Alex Eberle e Ivo Gasparin

Alex Eberle e Ivo Gasparin

Parla Talian

Ivo Gasparin - Graduado em Filosofia e Pós-graduação em Letras, Ivo Gasparin é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Com o pseudônimo de Tóni Sbrontolon, é colunista e autor. Dentro da música, destacou-se como fundador e componente do Grupo Ricordi.

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‘La Prima Semensa’ – A Primeira Semente*

Felizmente o dia amanheceu com um céu azul ensolarado e o mar manso.

Carlo, que sempre fora de boa convivência, já havia feito diversos amigos: Francesco Basso, de Feltre; Caetano Bassani, de Belluno; Clementino Bavaresco e Caetano Barcarollo, de Cremona; entre outros menos aconchegados, oriundos de Pádova, Treviso, Bergamo, Schio e de outras localidades. Davam-se ao luxo de jogar cartas na maioria do tempo.
Verônica, por sua vez, vivia de conversas muito íntimas com uma senhora de uns 30 anos, Paulina Barbieri, que também estava grávida. Antônia, muito extrovertida e faladeira igual ao pai, já tinha feito diversas amiguinhas e quase não percebia a penúria pela qual estavam passando. Assunta era a mais reservada. Vivia mais concentrada em seus pensamentos e só entabulava alguma conversa com alguma senhora de mais idade que se aproximasse dela.
No dia 5 de março receberam a notícia de que a partida para o Brasil ocorreria no dia 7 e que estivessem preparados. E já no alvorecer desse dia começou um grande burburinho de pessoas que corriam de um lado para o outro andando em direção ao porto, onde se encontrava o vapor de nome ‘Garibaldi’. Crianças choravam, mulheres chamavam pelos filhos. Muitos, com lágrimas nos olhos, pensavam na incerteza do futuro; quase todos estavam no fim de seu dinheiro. Alguns mostravam-se alegres, pensando que se aproximava o término de suas atribulações.
Como uma choca que cuida dos seus pintinhos, Carlo estava sempre atento a tudo. Andava muito preocupado com Verônica, temendo que ela passasse mal. Mas Verônica não se abalava:
– No stà preocuparte, Carlo, el nostro tatin nasserà in Brasile, belo e com salute. (Não te preocupes, Carlo, o nosso bebê nascerá no Brasil, bonito e com saúde.)
– Sì, gràssie a Dio! E ti, Antônia, resta sempre tacada a la nona. (Sim, graças a Deus. E tu, Antônia, procura ficar sempre grudada na avó.)
Ao meio-dia, com o sol a pino, foram conduzidos para dentro do vapor. Os imigrantes, aproximadamente uns 1.200, vagueavam na coberta, olhavam-se uns aos outros. Aos poucos, todos puderam unir-se, família por família, com suas bagagens. Às 15h um agudo apito anunciou a partida do vapor.
Na primeira tarde tudo transcorreu normalmente, mas, à noite, o mar começou a ficar revolto. Todos tiverem que descer nos porões do navio. Não podiam ficar no convés porque, devido às grandes ondas, o navio sacudia muito e era perigoso, pois podiam cair no mar. O furor do mar pôs tudo em desordem: caixas, baús, objetos de toda a espécie. Um inferno.
Ouviam-se gritos, choros. Alguns, com o terço nas mãos, rezavam. Outros, estáticos de pavor, esperavam ser tragados pelas ondas. Carlo estava abraçado a todos os seus, rezando, pedindo calma e dizendo que logo logo isto passaria. Viam-se por toda a parte mulheres, crianças e moças rolarem ao chão no meio de trouxas, gamelas, bolsas, livros de devoção, garrafas...
Naquela noite, quase todos sofreram de enjoos. Felizmente o dia amanheceu com um céu azul ensolarado e o mar manso.

* 3º Capítulo. O Jornal O Florense publica desde março, dividido em oito capítulos, o conto vencedor do Concurso Literário 2015, de autoria do professor, escritor e músico Ivo Gasparin. A obra é baseada em fatos e depoimentos reais dos livros ‘Entre o passado e o desencanto’ e ‘Cozì vive i Taliani’.