Alex Eberle e Ivo Gasparin

Alex Eberle e Ivo Gasparin

Parla Talian

Ivo Gasparin - Graduado em Filosofia e Pós-graduação em Letras, Ivo Gasparin é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Com o pseudônimo de Tóni Sbrontolon, é colunista e autor. Dentro da música, destacou-se como fundador e componente do Grupo Ricordi.

Contatos

‘La Prima Semensa’ – A Primeira Semente* (continuação)

Os imigrantes desembarcaram e foram confinados  em um barracão denominado Casa dos Imigrantes, sem paredes divisórias, bastante sujo, onde entravam e saíam, à vontade, as vacas e os cavalos.

Finalmente, a 11 de maio, o navio entrou na Barra e chegou ao porto da cidade de Rio Grande. Os imigrantes desembarcaram e foram confinados  em um barracão denominado Casa dos Imigrantes, sem paredes divisórias, bastante sujo, onde entravam e saíam, à vontade, as vacas e os cavalos, seja de dia ou de noite. Imediatamente, os imigrantes procuraram vassouras feitas com ramos de árvores para varrer aquele lugar imundo. Em seguida, aquelas fragilizadas famílias procuraram um canto para fixar sua provisória morada.
Depois de uma quinzena naquele fétido barracão, em 26 de maio chegou o aviso de que deveriam se preparar para partir. Foram embarcados desordenadamente em outro vapor, que entrou na Lagoa dos Patos, em direção a Porto Alegre. Como essa Lagoa é de navegação um tanto difícil pelos seus bancos de areia finíssima, os imigrantes foram obrigados a se desfazerem de seus pertences mais pesados como máquinas de costura, arados e jogá-los na água. Seguiram até a embocadura do Rio Guaíba e, depois de aproximadamente 24 horas, vislumbraram as primeiras casas da Capital. O navio encostou-se à ponte de desembarque e os imigrantes foram conduzidos à Casa da Imigração, que apresentava um aspecto bastante descente, pois tinha repartições para cada família, com camas rústicas.
– Gràssie a Dio semo rivai – (Graças a Deus chegamos) – disse Carlo para Verônica.
– Te gò dito che’l nostro tatin nasceria in Brasile. Ghe manca solo um mese, par le me conte. (Eu te disse que o nosso bebê nasceria no Brasil. Falta apenas um mês pelas minhas contas.)
Dias depois, veio a ordem de nova partida. Ordenados em longa fila, atravessaram algumas pontes pênseis, denominadas de ‘trapiches’, para chegarem ao vapor que tinha o nome de ‘União’. Era um pequeno barco fluvial que tinha rodas nas laterais para facilitar o transporte.
Por volta das 10 horas, por meio do Rio Caí, o vapor adentrou por uma região de bosques. Nas margens via-se somente mato virgem. De vez em quando, avistava-se uma casinhola construída de barro e coberta com folhas de palmeiras. Depois de quase uma centena de quilômetros, às 9 horas do dia seguinte, o ‘União’ deu o aviso de chegada ao povoado de São Sebastião do Caí e os imigrantes foram conduzidos a outra Casa da Imigração, uma verdadeira barraca, sem trincos nas portas e janelas.
No dia seguinte, o empregado da Imigração avisou que daquele ponto em diante a viagem até o destino seria feita em cavalgaduras. Cada cavalgadura, com sela, além de carregar uma pessoa, levava dois cestos, onde, às vezes, eram colocadas crianças. Por não haver cavalgaduras suficientes, os homens seguiriam a pé. 
– Verônica, monta sù nte che a mula lì che, me par che, la ze mansa. (Verônica, monta naquela mula ali, que me parece ser mansa.)
– Nò, assa che vae la nona, che la ze intrigada de caminar. (Não, deixa que vá a vó Assunta que está com dificuldade de caminhar.)
Ao que a nona Assunta imediatamente retrucava:
– P’amor de Dio! Vuto ndar sù pa i monti a piè par perder el tatin? (Pelo amor de Deus! Você quer subir os morros a pé para perder o bebê?)
– E se a mula la se rabalta, no l’è mia pedo? (E se a mula cai, não é pior?)
– A mula no a se rabalta, nò... La ze costumada. (A mula não cai, não... Ela é acostumada.)
Alguns caixões, que vieram da cidade natal, tiveram de ser desmontados para poderem levar o que cabia nas cavalgaduras. E assim, guiados por um tropeiro moreno, que comandava uma pequena tropa de burros e mulas, iniciaram a subida da serra. A tropa encaminhou-se por uma estrada que, pouco a pouco adentrou no mato, transformando-se em estreito trilho cercado de ervas, arbustos e espinheiros. Verônica, com o peito apertado e com o coração em frangalhos, pedia a Deus e à Virgem do Bom Parto que a protegessem de todo e qualquer mal. Os homens, cabisbaixos, ora adiante, ora atrás daquela pequena tropa, seguiam pela subida molhada e escabrosa, cheia de degraus e buracos feitos por cascos de cavalos.

* 5º Capítulo. O Jornal O Florense publica desde março, dividido em sete capítulos, o conto vencedor do Concurso Literário 2015, de autoria do professor, escritor e músico Ivo Gasparin. A obra é baseada em fatos e depoimentos reais dos livros ‘Entre o passado e o desencanto’ e ‘Cozì vive i Taliani’.