Economia

De pai para filho: os desafios da sucessão empresarial

Pesquisa revela que 70% das empresas da Serra não têm plano de carreira para a futura geração e que apenas 12% pretendem realizá-lo nos próximos anos

Na Serra Gaúcha ouve-se muito falar sobre as dificuldades da sucessão familiar rural e como é difícil fazer com que os jovens agricultores permaneçam no interior. Mas já pensou que as empresas familiares podem enfrentar o mesmo problema? Passar o bastão do comando não é tarefa fácil, nem mesmo quando o sucessor tem o mesmo sobrenome do chefe atual. Especialistas apontam que a maneira como o processo é conduzido irá determinar o sucesso ou fracasso de um negócio em longo prazo. Por isso, pensar no assunto com antecedência fortalece os vínculos. Muitas empresas familiares estão conscientes de que é preciso ter regras bem estruturadas de comando, inclusive para o processo de sucessão.

No entanto, uma pesquisa encomendada pelo Instituto de Desenvolvimento da Empresa Familiar (Idef) aponta que a maior parte das companhias da Serra ainda não pensou no futuro. Conforme o estudo, 52% das empresas regionais ainda são comandadas pelo fundador e 48% têm a segunda geração compartilhando a gestão. Dessas empresas, metade faz um processo de sucessão natural que vai acontecendo na medida em que a idade do fundador avança e o sucessor se sente preparado para assumir.

Os números da Pesquisa Global Sobre Empresas Familiares são semelhantes: 54% das empresas brasileiras não têm um plano de sucessão em vigor e somente 11% delas têm um planejamento estratégico definido para a perpetuação do negócio. “Falar de sucessão é pensar no encerramento de uma etapa, de um ciclo de vida. Por receio ou desconhecimento, as questões relacionadas à família, à propriedade e ao negócio deixam de ser discutidas no âmbito familiar e podem paralisar ações importantes que afetam os resultados do negócio e o próprio relacionamento familiar. É preciso entender esses dilemas e organizá-los para buscar soluções”, explica a pesquisadora e especialista em Governança Familiar e Compliance e fundadora da Idef, Hana Witt.

A pesquisa regional feita com mais de 100 famílias empresárias de cinco municípios (Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Flores da Cunha, Farroupilha e Garibaldi) revelou ainda que 70% dos empreendimentos não têm um plano de carreira para a geração futura e apenas 12% pretendem realizar um planejamento para os próximos anos. Questões como crescimento sustentável, ampliação e planejamento de futuro nos negócios, além da ausência de critérios claros no processo de definição dos sucessores também apareceram no estudo. “Ter um bom planejamento sucessório é importante porque vai levar a empresa a diminuir possíveis conflitos entre os envolvidos no processo e fazer com que as pessoas se preparem de forma adequada”, diz Hana, complementando que um projeto de transição mais harmônico “reduz conflitos e rupturas”.

Mudança gradual na Móveis Florense

Aos poucos, as mudanças começam a aparecer. O pontapé inicial para uma maior conscientização foram as reformas no direito sucessório introduzidas em 2002 e as ondas de abertura de capital em segmentos de listagem do mercado acionário que exigem regras rígidas sobre a governança corporativa. O aumento da longevidade e a queda da natalidade também ajudaram a mostrar as empresas familiares que é preciso estar atento ao futuro. Hoje, é normal que até três gerações convivam ao mesmo tempo dentro de uma empresa.

Na Fábrica de Móveis Florense, por exemplo, esse processo é realidade. A empresa que detém o maior Valor Adicionado do município e foi fundada há 65 anos já realizou a sucessão para a segunda geração e agora passa a trabalhar o caminho para que a terceira geração chegue ao comando. Dentro da empresa, a sucessão é pensada de forma permanente. “É uma consequência em relação às empresas familiares que têm o compromisso com a perpetuidade do negócio que vem evoluindo desde a fundação”, pontua o diretor jurídico, Ézio José Ribeiro de Salles. Os integrantes da segunda geração, mesmo tendo iniciado o trabalho na empresa há bastante tempo, em 1994 assumiram a condição de dirigentes. E até hoje, o fundador e presidente Lourenço Castellan comparece na empresa todos os dias e acompanha os resultados.

A Florense, que conta com 67 franquias no Brasil e 11 no Exterior, tem um acordo societário que aponta que a partir de determinada idade os sócios passam a participar do planejamento e das decisões estratégicas da empresa, sem o compromisso da presença física no dia a dia. Atualmente, dois integrantes da segunda geração já não têm o compromisso de estarem diariamente na empresa e quatro integrantes da terceira geração (netos dos fundadores) exercem atividades dentro da fábrica, sendo que dois deles têm cargos de diretores.

Preparação contínua da nova geração

Trabalhar a sucessão com calma é um dos pontos que a Fante Indústria de Bebidas preza. Atualmente a empresa é administrada pela segunda geração. Em 1970, o sócio-fundador João Fante iniciou a atividade empresarial e após os filhos deram continuidade ao negócio. “Estamos em processo contínuo de preparação da nova geração na medida de sua formação e adotamos as normas atuais de governança corporativa, formando os conselhos, acordos de sócios e, principalmente, a cultura da família empresária, onde são levados em conta a capacidade profissional, independente de ser da família ou não”, explica o diretor-presidente da Fante, Julio Fante.

Na Keko Acessórios, a passagem do bastão do fundador e pai Henry Mantovani ao filho, hoje presidente da empresa, Leandro Scheer Mantovani, também ocorreu de forma natural. “Essa transição aconteceu naturalmente, pois sempre estivemos juntos desde a fundação da empresa. Atualmente a Keko não tem um plano de sucessão em vigor, estamos discutindo o assunto e monitorando. Sabemos da importância e pretendemos nos próximos anos trabalhar nesse processo”, complementa Leandro.

Apesar de os dados do Idef apontarem que 53% das empresas da Serra desejam manter a família na gestão, na Keko isso não é prioridade. “A sucessão deve ser profissional, por meio de familiar ou contratado. É preciso ter boas práticas de governança, separando as relações familiares dos processos da empresa, conseguindo que os profissionais se formem na base e sejam promovidos por méritos próprios”, acredita o presidente. A Keko foi fundada em 1986, no porão da casa da família Mantovani, em Caxias do Sul. Em 2011 mudou-se para Flores da Cunha onde construiu um moderno parque fabril.

Organização em todos os setores

Em empresas menores o quadro não é diferente. No mercado de materiais de construção há 66 anos, a Irmãos Pedron, no Centro de Flores da Cunha, já tem a quarta geração da família trabalhando no negócio. No início foi indústria, criada pelo fundador Ângelo Pedron. Evoluiu para comércio, tendo como gerente o filho dele, Luiz José Pedron, pai do atual administrador, Gilberto Pedron, o Beto, que trabalha juntamente com a irmã Juceline Pedron Ascari e o primo Carlos Pedron. A quarta geração vem com os filhos de Beto, Renato, 27 anos, que se dedica a parte administrativa, e Guilherme, 23 anos, que fica mais com a área comercial.

Para Beto, o processo de sucessão nos negócios nunca é fácil, mas é preciso ter organização, pois cedo ou tarde ele será necessário. “Eu estava muito próximo do meu pai quando ele adoeceu e tive de assumir os negócios. As empresas hoje estão estruturadas e quem assume precisa ter paixão por aquilo para dar continuidade. Nem sempre é a pessoa da tua preferência a mais indicada para isso, e é aí que, a meu ver, começam os principais desafios”, comenta o comerciante.

As diferenças de gerações é outro desafio para Pedron. Segundo ele, o ideal é construir uma mescla entre a experiência dos fundadores e a agilidade dos novos administradores. “Eu vejo que quem vai promover essa sucessão precisa estar de braços e coração abertos para saber que isso vai acontecer e o quanto antes menos a empresa vai sofrer. A nova geração tem contatos e uma nova maneira de trabalhar. Acredito que unir isso a nossa experiência e solidez é fazer uma transição acertada”, complementa.

De acordo com a pesquisa do Idef, 53% têm intenção de encaminhar a administração para a próxima geração, mantendo a presença da família na gestão. “Esses guris terão de acompanhar as mudanças que estamos vendo no comércio. Nesta semana fizemos uma venda para o Pará pela internet e nunca tínhamos imaginado vender desta forma. São mudanças que vêm com essa nova geração e são necessárias para a evolução da empresa”, acredita Pedron.

Móveis e sucessão planejados

Dados do Instituto de Desenvolvimento da empresa Familiar (Idef) mostram que 28% das empresas afirmam que a transição aconteceu naturalmente. É um plano assim que a Romanzza vem mantendo em vigor. A empresa, que tem como carro chefe os móveis planejados, comemora em 2018 seus 30 anos de fundação – resultado da união de forças dos cunhados Valmir Luiz Argenta, 54 anos, e Nelson José Scarmin, 57 anos, em 1988. Hoje, com a marca consolidada e próximo de alcançar 50 lojas franqueadas exclusivas pelo Brasil – a meta é estar presente em todas as capitais do país –, a Romanzza tem planejada também sua sucessão. Os jovens Felipe Luis Argenta, 28 anos, e César Scarmin, 27 anos, respectivamente filhos dos fundadores, atuam há mais de 10 anos na empresa.

Enquanto Felipe segue o pai Valmir na parte administrativa, César, gerente de produção da Romanzza Alumínios, leva adiante a produção ao lado do pai Nelson, diretor industrial. “Há pelo menos 14 anos eles estão dentro da empresa trabalhando conosco, então acreditamos que esse caminho de sucessão já exista na Romanzza. Até porque quem envelhece são as pessoas, não as empresas, e este trabalho que estamos fazendo é até para ver se a pessoa gosta e tem interesse”, explica Valmir. Para o empresário, nos próximos 10 anos uma transição será possível. “Isso vem sendo pensado desde o início da participação deles na empresa. Terão bagagem, o caminho e o conhecimento”, complementa o diretor-geral.

Segundo Valmir, entre os desafios de uma transição dos negócios está a liberdade em, pouco a pouco, deixar o comando e abrir mão das decisões. “Conseguir aceitar isso e deixar as decisões conforme o pensamento deles é um desafio, afinal são novas visões, novos estímulos, e o cuidado para não comprometer o negócio deve existir. Mas sabemos que há interesse, o que é mais importante, então acredito que será tranquilo”, aposta o empresário. “Estamos aí dando algumas ideias”, ressalta Felipe, que atua como supervisor de marketing. Hoje, a gestão da Romanzza é familiar e a intenção dos sócios é perpetuar isso.

 

Perfil das empresas familiares

– 48% têm gestão compartilhada por fundadores e membros da segunda geração.

– Em 28% das empresas a transição familiar ocorreu naturalmente sem planejamento.

– 75% têm familiares na gestão empresarial.

– 12% pensam numa sucessão num prazo entre três e cinco anos.

– 53% desejam manter a família na gestão.

– 77% separam os gastos pessoais das despesas da organização.

– 18% possuem planos para a próxima geração.

– 70% não têm plano de carreira para a futura geração.

– 63% das empresas têm até três sócios.

– A média de idade entre os sócios é de 40 a 60 anos.

– 88% consideram que os valores da família e da empresa estão alinhados.

– As empresas entrevistadas estavam divididas nos segmentos: 68% indústria, 12% serviços e 20% comércio.

Fonte: Instituto de Desenvolvimento da Empresa Familiar (Idef); pesquisa realizada entre setembro de 2016 a abril de 2017.Parte inferior do formulário

 

Na Irmãos Pedron, Gilberto Pedron (C) trabalha com os filhos Guilherme (E) e Renato (D) – a quarta geração da família nos negócios. - Divulgação Os sócios Valmir Luiz Argenta e José Scarmin junto com os filhos Felipe Luis Argenta e César Scarmin já trabalham a sucessão. - Camila Baggio/OF
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