Por que as pessoas depredam os espaços públicos?
Atos de vandalismo são recorrentes em áreas de uso comum do município. A reportagem d’O Florense buscou a explicação de profissionais sobre o assunto
Qual é a relação da sociedade com os espaços públicos? O que leva as pessoas a praticarem atos de vandalismo? De praças a contêineres de lixo, passando por pontos de ônibus, banheiros públicos até igrejas e cemitérios, a depredação tem se tornado cada vez mais recorrente. Em várias cidades, sejam elas nos grandes centros ou no interior, situações de destruição de áreas de uso comum têm sido constatadas. O dano causado a esses bens pode prejudicar tanto a história e a cultura do local como a vida das pessoas que ali moram. Além disso, como esses lugares são geralmente visitados por turistas, os estragos podem causar uma imagem negativa. Segundo o sociólogo e professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Franklin Mujica, uma das razões que explica esse tipo de comportamento é a transformação da sociedade atual em um coletivo que parte para iniciativas mais violentas. “Os indivíduos começam a praticar ações violentas na medida em que a relação que eles têm com o patrimônio público leva a uma forma de manifestação”, afirma. O sociólogo explica que a não preservação do patrimônio pode ser uma questão cultural. “As relações sociais existentes hoje fazem com que algumas pessoas enxerguem as coisas públicas como algo que elas podem se apropriar, expressando talvez alguma revolta”, declara. A depredação dos espaços públicos também pode ser justificada por não haver uma punição específica. “Se o ato fosse contra um bem privado, talvez a pessoa pudesse enfrentar mais problemas”, diz.
Para Mujica, a violência simbólica – conceito elaborado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, que aborda uma forma de violência exercida pelo corpo sem coação física – pode ser percebida por meio das informações recebidas pelas pessoas, seja pela televisão ou pelas redes sociais. “Não podendo reagir com o outro, o indivíduo parte para as coisas públicas”, relata.
Uma das soluções para esse tipo de situação é a educação reflexiva, ou seja, resolver a questão a partir do entendimento dos problemas sociais e dos conflitos existentes na sociedade. “Se o indivíduo não compreende isso, nós não vamos conseguir melhorar a convivência. O cidadão tem direitos, mas também tem deveres. E um desses deveres é cuidar dos espaços públicos”, avalia.
Além disso, é preciso criar políticas públicas que conscientizem as pessoas a formar uma sociedade mais harmoniosa. “A depredação custa para o município assim como para a comunidade. Falta respeito com os outros e também com as coisas que são de todos. Isso precisa ser trabalhado nas escolas, desde cedo, assim como é feito com as questões ambientais, para que as crianças entendam que é preciso preservar”, pontua Mujica.
“A prevenção é o melhor caminho”
ochele Sachet Antoniazzi, o comportamento antissocial pode ser transmitido de uma geração para a outra através da imitação, aprendizagem social e identificação com o agressor – no caso de pais ou parentes que mantêm relacionamentos agressivos, abusivos e criminosos intrafamiliares ou com o meio em que vivem. “Pais ou cuidadores agressivos ensinam que a agressão é o modo adequado e legítimo de resolver conflitos”, diz. A profissional destaca que na infância e na adolescência é comum expressar sentimentos, conflitos, angústias e até mesmo pensamentos por meio de ações. “Quando este importante instrumento humano se mostra mal utilizado ou desacompanhado da autocrítica por um período excedente, traz prejuízos ao desenvolvimento normal das intenções afetivas, sociais e educacionais dos indivíduos, bem como danos ao meio”, explana. Na concepção da psicóloga, a apresentação de problemas comportamentais pode ser subentendida como um canal de descarga descontrolada de problemas subjetivos. “Essa conduta pode ser momentânea, uma fase específica, ou até mesmo duradoura e estruturada, como um transtorno psicopatológico, classificado como Transtorno de Conduta”, declara.
As causas também podem ser fisiológicas. Conforme Rochele, alguns estudos associam baixos níveis de serotonina e altos índices de testosterona ao desenvolvimento desta conduta, devido a influência no incremento da agressão. Já para a psicanálise, o uso da ação é uma demonstração de que algo não está bem. “Isso é bastante comum e frequente na adolescência, quando algumas crianças e jovens usam o meio externo como canal de atuação para descarregar suas angústias e pulsões agressivas”, explica.
A união entre família, escola e comunidade é importante porque desenvolve a escuta empática e colaborativa, além de identificar casos de transtorno de conduta. “Nenhum adolescente se torna delinquente sem antes ter manifestado isto na família ou na escola. As intervenções podem variar desde o acompanhamento psicopedagógico grupal, familiar ou individual até o medicamentoso, mas a prevenção sempre é o melhor caminho”, finaliza.
Em Flores, vandalismo é frequente
Os atos de vandalismo contra espaços públicos em Flores estão cada vez mais constantes. Os danos são perceptíveis nos banheiros das praças, escadarias, lajotas e até em objetos instalados nos locais – como a Book Box, minibiblioteca do Rotaract Club que tem como objetivo a troca de livros, que teve um vidro quebrado recentemente. Nos banheiros públicos da Praça da Bandeira, os vasos sanitários estão sem tampa e alguns suportes para papel higiênico e fechaduras estão danificados. As escadarias possuem degraus quebrados assim como o lugar que dá suporte às bandeiras. Segundo o secretário de Obras, Almir Zanin, a situação é complicada e desanimadora. “É difícil achar os culpados. A gente não sabe quem é e quando percebemos as coisas já estão quebradas”, conta. De acordo com ele, a administração pública realiza muitos consertos em função do vandalismo. “A prefeitura vive consertando. O banheiro, por exemplo, seria um lugar para o pessoal usar e cuidar, mas nem sempre isso acontece”, relata.
O secretário conta que todas as praças – como a Nova Trento e a do Imigrante – enfrentam o mesmo problema, por isso uma das medidas tomadas foi fechar os sanitários no período da noite. A Praça da Bandeira, um dos cartões de visita do município, foi revitalizada e entregue à comunidade em fevereiro de 2016. A obra à época custou 2,6 milhões. “Foi feita uma praça linda e o pessoal ainda assim quebra”, declara Zanin. Ainda conforme o secretário, o valor utilizado para os consertos poderia ser destinado para outros fins.
Morador de Nova Pádua, o motorista Jorge Schneider, 58 anos, utiliza o espaço público enquanto espera os alunos da Apae realizarem suas atividades. Na opinião dele, a punição para quem pratica vandalismo deveria ser mais rigorosa. “A lei precisaria ser mais rígida, assim as pessoas obedeceriam mais”, diz o motorista.
O autônomo Alexandre Barbosa, 45 anos, é outro frequentador da Praça da Bandeira. “É bom para trazer a família e aproveitar. Muitas pessoas vêm de outros lugares para cá. Eu acho que precisaria de um guarda para cuidar principalmente dos banheiros, já que às vezes você entra e não tem nem porta”, conta Barbosa.
Para a vendedora aposentada Rosália Maria Fontana Brandalise, 58 anos, a praça é um local que acolhe as pessoas. “Muitas famílias se encontram aqui para tomar chimarrão e fazer piquenique, é o coração da cidade”, afirma. A aposentada, que traz os netos Maria Eduarda e Vicente para brincar, considera a depredação uma falta de respeito com a comunidade. “A praça é como se fosse a nossa casa, um patrimônio nosso, por isso é preciso cuidar”, declara Rosália.
Acompanhada da filha Manuella, a maquiadora Daiane Montes, 38 anos, defende a preservação do espaço público. “É uma pena que aconteça isso porque a praça é um local de lazer. Vir com ela (Manuella) e ver as coisas estragadas dá uma tristeza”, pontua.
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