Alex Eberle e Ivo Gasparin

Alex Eberle e Ivo Gasparin

Parla Talian

Ivo Gasparin - Graduado em Filosofia e Pós-graduação em Letras, Ivo Gasparin é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Com o pseudônimo de Tóni Sbrontolon, é colunista e autor. Dentro da música, destacou-se como fundador e componente do Grupo Ricordi.

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La Prima Semensa – 1º Capítulo*

Já somos mais de 1.400 entre italianos e tiroleses e pensamos até em formar uma nova Itália.

Olhos paralisados, dedos trêmulos, Carlo ia devorando sofregamente, uma a uma, as palavras contidas naquela carta. Eram notícias de seu primo Giácomo que há um ano e dois meses havia partido para a América. “As colônias aqui são muito boas... É verdade o que dizem que com poucas videiras fazem muitos barris de vinho. Com 15 vinhas, em 3 anos, se consegue um barril de vinho... No rio de nossa colônia pode-se montar um moinho e uma serraria... Já somos mais de 1.400 entre italianos e tiroleses e pensamos até em formar uma nova Itália. Estamos pensando até em construir um pequeno capitel em homenagem a São Valentin... Tomem cuidado em Gênova, há muitos ladrões. Chegando em Gênova, tratem de vir o quanto antes. Providenciem pelas coisas necessárias lá, em Bassano del Grapa. Se puderem, comprem ferramentas em Gênova para trabalhar a terra: enxadas, foices, serrotes e rodas de carroça, que o resto nós fazemos aqui. Chegando ao Brasil lembrem desses nomes: Rio Grande do Sul, Porto Alegre, São Sebastião do Caí e Campo dos Bugres, onde vou esperá-los”.
Tão entretido estava com as notícias da América, que nem percebeu a presença de Verônica, com a filha Antônia, de dois anos e meio, agarrada em seu colo:
– Varda, nantra carta de Giácomo (Olha, outra carta de Giácomo).
– De Giácomo?
– Sì, de Giácomo, co le notìssie de la Mérica (Sim, de Giácomo, com as notícias da América).
Carlo já tinha decidido: não queria repetir a mesma vida do seu falecido pai Honório, uma vida inteira a serviço dos senhores da terra. A carta de Giácomo era um convite à liberdade. Faltavam exatamente 45 dias para a partida. Iria ele, sua esposa Verônica, embora estivesse em seu segundo mês de gravidez, a filhinha Antônia e a mãe Assunta.
Em Bassano del Grapa, ficariam seus dois irmãos Fiorindo e Vicenzo, sua irmã Giùlia, seus primos, seus amigos e seus 32 anos de vida. Na noite que antecedeu à partida, Carlo não conseguia conciliar o sono. Sua cabeça fervilhava. Sua mente retorcia-se em meio a mil conjecturas, dúvidas, interrogações. Sabia que era um salto no escuro, mas precisava ser forte, ter fé.
– Sito mia bon de dormir? (Não és capaz de dormir?), perguntou-lhe Verônica, ao perceber que ele se remexia demasiadamente na cama.
– E el nostro fioleto? (E o nosso filhinho?).
– El nostro fioleto nasserà in Brasile e se ciamarà Próspero (O nosso filhinho nascerá no Brasil e se chamará Próspero).
– Próspero Castelli! Che bel nome! Nome de segnore... Ma, e se nasse na toseta? (Próspero Castelli! Que bonito nome! Nome de senhor... Mas, e se nasce uma menina?).
– Alora se ciamarà Vitòria (Então se chamará Vitória).
– Pròpio! Vitòria, el nome de la mia nona. Vitòria in Brasile! (Verdade! Vitória, o nome da minha avó. Vitória no Brasil).
Na manhã do dia 23 de janeiro de 1883 acordaram cedo. Um pouco estonteados, tomaram o seu último café na terra natal e, depois de um derradeiro e angustiante adeus, com os olhos em pranto, acomodaram-se na carroça puxada por quatro mulas, tomaram a estrada em direção à ponte do Rio Brenta. Adeus vila natal, adeus, adeus vales, adeus montes, adeus igreja de São Valentin, onde todos foram batizados.

* O Jornal O Florense publica a partir desta edição, dividido em oito capítulos, o conto vencedor do Concurso Literário 2015, ‘A Primeira Semente’, do professor, escritor e músico Ivo Gasparin. A obra é baseada em fatos e depoimentos reais dos livros ‘Entre o passado e o desencanto’ e ‘Cozì vive i Taliani’.