginásio de esportes do loteamento Pérola, R$ 500 mil; os 80 apartamentos do novo loteamento popular, está definida a empresa; a revitalização do Pérola (após o reassentamento das famílias, R$ 1 milhão, projeto pronto); e temos autorizada a construção de 150 casas, não iniciamos por falta de local, porém, deixaremos projeto para 30 serem erguidas em um terreno da prefeitura na localidade de Nova Roma. Em infraestrutura urbana a prefeitura terá provavelmente R$ 16 milhões (sendo R$ 8 milhões do governo federal e o restante de financiamento) para calçar ou pavimentar todas as ruas do Travessão Alfredo Chaves, São Gotardo, São Cristóvão, Parada Cristal, Monte Bérico, Nova Roma e seus loteamentos, bairro São José e localidade de Lagoa Bela. O projeto está no Ministério das Cidades. A instalação das câmeras no Centro está em andamento, bem como a Cidade Digital (ampliação do sinal wifi, de internet sem fio) e a contratação da empresa que fará o projeto para as águas de São Cristóvão, no Arroio Curuzu.
O Florense: O senhor comentou que inúmeros processos administrativos foram encaminhados. Como estão as sindicâncias de maior repercussão pública, a das servidoras da Secretaria de Administração e Governo e a do servidor da Secretaria da Saúde, os quais são suspeitos de uma série de irregularidades, segundo consta nas portarias de instauração dos processos?
Heberle: Diria que talvez tenha uma relação entre as sindicâncias. Nunca compactuei com coisas irregulares. Sempre que tive conhecimento eu mandei apurar, casos pequenos ou grandes. Até usei a expressão: tapete é peça de decoração, não serve para encobrir sujeira. Claro que com todo o cenário que se criou com a eleição municipal se criou um clima organizacional bem complicado porque a oposição continuou oposição e dentro do meu partido tive problemas. Eu fui o alvo em meio as disputas de campanha. Alguns apontamentos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) tiveram como origem pessoas aqui de dentro da prefeitura. Erros formais acontecem, nenhuma administração passará incólume ao TCE. Sempre que o Tribunal apontou, nós corrigimos. Nunca questionamos uma decisão do TCE. Por exemplo, no pagamento do 13º salário com base na média das horas extras: todas as administrações pagaram desta forma, todas. Pegaram qual? Esta, a do Ernani. Talvez lá atrás o pessoal do Tribunal não soubesse, ou não investigou, ou ninguém apontou... Mas a verdade é que causou um problema grande. Hoje o problema está corrigido porque alteramos a lei. Foi pago ontem (dia 17) o 13º com base na lei, como é na iniciativa privada. Aqueles que receberam em 2010 e 2011 terão de devolver o dinheiro. O Tribunal mandou devolver. E eu vou cobrar do servidor. Todos os processos, quando chegarem à minha mesa, serão decididos de acordo com a lei. Claro que observarei todo o relatório. Podem me acusar de não ter feito determinada obra ou ação, mas não quanto à honestidade e à linha de ação contra irregularidades.
O Florense: O que o prefeito Ernani gostaria de ter feito nestes quatro anos, mas não conseguiu?
Heberle: Eu tentei, plantei a semente, mas na educação eu gostaria de ter implantado escolas com dois turnos, sendo um normal e outro com ênfase no reforço, no aprendizado. Não conseguimos implantar até pela troca no comando da Secretaria de Educação. O projeto é maior, tem várias etapas, inclusive com capacitação de professores e ampliação da estrutura física; meu objetivo era tê-lo implantado por completo. Na área social, gostaria de ter afinado o trabalho das secretarias de Educação, Saúde e Desenvolvimento Social, ações com sentido único, porém, percebemos certa resistência entre as secretarias. A reforma administrativa também; no segundo mandato nosso foco seria o gerenciamento.
O Florense: No início de dezembro noticiamos que a situação financeira da prefeitura era preocupante devido à queda na arrecadação. Como estão as contas no encerramento do seu mandato?
Heberle: A maioria dos municípios gaúchos fechará com déficit. Nós temos a previsão de fechar em dia. Cortamos praticamente tudo: paramos obras, reduzimos gastos, seguramos as despesas em todas as secretarias. Devido à pressão dos municípios os governos federal e estadual mandarão dinheiro, mas não sabemos quanto. Teremos duas remessas até o final do ano. Segundo previsão do secretário da Fazenda, Jorge Dal Bó, vai sobrar dinheiro. Prefiro deixar dinheiro a descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, mesmo que a gente pudesse justificar.
O Florense: Qual o futuro político do ex-prefeito Ernani Heberle?
Heberle: Sinceramente, minha preocupação é fechar o ano e encerrar o mandato com dignidade. Decidirei no ano que vem. Estou com muitas dúvidas sobre o que vou fazer da minha vida. Se eu largo a vida pública, é uma possibilidade; já tenho convites para trabalhar na iniciativa privada; outra, ainda, é voltar para meu escritório de advocacia. Uma coisa é certa: ampliarei a relação com a Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias. Trabalharei de forma voluntária porque o clube passa por um momento difícil. Quanto ao futuro político, tudo depende...
O Florense: As especulações giram em torno da sua provável ida para o PT...
Heberle: Eu não defini ainda. Recebi convite do PT, do PSB, do PR, do PTB. O trabalho que fizemos nos credencia, sem falsa modéstia. Acho que tenho uma boa imagem junto à população. Percebo isso pelas manifestações de apoio. Uma coisa eu aprendi: nunca feche as portas para ninguém, por mais que exista descontentamento, desilusões ou frustrações. É preciso sempre avaliar de forma diferenciada. No ímpeto das disputas as pessoas não medem as palavras ou ações. Eu nunca dei uma declaração contundente porque eu falo como prefeito e represento 27 mil pessoas. A partir de janeiro minha língua estará mais afiada. Porque será o Ernani falando. Saio de cara e mãos limpas, como entrei. Nunca fiz uso do poder e jamais permiti que o poder fizesse uso da minha pessoa. Não terei frustrações quando sair daqui, ou depressão por não ter o poder, porque os meus amigos são meus amigos, continuarão ao meu lado.
O Florense: Para encerrar, qual a primeira coisa que o senhor fará no dia 2 de janeiro, após a transferência do cargo?
Heberle: Dia 2 estarei na praia, em Torres. Depois, irei para a Itália, Buenos Aires (Argentina) e Santiago, no Chile. As viagens estão marcadas. Isso para dar uma espairecida...
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